2010/05/21

Sociedade instantânea

Uma instituição milenar como a Igreja Católica compreende bem que há tempo para além do nosso tempo

Tenho defendido que os principais problemas do país são um sistema de justiça anedótico, leis e regulamentos perfeitos para sabotar uma vida normal em sociedade, e também o peso mastodôntico do Estado. Receio agora ter de acrescentar mais um: o facto de não se dar tempo ao tempo. “Devagar, que temos pressa.”

Vivemos num mundo que aspira a ser instantâneo, movido por acções de efeito imediato. Desesperados com as contrariedades, perdemos a persistência junto com a paciência. Concentramo-nos no presente, no território próximo, nas pessoas conhecidas. Daniel Innerarity esta semana em Serralves, numa convergência (aparentemente sem que ele se tivesse apercebido disso) com a visão do mundo de Bento XVI, referia o “triunfo das insignificâncias”, a “tirania do presente”, a “expropriação do futuro” que fazemos às gerações vindouras na ausência de quem as defenda. Sugeria ele então uma “colectivização intergeracional do tempo”, estendendo a atenção do nosso próximo (no sentido bíblico) também ao “nosso longínquo”. Uma instituição milenar como a Igreja Católica compreende bem que há tempo para além do nosso tempo.

Não podia este tema vir mais a propósito da situação de Portugal. Perante um Executivo moribundo, devemos ter a prudência de recusar um amanhã que hipoteque o depois de amanhã. Há um tempo para ajudar o Governo e um tempo para substituir o Governo. Cada coisa a seu tempo. Os efeitos de curto prazo nos mercados internacionais, perante um sufoco de tesouraria do país, recomendam até um aumento de impostos. Por uma vez, acredito nos especialistas. Mas não me vou esquecer de lhes lembrar que esse aumento é temporário porque temos pressa do futuro que ainda não houve tempo de construir. Deixemos a tempestade financeira acalmar. Vai ser aí que o Governo termina o seu tempo.

(publicado no JN de 2010/05/20)

2010/05/07

O Mistério da Couve Desperdiçada

Mesmo sem esperar por alterações às regras dos apoios sociais, as juntas de freguesia saberiam cativar com prémios não financeiros quem pegar na sachola

Faltam programas de utilização sistemática dos solos disponíveis para fins agrícolas nos centros urbanos. Algo que faça sentido dos pontos de vista económico, ambiental e, importantíssimo, da integração social. Este último aspecto é até o que mais impacto poderia ter. Que melhor opção existe para dar trabalho a quem não tem outras alternativas devido à idade, a falta de formação, ou a escassez de empregos?

Basta consultar imagens de satélite para se constatar a impressionante mancha verde no interior de inúmeros quarteirões actualmente pouco cuidados. E, no caso do Porto, tanta água que sabemos correr em ribeiras no subsolo! Mas, ao calcorrear essas ruas das cidades, encontra-se gente resignada a uma vida dependente do Rendimento Social de Inserção que, mole, nem trata da terra que tem atrás de casa nem faz manutenção aos edifícios – não se decide a ser útil.

É tarefa espinhosa convencer alguém a trabalhar se não tiver incentivos para tal. Mas, mesmo sem esperar por alterações às regras dos apoios sociais, as juntas de freguesia saberiam cativar com prémios não financeiros quem pegar na sachola (além da óbvia retribuição em produtos agrícolas). Apesar de eventuais boas intenções da Administração Pública, é aflitivo ver como se desperdiçam oportunidades simples que estão ao nosso alcance. Envolvam-se autarquias, IPSS, mercados tradicionais e cadeias de abastecimento dos supermercados de proximidade. Reunam-se competências dispersas para conseguir lançar explorações de agricultura urbana em pequena escala em conjunto com os proprietários dos muitos terrenos escondidos (ou nem por isso) no interior das cidades. Tentemos resolver problema a problema, sem adiarmos até que apareça uma qualquer duvidosa Grande Estratégia. Esta agricultura também é uma “indústria criativa”.

(publicado no JN de 2010/05/06)