2010/10/22

tiago.fernandes@gmail.com

Transformar cada português num micro-empresário é uma fantasia que gera empresas sem dimensão mínima sustentável

Este país em que tantos teimam na viabilização de um Orçamento de Estado que eles próprios consideram mau, irá deparar-se com a mesma situação revista e aumentada se persistir no erro de confiar neste Governo e nos especialistas do costume, que sugerem remédios mas em devido tempo não evitaram a doença. Contudo, se se organizar devidamente, a iniciativa privada poderá trazer grande desenvolvimento mesmo dispondo apenas de recursos limitados quando comparados com os desperdícios públicos.

Transformar cada português num micro-empresário é uma fantasia que gera empresas sem dimensão mínima sustentável e para a qual a generalidade das pessoas não tem vocação. Se excepcionalmente há nichos de mercado que se exploram com sucesso (por exemplo a oferta de alguns produtos de luxo para o mercado externo, numa estratégia se calhar inspirada em Robin Hood), a crise é a altura adequada para promover a racionalização da oferta destinada ao cidadão comum, cada vez com menor capacidade de consumo e de endividamento. As agora inúmeras iniciativas de fomento do empreendedorismo dão alguma formação aos promotores mas falham sistematicamente na componente de angariação de investidores com capital próprio. Falta mesmo a “massa crítica”...

Neste contexto, insisto no excepcional potencial social e económico da reabilitação do miolo das cidades, tendo como destino o arrendamento. Se queremos alcançar bons resultados, devemos associar-nos para agregar competências complementares. Aplico a receita a mim próprio: conheço bem o centro do Porto e continuamente me perguntam por locais para lá residir ou trabalhar. Por isso, se têm capital para investir na criação conjunta de projectos mais sólidos e mais bem remunerados do que aquilo que os bancos hoje em dia propõem, contactem-me. Contactem-me mesmo.

(publicado no JN de 2010/10/21)

2010/10/08

Eles vão mudar de casa

Dizem que é um apartamento no Centro Histórico. Que vou ser vizinha do Bispo, dos traficantes da Bainharia e do Mercado de São Sebastião.

Comecei a desconfiar quando eles desarrumaram tudo. Livros no chão, móveis desmontados, idas ao Ikea, tralhas no carro ao fim de semana. Fiquei preocupada quando chegou a encomenda de um saco para transporte de gatos e ele me convidou a experimentá-lo “para me ir habituando” e me avisou de que passaria a viajar de metro. Mas enfim, se ele e ela se meteram em mudanças...

Dizem que é um apartamento no Centro Histórico. Que se chega lá por escadas, que me vou divertir na janela a ver gaivotas, barcos no Douro, turistas a fotografar da ponte com inveja por haver gente a morar num sítio daqueles. Que vou conhecer cheiros novos, sentir o vento soprar mais forte e ouvir ao fundo, lá em baixo, a animação na Ribeira. Que vou ser vizinha do Bispo, dos traficantes da Bainharia e do Mercado de São Sebastião.

Espantou-me tal novidade ante a ameaça de sermos roubados pelo Estado com mais e mais impostos, mas afinal eles até poupam porque ainda apanharam o tempo em que os bancos julgavam ser sólidos. Créditos a spread baixo, para 100% ou mais do valor da habitação, secaram o financiamento a outros negócios que não fossem garantidos pela hipoteca de um imóvel supostamente “seguro”. Os bancos continuam sem saber calcular o risco com base no perfil concreto do cliente e nas características específicas da operação que propõe, não apenas nos números que um funcionário despeja no computador sem perceber que cada crédito é diferente. Se o país se afundar, o sector financeiro também não irá escapar...

Eles agora procuram investidores privados (os bancos estão noutra onda) para novas (tantas!) oportunidades de reabilitação destinada a arrendamento no Centro Histórico do Porto. O metro é bom, mas uma gata prefere passeios curtos. Quanto mais amigos e família morarem nas redondezas, melhor.

(publicado no JN de 2010/10/07)