2011/03/25

Depois do fim do mundo

Até eu, que não frequento mercados (a mim trazem-me as refeições já prontas), farejo peixe podre à légua

Alguns senadores da nação, em pânico, receiam catástrofes de proporções bíblicas durante a espera por eleições. (Dar a voz ao povo agora, que despropósito!) Sendo eu própria uma senadora mais qualificada do que eles, vou ter de explicar-lhes algumas noções básicas, ocupando este espaço que habitualmente cedo ao cronista acima identificado.

1 - Os humanos (pelo menos alguns portugueses) imaginam que conseguem enganar os mercados vendendo o seu peixe podre. Até eu, que não frequento mercados (a mim trazem-me as refeições já prontas), farejo peixe podre à légua.
2 - Será razoável esperar dramas financeiros realmente graves neste curto período, como se não existisse capacidade de negociar a nível europeu uma solução transitória para manter o fornecimento dos meus biscoitos, sabendo-se que quem aí vem tem outro nível de respeitabilidade?
3 - Estou disposta a suportar uma ração de qualidade inferior durante algum tempo, mas só se tiver a garantia de que a poupança não continua a ser distribuída aos ratos que vivem à custa do Estado.

Caro Pedro, aqui vão alguns conselhos de gata para coelho. Não compliques, aposta em medidas simples, que se percebam. Trata de pouca coisa ao mesmo tempo, concentra-te no essencial. Não te fies nos que te dão receitas mas nunca tentaram eles próprios cozinhá-las quando tiveram oportunidade para isso. Escolhe colaboradores decentes, porque foi a bicharada interesseira e quezilenta que nos trouxe a este ponto. Não tenhas receio de delegar e depois avaliar. Mantém-te atento ao que se vai escrevendo sobre o teu trabalho, especialmente se é vindo de quem não tem como profissão palrar sobre acção alheia. Tens de criar condições para que os privados produzam riqueza, com liberdade e ética. Eles, não a Administração Pública, é que sabem como isso se faz.

(publicado no JN de 2011/03/24)

2011/03/11

Hoje é 24 de Abril

Os portugueses não são uma massa informe e uniforme, não defendem todos a mesma coisa e alguns nem defendem coisa nenhuma

Os condomínios fechados só isolam do exterior até que alguém demonstra que afinal são mais abertos do que se pensava. A crise não é de agora, mas agora é que os efeitos chegam a nós, a doer. É novidade que o mundo está cheio de problemas de insustentabilidade global? É surpresa que há gente em enormes dificuldades, até há pouco demasiado longe para verdadeiramente nos incomodar?

Os portugueses não são uma massa informe e uniforme, não defendem todos a mesma coisa e alguns nem defendem coisa nenhuma. Mas é evidente um sentimento generalizado de insatisfação, de pré-revolta, de revolução a caminho. Erram as críticas de que quem protesta não tem propostas construtivas para apresentar, pois não são as pessoas individualmente que têm de encontrar soluções para a actuação da Administração Pública nem redigir leis simples e sensatas para permitirem uma vida em sociedade. São os partidos.

Não se condenem os partidos por aproveitarem a onda de indignação. Pelo contrário, é obrigação deles fazerem-no, indo de encontro às bases que é suposto representarem. Os partidos são uma ferramenta da Democracia e reflectem a qualidade do povo. Se agora colectivamente nos queixamos, o que fizemos nas últimas eleições? E nas anteriores? E nas anteriores a essas? Aguentamos hoje o resultado de más escolhas, mas também da incapacidade do país gerar melhores candidatos. Apesar disso ainda há quem vá votar neste PS de Sócrates ou se contente com um presidente da República que, sendo parte do sistema há longos anos, finge estar acima dele. Tal como um alcoólico precisa de reconhecer que tem um problema para o poder ultrapassar, também neste Sábado, dia 12, muitos darão o primeiro passo de um caminho de mudança. Depois cada um seguirá na sua direcção, certa ou errada, mas parados não ficaremos.

(publicado no JN de 2011/03/10)