2010/03/26

O PSD e o país real

Portugal não é só elite, excelência, qualidade. Portugal é isso e tudo o resto. O cidadão normal é capaz do melhor e do pior.

Uma das razões que levaram a uma fase infeliz do PSD foi a incapacidade da sua liderança compreender que o país é feito de gente "normal", com as qualidades e defeitos "normais". Ao contrário do que aconteceu historicamente nas autarquias, a nível nacional criou-se um fosso entre as elites e o povo. Uma pequena minoria, com algumas qualidades (intelectuais, culturais, académicas) de facto acima da média, julga ter legitimidade acrescida pelo facto de ser elite. Essa minoria tenta liderar sem possuir experiência prática da vida do cidadão comum, sem partilhar com ele essas qualidades, e sem recolher dele o “feedback” que é também conhecimento valioso; ela não tem paciência para dedicar às questões mais terra-a-terra que a nível local alguns cidadãos interventivos acabam por tratar à sua maneira, com esforço e dedicação, e muitas vezes bem.

Acredito que Passos Coelho tenha percebido isso e que tente agora, sem falsas modéstias mas com consciência de que sozinho ninguém desenvolve o país, congregar esforços num projecto comum. Portugal não é só elite, excelência, qualidade. Portugal é isso e tudo o resto. O cidadão normal é capaz do melhor e do pior: num ambiente saudável, construtivo, colaborativo, ele habitualmente contribui de forma positiva; ao contrário, quando imerso na agressividade, na desonestidade, na inveja, ele ajuda a piorar a situação. Um bom líder tem por isso de saber criar o ambiente propício a que cada pessoa possa dar o melhor de si, trabalhando com as pessoas reais, com os portugueses que somos.

O próprio líder, contudo, não é isento de limitações e imperfeições. Daí que uma postura de sistemática abertura à participação da sociedade civil seja fundamental para garantir transparência, qualidade e fiabilidade. Nesse aspecto, Passos Coelho está no rumo certo.

(publicado no JN de 2010/03/25)

2010/03/12

Somos os melhores em tudo

O partido com que o cidadão se sente identificado nas eleições legislativas e europeias não é necessariamente o mesmo que defende os seus interesses locais

Em Democracia a participação política dos cidadãos não é exercida só através dos partidos, mas eles são a ferramenta principal. As pessoas com interesses compatíveis entre si agrupam-se em estruturas que os defendem, gerando massa crítica de intervenção. Apresentando-se a eleições ganham a legitimidade do voto e, em caso de maioria, conquistam o direito de implantar as propostas sufragadas. Quem não pertence a um partido opta por reservar para si apenas a escolha final nas eleições; a construção das várias alternativas terá sido delegada ao interior dos partidos. Neste contexto, quem pretende ter uma intervenção política mais activa deve geralmente inscrever-se como militante. Adquire assim o direito de votar para a escolha dos dirigentes, do programa e dos candidatos a deputados ou autarcas.

Acontece que o partido com que o cidadão se sente identificado nas eleições legislativas e europeias não é necessariamente o mesmo que defende os seus interesses locais. Não é razoável exigir que pessoas que comungam de uma mesma linha de pensamento relativamente à política nacional ou europeia (Governo, Assembleia da República, Parlamento Europeu) alcancem consenso quanto à gestão da sua freguesia ou município. Os assuntos tratados nas autarquias locais são em grande parte completamente independentes das opções de relevância mais alargada.

Por isso os partidos, com projecção nacional, não devem impor fidelidade de voto também local. Se são assuntos distintos, os cidadãos precisam de ter sempre a liberdade de escolher quem melhor os representa em cada nível de poder. É muito positivo que os partidos se envolvam intensamente na política local, mas não tenham a presunção de se julgar obrigatoriamente a melhor opção para os militantes que os escolheram por causa da nacional.

(publicado no JN de 2010/03/11)