2005/11/08

Regionalização a martelo

Estive hoje a participar numa sessão de trabalho da iniciativa Norte 2015 relativa ao tema “Serviços Regionalmente Desconcentrados da Administração Central no Norte de Portugal” estudado e apresentado por Vital Moreira e tendo como referência este documento.

Apresento sucintamente algumas impressões e ideias que lá defendi. As minhas desculpas pela redacção apressada, mas o tempo não dá para mais...

Vital Moreira e Ana Cláudia Guedes fizeram um bom trabalho de levantamento da situação, de exposição das várias opções alternativas e de definição da terminologia a utilizar. Fundamentalmente, distinga-se então:
  • “descentralização” – quando se distribuem competências do poder central para órgãos locais ou regionais eleitos, ou seja, com legitimidade própria conferida pelo voto; - exemplo hipotético (apenas para ilustração do conceito): os municípios passam a cobrar directamente o IRS;
  • “desconcentração” – quando se distribuem competências do poder central para delegações locais ou regionais subordinadas à hierarquia superior, tipicamente para aumentar a eficiência operacional; - exemplo: a renovação do bilhete de identidade passa a ser tratada num guichet próprio para atendimento em cada cidade;
  • “dispersão” – quando se transfere uma estrutura de decisão para um local mais periférico, mantendo contudo o mesmo âmbito territorial de actuação; - exemplo: a Secretaria de Estado da Cultura passa a estar instalada em Vinhais.
Estes conceitos são fundamentais para que se perceba o resto deste texto e o relato da sessão de há pouco. Não consegui perceber que se tenham retirado conclusões muito concretas relativamente a vários pontos que me parecem essenciais para decidir sobre o tema em causa. Os participantes na sessão também não ajudaram muito, pois suspeito que grande parte deles nem chegou a ler o texto preparatório...

O cidadão TAF vê o “sistema” deste modo: há dois planos: o da descentralização e o da desconcentração:
O primeiro diz respeito à divisão de poderes e responsabilidades entre os vários níveis autárquicos, ou seja, poder eleito. Actualmente temos 3 níveis de poder por ordem crescente de área territorial: freguesia, município, poder central.

Quanto ao outro plano, o da desconcentração, o que o cidadão vê é um conjunto de serviços (as setas a vermelho) da responsabilidade do poder central, mas que em termos organizativos podem estar "dispersos" algures pelo país ou então organizados em delegações de âmbito territorial mais reduzido. Essas delegações são geridas por funcionários dependentes da hierarquia com o topo no poder central, não são eleitos.

O raciocínio que eu defendo é o seguinte, tentando identificar áreas relativamente independentes de decisão.

- Quanto aos níveis eleitos de poder
Há quem defenda a passagem para 4 níveis: freguesia, município, região, poder central.
A minha proposta é de apenas 3 níveis:
  • freguesia (eventualmente reorganizada e com maiores competências)
  • município de área maior do que actualmente (desapareceriam os actuais e criavam-se novos correspondentes talvez às NUTS 3 – no caso do Porto seria o “município do Grande Porto”)
  • poder central.
Mais tarde, se se justificasse, poder-se-ia criar um nível intermédio antes do poder central, correspondente às NUTS 2 (exemplo: “Região Norte”). Mas só se se verificasse que era mesmo mais eficiente (desconfio que não).

- Quanto aos níveis territoriais de desconcentração
Devem ser coincidentes (ou pelo menos compatíveis) com os níveis territoriais de descentralização.

- Quanto aos serviços que devem ser mantidos na dependência do poder central e aos que devem estar a cargo dos órgãos eleitos mais próximos das populações.
O princípio geral é o da subsidiariedade: as decisões devem ser tomadas o mais próximo possível das populações que afectam. Só aquilo que faz sentido ser nacional é que deve permanecer no poder central. Tem que ser visto caso a caso.

- Deve ou não haver um poder específico de coordenação transversal entre os serviços desconcentrados?
Por exemplo: a CCDRN deve ter poder efectivo de coordenar as delegações do poder central que estejam desconcentradas na região Norte? Por outras palavras: deve haver “mini-governos” de âmbito regional constituídos por funcionários não-eleitos, por exemplo? A minha resposta: claramente não!

Este último ponto é o objecto da minha divergência mais profunda com Vital Moreira e, pelos vistos, com a CCDRN. Aliás, acho que pura e simplesmente não iria funcionar: perante quem é que responde um funcionário de uma delegação no Porto do Ministério da Ciência e da Tecnologia, por exemplo? Perante o Ministro em Lisboa, ou perante o seu “coordenador transversal” que seria provavelmente o Presidente da CCDRN? Uma trapalhada monumental de conflitos de competências!

