2005/03/24

Demagogia pura e dura

Fala-se muito do referendo sobre o Aborto e escreve-se frequentemente algo como isto que Ana Gomes colocou no Causa Nossa: "Para acabar rapidamente com a vergonha das mulheres levadas a julgamento e investigadas por prática do crime de aborto."

Independentemente daquilo do que cada um pensa sobre o assunto, parece-me que seria da mais elementar honestidade quem defende a "despenalização" nestes termos explicar que pretende na realidade a liberalização TOTAL do aborto, sem qualquer prazo limite. E, se aceitarmos isso, onde é que vamos parar?

Quando se refere a intenção de evitar o julgamento e eventual prisão das mulheres que abortam, esquece-se de referir que essa despenalização também teria que ser válida para quem decidisse abortar aos 7 ou 8 meses! Ou pretender-se-ia que nesses casos as mulheres fossem julgadas? Ou frases como a transcrita acima serão apenas a mais desavergonhada demagogia?

Não percebo como este ponto não é mais referido na imprensa e mesmo na blogosfera. Decida-se o que se decidir, é fundamental que tenhamos todos a perfeita consciência daquilo que está em causa. Tudo isto já foi debatido à exaustão antes:
Vale a pena ler as citações de 1998 que compilei na altura.

2005/03/23

Cobardes

Tenho estado a evitar escrever sobre o caso de Terri Schiavo porque ele levanta a questão da eutanásia, a qual exigiria um texto ponderado e longo que não tenho agora tempo de preparar. Contudo, as recentes notícias de que a vão matar à fome e sede são um monumento à estupidez e cobardia humanas!

Das três, uma:
  • ou se considera que a vida é de preservar mesmo nas circunstâncias dramáticas de Terri Schiavo, e se decide manter vivo o que resta dela, com todos os inconvenientes que isso implica;
  • ou se acredita que já não é uma pessoa que ali está e por isso não faz sentido preservar aquela vida que deixou de ser humana;
  • ou se admite que, mesmo na hipótese de ainda estarmos perante uma pessoa de pleno direito, será preferível a morte à situação em que se encontra pelo que deve ser aplicada a eutanásia da forma mais rápida e suave que for possível.
Desligar os tubos de alimentação de Terri Schiavo é a opção mais cruel, mais desumana, mais cobarde que podia ter sido escolhida por quem não teve a coragem de tomar uma decisão séria.

2005/03/15

O Número Único

Vital Moreira sugeriu acabar com a proibição constitucional de haver um "número único" de cada cidadão perante o Estado. Completamente de acordo!

Não haver número único (ou seja, haver vários números) é apenas burocracia. Não resolve nada quanto à segurança ou anonimato dos cidadãos em relação ao Estado. A solução é a transparência de procedimentos e a auditoria às acções do Estado. Quem tiver acesso às bases de dados pode sempre cruzar a informação mesmo que isso seja ilegal e que precise de recorrer aos vários números actuais. Tendo isto em consideração, pelo menos estamos todos de acordo em permitir o número único. Podem existir diferenças de opinião quanto à protecção de dados e do respectivo cruzamento, mas isso é outro assunto.

O cruzamento de dados tem que ter regras claras. Não estou a ver por que razão, por exemplo, é que o Fisco poderia ter acesso a dados clínicos de um hospital... Mas já faria sentido o Fisco verificar se nos dados financeiros desse hospital constam as despesas que eu declarei no IRS como tendo sido feitas lá.

Mais: havendo registo electrónico de quem teve acesso à informação sobre mim, eu próprio deveria poder verificar o que andou a ser feito e pedir esclarecimentos ou apresentar queixa se detectasse abusos.

2005/03/08

O Governo, o capital e a economia do Norte

Ontem foi para mim um dia inteiro de debates…
Aqui ficam registadas resumidamente algumas opiniões que defendi.

Com um novo Governo de maioria absoluta, a qualidade da participação cívica tem de aumentar. Precisamos de fazer o nosso “trabalho de casa” - cada um de nós deve explicar o que quer, porquê, e como concretizar aquilo que deseja:
  • para quem está na oposição, esta é a única maneira eficaz de influenciar as decisões;
  • para quem votou neste Governo, contribui-se assim para que o conforto da maioria não provoque um amolecimento da acção.
Se me fossem atribuídas responsabilidades de governação, daria absoluta prioridade à reforma da Justiça para garantir que as regras que regem a nossa vida em sociedade sejam respeitadas por todos, Estado incluído. Melhorias neste campo teriam efeitos imediatos no funcionamento do país. Sem isto nem sequer há condições de governabilidade: as outras reformas encravariam por ausência de ferramentas eficazes para as fazer cumprir.

Prioridade seguinte: a reforma da máquina fiscal. Este é um assunto de carácter quase exclusivamente técnico, e por isso bastam gestores e técnicos competentes para a levar a cabo. Não se complique o que é simples e faça-se o que há a fazer sem desculpas.

A Educação é muito importante mas qualquer melhoria de fundo só tem impacto significativo daqui a uma geração. Se se tenta fazer tudo ao mesmo tempo acaba por não se conseguir quase nada. Trate-se primeiro dos temas anteriores e daqui a um ou dois anos volta-se a este.

Na Economia, o Estado deve basicamente não fazer nada! O que é preciso é deixar o sector privado actuar sem lhe criar entraves irracionais, diminuindo os “custos de contexto”. Nada de Otas nem TGVs. Acabem-se todos os subsídios, isenções, apoios, incentivos, etc. Converta-se tudo isso em capital (de risco?) disponível para os empreendedores que têm capacidade de alcançar sucesso e fazer, eles sim, a modernização de que o país precisa urgentemente, começando até pelos sectores mais tradicionais. É importante para o país, é fundamental para o Norte.

No fórum de ontem em Serralves promovido pela Agência de Inovação constatou-se mais uma vez que não tem existido em Portugal intervenção de capital-semente. Eu teria preferido converter o prémio que me foi atribuído pela minha ideia de negócio na indicação de um “business angel” que comigo viesse transformar este projecto em realidade. Mas, com duas eventuais excepções no capital de risco nacional, os meus interlocutores vão ser provavelmente todos estrangeiros. Não há mal nenhum nisso, só que é mais complicado e mais demorado conquistar credibilidade junto deles do que seria no caso de entidades portuguesas (será mesmo?).