2011/11/04

Sair do euro é o pior cenário para devedores e credores


Aqui fica um esboço, escrito à pressa e insuficientemente justificado, das minhas ideias sobre ficar ou sair do euro. Esta crise financeira centrada na Grécia tem gerado tanta confusão que surgem teorias sem qualquer base técnica quanto ao respectivo impacto no euro. Dizem que "o euro está em perigo" sem especificar qual o perigo concreto a que se referem, nem quais as consequências práticas para o funcionamento da moeda em si.

O problema que eu consigo identificar é o dos défices crónicos dos Estados, não do euro. Enquanto havia moedas nacionais, os Estados iam adiando o seu equilíbrio orçamental porque podiam emitir moeda, ou seja, tinham um meio discreto muito eficaz de confiscar riqueza a cidadãos e empresas para tapar os buracos que iam cavando. Estando no euro, sem esta ferramenta, os défices foram-se acumulando até que a situação estourou.

Especificamente no caso da Grécia, imaginemos que regressava ao dracma. Esquecendo as enormes dificuldades logísticas (e respectivos custos) de fazer uma transição literalmente da noite para o dia, o que aconteceria? (Não vou aqui justificar exaustivamente todas as afirmações seguintes.)
  1. Passaria a ser a possível uma desvalorização instantânea do dracma, que seria realizada em simultâneo com a transição.
  2. Como consequência, muitos preços subiriam também instantaneamente (especialmente os bens e serviços importados).
  3. Passaria a ser a possível emitir autonomamente dracmas.
  4. A inflação passaria a ser diferente da da zona euro (seria superior na Grécia).
  5. A dívida externa, expressa em euros, dólares, etc., (pública e privada) mantinha-se no mesmo valor.
  6. As dívidas internas (passadas automaticamente para dracmas), após desvalorização, perderiam valor em termos da riqueza que representam, tal como os créditos. Ou seja, teria havido uma transferência instantânea de riqueza de credores para devedores, sejam eles Estado ou privados.
  7. Fruto do ponto anterior e da emissão de moeda que passaria a realizar, o Estado poderia cumprir os seus compromissos financeiros internos.
A saída do euro dotaria assim o Estado de ferramentas para se apropriar de riqueza interna de forma relativamente discreta, que depois poderia usar para pagar as suas dívidas (internas ou externas).

Em paralelo, com a desvalorização, os exportadores gregos conseguiriam custos de produção menores (quando expressos em euros) e portanto passariam a ser mais competitivos. Esta situação representaria igualmente uma transferência permanente de riqueza dos não-exportadores (que pagam mais caro as importações) para os exportadores (os únicos a beneficiar directamente do dracma fraco porque recebem em divisas).

Mas se não sair do euro, o que pode a Grécia fazer?

Sem as ferramentas descritas acima, o Estado precisa de encontrar meios alternativos de se financiar. Se excluirmos apoios externos (que também poderiam existir com o dracma), restam duas vias: impostos convencionais (brutais) e confisco de património. Dado o nível de endividamento, são necessárias as duas. Estas opções limitam a transferência de riqueza àquela que é feita dos privados para o Estado, e evitam as transferências involuntárias entre privados que aconteceriam como "efeito secundário" no caso do dracma. Nesse sentido, é uma política muito mais "cirúrgica" do que o abandono do euro.

Em qualquer dos dois cenários, dentro ou fora do euro, havendo incumprimento dos compromissos externos, os bancos gregos seriam provavelmente expulsos do sistema financeiro internacional. Aí era inevitável a nacionalização temporária de todo o sistema bancário e, no caso do euro, a limitação do crédito ao volume efectivo dos seus depósitos (ou seja, não poderia ser emitida moeda por via do crédito bancário, senão seria "pirata" pois fora do controlo do BCE). Pertencendo ao Estado, continuariam a ser viáveis transacções entre os bancos gregos, e também deles com particulares a nível nacional. Isto manteria a economia interna ao menos com algum grau de funcionamento. Em caso de permanência no euro, os privados podem ainda realizar directamente negócios em numerário com o estrangeiro, em vez de ficarem numa "ilha" do dracma de conversão problemática.

Em resumo: sair do euro é completamente irracional. Há alternativas melhores para qualquer dos envolvidos nesta trapalhada europeia.