2004/09/29

A Excelência

Parece que as listas de colocações de professores finalmente apareceram!
Algumas conclusões desde já se podem retirar.

1) O processo não foi de facto manual, nem nunca poderia ter sido para que a lei fosse integralmente respeitada. A tarefa era demasiado pesada para dispensar computadores. O Ministério afirmou mesmo que "à mão" terá sido uma força de expressão, em qualquer caso.

2) Tanto quanto percebi, a solução terá sido obtida por via informática por uma equipa contratada recentemente, em colaboração com pessoas do Ministério junto de quem validaram o algoritmo e os resultados.

3) Se o processo foi agora concluído tão rapidamente, provou-se que a Compta foi incompetente, mesmo que eventualmente o Ministério tenha partilhado responsabilidades.

4) Se a lei foi de facto integralmente respeitada e dado o curto prazo decorrido, provavelmente o problema da colocação de professores não tem intrinsecamente uma complexidade muito elevada. Talvez o (mau) algoritmo que estava a ser usado para o resolver possuísse, esse sim, "complexidade exponencial". Este é contudo um aspecto que merece análise mais cuidada e, principalmente, científica. Como já foi sugerido por outros, é uma óptima ocasião de "abrir o problema à sociedade" suscitando o aparecimento de propostas de solução e demonstrando como a Ciência é útil na vida de todos os dias.

Já observei um dos habituais "tiros ao lado" que aparecem na sequência das crises nacionais: que isto provaria a necessidade de promover a Excelência, pois bastou um "salvador" para resolver as dificuldades. Discordo completamente: o que isto prova é a absoluta urgência de promover a "normal" competência do comum dos mortais.

A "Excelência" em si não precisa de ser promovida. O que importa é criar um ambiente generalizado de alto nível técnico, cultural, científico (e ético!) para que a Excelência possa ter condições de se desenvolver. Promover a Excelência sem este substrato é fomentar o "desenrascanso", é esquecer que o mundo é feito principalmente por "pessoas normais" medianamente competentes. Os "excelentes" são excelentes motores, são excelentes referências, são excelentes mais-valias. Quando aparecem, devem ser excelentemente aproveitados para que haja um salto qualitativo superior ao que seria normal. Mas não há Excelência que resista muito tempo num mar de incompetentes.

PS: Duas notas mais.

1) Além de informáticos incompetentes, também continuamos a ter maus jornalistas. Ao falarem de colocações duvidosas misturam eventuais erros de programação com atestados fraudulentos, com erros de introdução de dados e com frustações de não se ter sido colocado. Como se fosse tudo a mesma coisa... E em conferência de imprensa não perguntam sequer (ou pelo menos não mostram na versão editada da reportagem) se se conhece com segurança a origem dessas eventuais falhas de colocação.

2) Pelas declarações da Ministra e da empresa ATX Software, palpita-me que o trabalho foi desenvolvido gratuitamente... É certo que o prestígio conseguido pela empresa valeu bem o esforço mas, a confirmar-se a minha impressão, mais uma vez os portugueses mostram um dos seus defeitos: mesmo que seja um preço justo, tentam tudo para evitar pagar seja o que for.

2004/09/23

A Justiça

Uma das belezas do mundo é que tudo tem um lado bom.
O lamentável exemplo da colocação de professores, sendo muito grave, tem contudo um enorme valor como demonstração do que está mal e de como falta competência na gestão técnica de assuntos que não deveriam justificar nenhuma dificuldade especial.

De entre os muitos factos que agora se tornaram absolutamente indesmentíveis, destaco os seguintes.

1) O sistema de gestão das vagas de professores no Ministério da Educação é patético (e isto não tem nada a ver com Informática).

2) Não tem sido dada responsabilidade de gestão técnica a quem tem perfil adequado para isso.

3) As muitas iniciativas de difusão das Tecnologias de Informação promovidas pelo Governo deveriam ter tido segunda prioridade por comparação com a revisão completa dos sistemas informáticos estatais que é suposto ajudarem o país a funcionar.

4) Os procedimentos normais de controlo e auditoria ao trabalho que é feito (seja por funcionários públicos ou por entidades externas) não são aplicados pelo Estado.

5) Se o sistema de Justiça estivesse a funcionar saudavelmente, seria viável recorrer a ele para corrigir "à força" em tempo útil muita coisa errada. Já aqui o tinha escrito, nesta ocasião.

Não partilho da opinião de que tudo são "máfias" e má vontade. Há também disso, mas mais graves são os problemas de incompetência de Gestão e de falta de maturidade de pessoas a quem têm sido atribuídas responsabilidades de chefia. (Uma delas chegou ao topo da hierarquia, não nos esqueçamos!) É altura de as substituir em larga escala. É altura de tornar a Justiça a prioridade das prioridades. Fomos todos nós que permitimos que a situação chegasse onde chegou, cabe-nos a nós todos corrigir os erros.

