2006/12/07

O mal menor

Transcrevo abaixo parte de um texto alheio que explica perfeitamente o que eu penso sobre a "teoria do mal menor" para justificar a liberalização do aborto (com ou sem prazo limite, isso é irrelevante para o argumento). As ênfases a "bold" são da minha responsabilidade.

O que eu penso sobre este tema está explicado aqui:
http://taf.net/opiniao/2004/08/o-aborto-verso-2004.htm
http://taf.net/opiniao/2004/09/perguntas-esquecidas.htm
http://taf.net/opiniao/aborto-citacoes.htm

Para quem tiver interesse, deixo também apontadores para o arquivo do fórum da Universidade Católica em 1998, que eu promovi e moderei. O segundo é o de todos os comentários que me chegaram (mesmo os que eu recusei), sem qualquer filtragem:
http://web.archive.org/web/*/http://porto.ucp.pt/aborto
http://web.archive.org/web/20010508231252/porto.ucp.pt/aborto/arquivo/catolica-todos.htm


"(...) Por vezes encontramo-nos perante dois males – dizemos - e havemos por força de escolher algum; logo, o menor! Por exemplo, um polícia persegue um ladrão em flagrante delito; só disparando pode capturá-lo; não deve atirar à cabeça nem ao peito, mas às pernas. É um mal menor... Simplesmente, o exemplo não serve: o polícia faz bem, não faz mal, em tentar apanhá-lo. A sua função é a de manter a ordem social com o menor custo possível de vidas e bens. Não escolhe nesse caso entre dois males, mas entre um bem – cumprir o seu dever – e um mal: feri-lo desnecessariamente.

Nunca se deve fazer um mal, nem grande nem pequeno. Nem sequer para que daí venha um bem... Temos ouvido falar das chamadas «mentiras piedosas»: - «Minto para que haja paz...» Parece realmente que obtive um bem, porque as pessoas não se zangaram, mas é um bem enganador, porque, se perdemos a confiança mútua, nunca mais haverá paz «sustentável», como agora se diz. Instalando-se a mentira, instala-se a desconfiança.

Por esse caminho errado também se legitimaria matar uma pessoa inocente «para salvar a Nação», como justificavam os fariseus a condenação à morte de Jesus. Também lhes parecia «um mal menor». Não tem faltado mesmo quem cometa genocídios por esse mesmo (desvirtuado) princípio: para «libertar» o país de um sector incómodo e «menor» da população...

E hoje em dia veja-se o aborto legalizado, pior e muito mais extenso do que todos os genocídios. Não há quem não veja no aborto voluntário um mal, e mesmo um horror, mas há quem o justifique por esse (mal entendido) princípio: «para evitar um mal maior», como seria a sobrepopulação, ou o trauma da mulher, ou a falta de progresso científico, ou até a falta de «qualidade de vida» do nascituro... Acontece, porém, que não há mal maior do que o aborto legal: matar deliberada e legalmente um inocente é a subversão total do direito, da medicina, da ciência, da política, da cultura, da técnica, da civilização, além de ser a destruição deliberada de uma vida humana («inviolável», segundo proclama a nossa Constituição..., violada ela própria por essa lei iníqua). Porque tudo se deve dirigir ao bem do homem, e não ao seu aniquilamento.

Mas, além disso, ainda que nos parecesse um «mal menor», seria um mal; ninguém teria o direito de o cometer. Se não se deve mentir, quanto menos matar - e matar um inocente! Um filho!

Então, que significa esse princípio? Significa, não que possamos cometer um mal, mas sim tolerar algum mal, alheio, para evitar males maiores. É o caso do pai que deixa passar por alto uma impertinência do filho para evitar exasperá-lo, e esperando que se acalme; o caso do professor que tolera alguma indisciplina, esperando que a sua compreensão e amizade acabem por conquistar os alunos; o caso da polícia que não prende todos os carteiristas, porque mais vale conhecê-los e controlá-los do que ignorar os que lhes sucedem nas suas «zonas»; o caso das «toleradas» (assim se chamavam as prostitutas), pela mesma razão; o caso dos juizes que aplicam leves penas ou absolvem as mulheres que abortam, pois sabem que a maior pena delas é a lembrança do filho despedaçado, e para que não façam delas bandeiras políticas; o caso de um empresário, que não expulsa um operário logo ao primeiro abuso registado; o caso dos governos que amnistiam insurreições, para abrir caminho à pacificação do país; etc.

O princípio do «mal menor», portanto, é afinal o princípio da tolerância, que faz parte da prudência doméstica e política. E procede da visão realista da natureza humana: o homem não nasce perfeito: tem de aprender com tempo e esforço, tem de começar e recomeçar; e corrigir-se muitas vezes; e mesmo assim continua fraco, frágil, propenso ao mal... Sejamos pacientes com as fraquezas humanas, inclusive com as nossas; mas não as justifiquemos; não as legitimemos, porque seria um endurecimento da consciência; e não as legalizemos, que é um incentivo ao mal. Não há nenhum «mal menor» que seja bom."

Mons. Hugo de Azevedo