2010/12/31

600 euros

O próximo ano vai ser bom. Vamos ter mais falências, quem não ficar desempregado passará a ganhar menos, perderemos terreno face ao resto da Europa

O próximo ano vai ser bom. Terminámos 2010 a esbanjar os últimos cêntimos em compras de Natal. Excelente! Iniciaremos 2011 limpos, sem dinheiro para vícios. Vamos ter mais falências, quem não ficar desempregado passará a ganhar menos, perderemos terreno face ao resto da Europa. Isso é saudável, pois finalmente não conseguiremos escapar aos remédios que a nossa inconsciência colectiva tornou indispensáveis. Abandonaremos a patetice da “homeopatia política”, medida aqui, medida ali, sempre em doses ínfimas totalmente ineficazes, administradas por um Governo tão zombie como nós.

Quando o PSD com Passos Coelho inevitavelmente tomar o poder, vai ter de separar “Estado” e “País”. O controlo do Estado será recuperado através da redução das áreas de actuação até estar razoavelmente domado, concentrando-se no essencial das suas funções inalienáveis (como garantir condições mínimas de sobrevivência a quem a economia desamparar, por muito que pese a todos os outros). O País, ao contrário, tem de ser libertado do Estado que o tolhe e de si próprio que se deixa adormecer.

Portugal precisa de ser acordado à força. Não é com um salário mínimo de 500 euros que se dá um abanão. Recomendo aumentá-lo talvez para 600 euros em um ou dois anos, iniciando uma convergência gradual com o dos nossos vizinhos europeus, para acelerar o ritmo de falência daquelas empresas que se arrastam à custa de mão-de-obra barata e frequentemente sem qualificações. Essas deverão morrer para que possam mais rapidamente nascer outras saudáveis. O custo social desse processo, muito oneroso também para o Estado, é tanto menor quanto mais depressa ele se desenrolar. De altas taxas de desemprego já ninguém nos livra. Resta-nos agora fazer com que elas venham cedo e cedo sejam tratadas.

Bom ano de 2011!

(publicado no JN de 2010/12/30)

2010/12/17

Wiki-chiliques

As reacções dos Estados desmascarados pelas iniciativas da Wikileaks demonstram quão podres são as elites que exercem o poder em nosso nome

Raramente se revela de forma tão evidente o equilíbrio precário em que as democracias ocidentais vivem. As reacções dos Estados desmascarados pelas iniciativas da Wikileaks demonstram quão podres são as elites que exercem o poder em nosso nome. O caso, de tão simples, assusta.

1) Têm sido divulgadas pela Wikileaks provas de actividades de duvidosa ética ou mesmo criminosas, conhecidas e nalguns casos promovidas por Estados supostamente “decentes”.

2) Os meios usados pelas fontes para passar estas informações foram irregulares mas, atendendo à sua natureza e ao claríssimo interesse público de muitas delas, condenável seria não agir.

3) A Wikileaks, pelo seu líder Julian Assange, seguirá uma agenda anti-americana. Terá sido irresponsável por não filtrar os dados que colocassem pessoas em perigo ou fossem irrelevantes para os altos valores que afirma defender. É possível. Tudo isto justifica então procedimentos mais elaborados como os que propõe a nova organização Openleaks: entregar o que recebe das fontes anónimas a meios de comunicação social por elas escolhidos para tratamento jornalístico, em vez de divulgar directamente.

4) Países que julgávamos terem uma estrutura judicial madura, como a Suécia e a Grã-Bretanha, são afinal terrivelmente permeáveis a pressões políticas. É inaceitável a perseguição feita a Julian Assange sob pretexto de uma acusação banal de duas senhoras suecas arrependidas de partilhar lençóis com quem conheciam há apenas poucas horas.

5) Se tudo isto não originar um terramoto com origem na sociedade civil, bem mereceremos a triste situação dos países que até agora classificávamos como pouco respeitadores dos direitos humanos, até fundamentalistas. Contudo, não nos sentiremos privados da liberdade, pois afinal nunca a teremos verdadeiramente desejado.

(publicado no JN de 2010/12/16)

2010/12/03

Desorientação criativa

Para ser útil, bastaria à ADDICT seleccionar alguns projectos que não tenham avançado e descobrir como ultrapassar as barreiras que encontraram

A ADDICT - Agência para o Desenvolvimento das Indústrias Criativas, criada em 2008 por universidades, fundações, CCDRN, etc., carece ela própria de uma injecção de criatividade. Os seus recursos humanos perdem-se no pesadelo da candidatura a programas de financiamento, insistindo nesta tragédia nacional que nos impede de gerar riqueza.

Uma agência destas só faz sentido se o “cluster” que pretende ajudar tiver grande impacto (ao menos potencial) na economia, explorando propriedade intelectual. Contudo, a ADDICT optou por restringir o seu interesse às actividades que quando muito proporcionam “copyright”, excluindo as que são rentabilizadas por registo de patentes. Troca engenharia, biotecnologia, ciências da saúde ou do mar, por “animação de bairro”, “intervenção em espaços públicos”, “festivais” e “eventos”. E propõe-se organizar conferências de especialistas em animação de bairro, intervenção em espaços públicos, festivais e eventos.

A criatividade tem de ser usada para gerar muito valor acrescentado e lucros relevantes. Para ser verdadeiramente útil, bastaria à ADDICT seleccionar alguns projectos de “indústrias criativas” que não tenham avançado apesar de parecerem válidos, analisá-los profundamente, e com os seus promotores descobrir como ultrapassar as barreiras que encontraram. Deveria também actuar como “broker” de capital estrangeiro pois, por mais milhões portugueses que se anunciem, o certo é que os investidores locais recusam financiamento a projectos que lhes são apresentados, não porque eles sejam maus, não porque não haja dinheiro disponível, mas apenas porque não se enquadram no respectivo "perfil de portfólio". Desperdiçam-se assim oportunidades sem que o país consiga encontrar meios alternativos de utilizar essa energia de que tão desesperadamente precisa.

(publicado no JN de 2010/12/02)