2004/09/21

O concurso perdido

Sejamos realistas: este concurso de professores está perdido. Independentemente de saber de quem é a responsabilidade, o facto é que o actual sistema informático de colocações não tem cura. Provavelmente foi mal especificado, quase seguramente foi mal programado. Faltou uma gestão técnica adequada, que já teria dado o "doente" como morto há muito tempo. Bastaria ter ouvido a Ministra contar os "detalhes sórdidos" ontem no "Prós e Contras" para enterrar de vez o cadáver.

Não se confundam as questões: há uma política e há outra estritamente técnica. Sobre esta última, diga-se que nenhuma dificuldade específica justificaria este triste espectáculo. Uma equipa competente é capaz de resolver o problema com poucos recursos e em pouco tempo. O resto é apenas inépcia e incapacidade de a reconhecer.

Aceitemos o facto de que não vai haver listas.
O que fazer?

Talvez tratar o assunto escola a escola:
1) manter as colocações que já tiverem sido feitas este ano;
2) nas vagas ainda em aberto tentar manter as colocações do ano passado se esses professores ainda estiverem "livres";
3) "tapar os restantes buracos" com micro-concursos locais.

Mas sobre isto não me atrevo a ter uma posição, está longe de ser a minha área.
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PS -
Se o processamento vai ser feito "à mão" para 50.000 professores, então verifica-se uma de três situações:

a) qualquer programador competente consegue em um ou dois dias fazer um programa que execute automaticamente aquilo que agora vai ser feito manualmente ou

b) esse processamento manual implica "interpretações" caso a caso de uma lei que estará eventualmente mal feita (e que portanto não permitirá extrair um conjunto inequívoco de regras de colocação susceptível de ser traduzido fielmente em software) ou

c) as regras a utilizar serão uma "versão simplificada" das que estão previstas na lei, que portanto não seria integralmente cumprida.

É _muito_ importante perceber o que se passa, afinal.

2004/09/18

O que eu sei do Ministério da Educação

A incompetência na utilização de recursos informáticos no Ministério da Educação está longe de ser novidade. Em 1998 consegui acesso aos ficheiros dos resultados das colocações de professores com umas horas de antecedência em relação à divulgação oficial, pois estavam disponíveis online no servidor do Ministério num endereço não divulgado mas desprotegido.

Com a ajuda de colaboradores meus, tratei essa informação e coloquei-a online numa máquina alojada no Departamento de Informática da Universidade Católica no Porto, que eu dirigia na altura. Esse trabalho foi todo desenvolvido em 4 ou 5 horas. O computador era um vulgar PC de secretária, se não me engano com um processador Pentium II, 64 ou 128 MBytes de RAM, a correr Linux e Apache sem nenhuma configuração especial. A ligação à Internet era feita através do acesso do pólo da Foz da Universidade, nessa altura numa linha de 64kbit/s (como comparação, as ligações ADSL actuais são tipicamente de 512 Kbit/s!). As páginas foram feitas em HTML básico, sem imagens para ser leve, e possuíam uma ferramenta da pesquisa muito simples e bem melhor do que a do Ministério.

Este serviço teve enorme divulgação pública (via Internet, rádio, contactos pessoais, etc.) e milhares de acessos de repente, no dia "oficial". Nunca teve problemas de indisponibilidade e foi por lá que uma parte significativa dos professores soube da colocação, enquanto o servidor do Ministério estava em baixo. Durante o primeiro dia teve uma média de 2000 acessos por hora, tendo aguentado um pico de utilização muito mais elevado. Chegaram a telefonar-me pessoas do próprio Ministério da Educação a pedir-me para as informar de alguns resultados!

Propus ao Ministério que a minha empresa passasse a assegurar o serviço. Não houve interesse. No ano seguinte (1999) os problemas no servidor do Ministério repetiram-se e eu voltei a disponibilizar os resultados no meu. Em 2000 voltou a haver problemas no Ministério e eu, nessa altura, resolvi já não fazer nada apesar de ter os dados comigo. Desisti. A paciência tem limites.

Existe na "máquina do tempo da Internet" uma cópia em arquivo da versão de 1999 do meu servidor.

Provou-se assim que o problema com o servidor oficial não era falta de recursos técnicos: a máquina do Ministério era seguramente melhor do que a minha, a ligação à Internet tinha mais capacidade. A dificuldade do Ministério foi apenas a incompetência, irresponsabilidade e má vontade dos seus serviços. Apesar de conhecerem perfeitamente o serviço que estava a ser prestado, nunca me perguntaram qual a solução técnica que tinha adoptado, nunca aceitaram a minha proposta de ajuda.