Vital Moreira foi absolutamente claro na apresentação da sua opinião e dos seus propósitos:
  1. a regionalização falhou anteriormente no referendo;
  2. um novo referendo feito nas condições actuais vai novamente falhar, seja lá qual for a divisão proposta para as regiões;
  3. a única via para conseguir concretizar a regionalização é através da criação de todas as estruturas regionais sob a forma de “desconcentração” da Administração Central;
  4. quando essas estruturas estiverem completas, a única coisa que fica a faltar é passar a eleger os seus responsáveis, que até essa altura terão sido nomeados pelo Governo central;
  5. nessa altura marca-se um novo referendo para que a “desconcentração” se transforme assim em “descentralização”;
  6. como já está tudo pronto para regionalizar, só faltando mesmo a eleição dos líderes regionais, Vital Moreira acha que posto perante o facto consumado o povo português já vai votar Sim às regiões.
É um plano absolutamente assumido por Vital Moreira.

O que é que eu acho?

1) É de ética mais do que duvidosa estar a implantar algo que foi expressamente rejeitado pela população antes de um novo referendo que altere o cenário. Fazer o referendo na prática a posteriori é desrespeitar os cidadãos.

2) Esta visão é tipicamente “Estatista”:
  • a Administração Central é que sabe que a Regionalização é boa para o país
  • a Administração Central é que sabe quais as regiões que devem existir
  • a Administração Central é que sabe como é que devem ser as estruturas regionais
  • a Administração Central é que nomeia os dirigentes das regiões até que haja eventualmente eleições regionais.
Isto não pode ser assim! Uma Região forçada e criada pela Administração Central não é o mesmo que uma Região nascida da vitalidade da sua sociedade civil. É uma farsa e não vai funcionar.

2005/11/03

"Pacheco Pereira Critica Rui Rio"

Ora aqui está uma manchete que constitui “uma subtil manipulação” e “um abuso ilegítimo de interpretação” das palavras de Pacheco Pereira (JPP)...

Eu já estava a adivinhar. JPP é intelectualmente honesto e não podia deixar passar em claro este episódio triste protagonizado por Rui Rio. Mas não lhe convém criticá-lo de forma absolutamente frontal, pois já se sabe que esse facto ia ser usado e abusado pelos adversários políticos quer de RR quer dele próprio. Nestas circunstâncias o que JPP habitualmente faz (e quem o vê na Quadratura do Círculo conhece bem a táctica) é reconhecer sucintamente “sim, de facto exagerou um pouco, eu não concordo muito com isso, não foi feliz, etc., MAS quem o critica exagerou MUITO MAIS, não tem autoridade para o fazer, quer atingir outros objectivos, é apenas um pretexto, etc., etc.”. E acaba por fazer parecer que o episódio original tem menos relevância do que as reacções que suscitou. JPP tem a fama e o proveito de ser esperto.

Vem isto a propósito desta singela nota de hoje no Abrupto:
Democracia por editorial, uma nota sensata no Retórica e Persuasão.”

Nada mais. E pronto, JPP assim fica bem com a sua consciência, já tratou o caso remetendo para um comentário alheio, no mesmo estilo relatado acima, onde depois de um pequeno reparo a RR se passa a uma feroz crítica a António José Teixeira (AJT).

Ora, permitam-me considerar muito mais importante o que diz RR do que o que escreve AJT. Por muito valor que tenha AJT, é apenas um jornalista com responsabilidades no DN, ao passo que RR é o Presidente da Câmara do Porto.

Escreveu então Américo de Sousa nesse seu blog que «Ora a verdade é que, contrariamente ao que Tiago Azevedo Fernandes aqui sugere, em nenhum ponto da entrevista Rui Rio afirma que “de facto vai ter que haver construções no Parque”».

Não?
Então vejamos.

É sabido que a autarquia vai ter que desembolsar brutais indemnizações por causa das asneiras de executivos anteriores e também de RR na gestão do processo do Parque da Cidade. É sabido que não tem dinheiro para isso. Solução (perfeitamente razoável, aliás): permitir alguma construção, com cuidado e sobriedade, junto ao Parque.

Leia-se a entrevista:
Mas continua a dar a garantia de que não vai haver construções no Parque da Cidade?
É uma garantia que tem de ser entendida de uma forma equilibrada e com bom-senso. Quando digo que não há construções, estou a referir-me à especulação imobiliária. Não estou a imaginar, mas pode haver um qualquer pormenor, um remate... Neste mandato tenho condições para tentar uma solução.

Acha que é altura de lançar o debate que nunca foi feito?
Vou dar uma resposta arriscada: admita que aparecem outros pressupostos que me levem a equacionar outro raciocínio. É evidente que para chegarmos a outra solução, tinha sempre de passar pelo maior debate que alguma vez foi feito no Porto.
RR podia ter dito “nunca, jamais, em tempo algum!”. Mas não. Admite a possibilidade de (ele) abrir um debate. Amplo, “o maior”. Mas possível. E que pode levar ao aparecimento de “outros pressupostos”...

Moral da história:
  1. Rui Rio admite construções no Parque da Cidade
  2. Pacheco Pereira critica Rui Rio.
(publicado originalmente n'A Baixa do Porto)