Este problema da divulgação dos resultados é completamente diferente daquele que agora se verificou, que diz respeito ao processamento da colocação dos professores, mas mostra bem como (não) funcionava o Ministério da Educação. Podia dar mais exemplos que conheço bem.

Apresento abaixo apontadores para os faxes que enviei em 1998 e a única resposta do Ministério da Educação. Quem assina a resposta? – Joana Orvalho.

O anúncio do servidor em 1998
A minha proposta

A resposta do Ministério:




A minha insistência

PS: O Comércio do Porto fez referência a este assunto e o Correio da Manhã também.

2004/09/12

Tourada

Só esta faltava, o Abrupto a promover a tourada...

Este assunto, tendo uma gravidade evidentemente diferente, constitui um exemplo semelhante ao do Aborto de como as várias partes usam argumentos errados e sem lógica para defender posições por vezes correctas.

A tourada tem dois problemas.

O primeiro é ser um espectáculo bárbaro e deseducativo, mesmo que possua igualmente aspectos que consideraria “belos” não fosse o touro um ser vivo que sofre como nós. Será aceitável que se maltrate um animal para gáudio dos humanos? Acho inqualificáveis alguns argumentos que por vezes ouço, como o de que “é um combate justo”, etc., como se o touro tivesse escolhido de livre vontade entrar em duelo com o homem...

O segundo é saber se matar o touro na arena deve ser permitido ou não. Quanto a isso, o critério deve ser a minimização do sofrimento do touro. Acho preferível que ele seja abatido o mais rapidamente possível (o que seria ainda na arena), em vez de ficar em agonia até mais tarde, fora da vista do público. A luta contra os touros de morte parece-me assim completamente contraproducente pois, existindo a tourada, não beneficia os animais. Depois do público ter assistido a uma tortura lenta e cruel, a morte do touro é também um alívio misericordioso para quem assistiu a tal espectáculo.

O que está fundamentalmente errado é a tourada ser legal. Nenhuma tradição, nenhum “valor cultural”, nenhum interesse económico justifica este triste espectáculo. Como explicar a uma criança que se justifica infligir este sofrimento a um animal em nome do “domínio, da arte, da graça e do ritmo”? Tendo ela a percepção de que os humanos são tão parecidos (sem ironia) com os “bichos”, como lhe explicar: “podemos fazer isto aos bichos mas temos que tratar bem as pessoas”?

2004/09/09

Perguntas esquecidas

O tema do Aborto continua a provocar o aparecimento de comentários e opiniões sem qualquer suporte lógico ou racional.

No caso do referendo de 1998 podia-se considerar que existiam dois lados em oposição porque havia uma pergunta concreta a exigir uma resposta de SIM ou NÃO. Contudo, neste momento é totalmente inadequado dividir os cidadãos entre os defensores do SIM e os do NÃO. Existem inúmeros "lados", todos com posições e justificações diferentes. A bipolarização que surgiu demonstra ignorância, falta de rigor, deficiente capacidade de análise.

Há uma pergunta que se impõe mas que raramente é feita e muito menos respondida. Quase todos os "lados" defendem, em abstracto, que as mulheres que abortam "não devem ir para a prisão", independentemente de o aborto ser considerado ou não um crime. Mas: e quanto ao prazo, isso não será relevante para uma decisão quanto à penalização a aplicar?

Pergunta-se a quem defende a descriminalização até às 12 semanas (porque é supostamente "criminoso" prender uma mulher por esse motivo): e se uma mulher em boa situação económica e familiar abortar aos 7 meses, por exemplo, já deve ser presa? A resposta é quase sempre o silêncio. Julgo que há duas razões para isso. A primeira é o incómodo de confessar que se defende a prisão para alguns casos de irresponsabilidade mais grave. A segunda é que por vezes se apoia, sem o assumir, a total liberalização do Aborto independentemente do prazo, até ao nascimento.

A minha opinião já aqui foi explicada de forma clara: qualquer caso não autorizado por lei deve ser levado a tribunal. Se geralmente a prisão é desadequada, excepcionalmente poderá ser justificada. Havendo pais capazes de maltratar os filhos das formas mais inacreditáveis, por que fenómeno estatístico é que no caso do aborto não haveria também algumas situações que merecessem penas duras?

Outro aspecto esquecido é a penalização dos outros intervenientes que não a mulher. As clínicas que praticam abortos clandestinos não o fazem certamente por altruísmo. É um negócio sórdido. Não merecem prisão os seus responsáveis?