Acho o futebol interessante e emocionante, mas não importante para mim a nível pessoal. Raramente vejo futebol na televisão, e nunca nos estádios. O tema veio mesmo a calhar, portanto… O último jogo a que assisti do princípio ao fim foi o Portugal-Inglaterra do Euro 2004 (dizem que escolhi bem). Da Superliga desta época apenas vi a segunda parte do Porto-Académica, como estágio para a tertúlia. É por isso bem provável que seja em breve “desconvidado” de comentador. :-)
Como qualquer bom comentador desportivo, não será a ignorância que me impedirá de discorrer sobre o assunto…
O futebol, pela mobilização que provoca, tem enormes potencialidades mas tem sido uma oportunidade perdida e uma maneira de deseducar as pessoas. Os clubes são instituições privadas e têm o direito de fazer o que muito bem entenderem. Nada nos impede, no entanto, de tentar convencê-los a assumir um papel mais construtivo.
Faltam objectivos nobres:
- não se promovem a nobreza de carácter e do fair-play sistemáticos, e não apenas ocasionais;
- não há divulgação suficiente da prática generalizada do desporto pela população;
- desconhece-se o “radicalismo” de apenas querer vencer convencendo, e não apenas porque “lá nos desenrascamos”.
- fazer com que as instituições sejam credíveis e respeitadas em todos os aspectos;
- dar um valor maior aos clubes em si do que aos protagonistas do momento;
- evitar que aconteça ao desporto aquilo que aconteceu na política, em que há um total divórcio entre a sociedade e os políticos;
- mobilizar as massas associativas para que elas próprias produzam alguma coisa, e não sejam meras espectadoras.
- abusa-se largamente da agressividade, apelando a instintos primários das pessoas;
- há falta de sensatez e de transparência (ou pelo menos passa essa imagem) na gestão dos dinheiros.
Analisem-se alguns exemplos.
- As claques – dispensam comentários.
- Mourinho – apesar das indiscutíveis qualidades, é a promoção da deselegância e da falta de educação. É alguém que não percebe que os fins nunca justificam os meios, que tem uma formação incompleta. Suscita mais inveja do que respeito. É difícil encontrar alguém que diga sinceramente “eu quero ser como o Mourinho”. Dirá antes: “eu quero ganhar o que o Mourinho ganha”…
- A influência na política – use-se Rui Rio como ilustração, apesar do seu discurso habitual: o uso das “claques”, o recurso às “faltas sistemáticas”, o mesmo tipo de agressividade, as mesmas queixas contra as “cabalas” – é um espelho do “futebolismo”.
- O último jogo Porto – Académica (e que se calhar foi igual ao Boavista – Benfica): contentaram-se com o mínimo, queriam desenrascar-se – acabaram com o empate que não podiam permitir.
Como é que se melhora a situação?
O mal está basicamente no autismo e na agressividade irracional. Ora agressividade não se combate com agressividade! Não adianta “dar pancada” em quem está mais do que habituado a dar e receber pancada – assim não se muda nada de estrutural. Os do mundo do Futebol e os dos mundo anti-Futebol actuam todos praticamente da mesma maneira, porque estão contra qualquer coisa e não a favor de alternativas.
É precisa alguma “catequese”.
Há quem diga que isto “só vai lá” mudando tudo, fazendo uma revolução, pondo os dirigentes actuais na rua, fazendo entrar gente nova que rompa com o passado. Não concordo.
O meio de mudar as coisas é dar o exemplo, promovendo o aparecimento no meio dos actuais protagonistas, e em colaboração com eles, de novos dirigentes. É preciso de facto gente nova, sem o “vício do doping” que referi acima, com uma prática radical e sistematicamente diferente. Dessa forma dar-se-á o exemplo e criar-se-á uma competição saudável com quem vive neste “mundo das drogas”. Isto tem que ser tratado da mesma forma que uma dependência química…
Mas também é precisa a gente velha. Digo quanto ao Futebol o mesmo que digo quanto às empresas: os “velhos” dirigentes têm a capacidade de perceber estes problemas e conhecem melhor do que ninguém os seus defeitos e as suas limitações. Na maior parte dos casos os novos dirigentes também não possuem preparação suficiente e precisam da experiência dos antigos.
Aliás, para históricos como Pinto da Costa, o mais motivador nesta altura da vida não deve ser ganhar mais um campeonato. Já ganharam tantos… Mais aliciante, acho eu, e muito mais importante, era provocar esta mudança social.
O estado de saúde dos clubes está directamente ligado à saúde da própria região onde estão implantados porque a base social é a mesma. A vida desportiva não é estanque em relação às outras actividades. Se o Porto e o Boavista forem fortes e sólidos, também a cidade do Porto o será. E vice-versa.
Aproveitando as minhas enormes qualificações como comentador desportivo (conforme expliquei no início deste texto…), atrevo-me até a dar as minhas tácticas aos presidentes dos clubes da Superliga.
As pessoas quando chegam a certa idade já não conseguem corrigir os seus defeitos. Para que os clubes funcionem bem apesar disso, mudando o que tem de ser mudado, é preciso que os dirigentes passem a trabalhar em conjunto com quem esteja livre dos hábitos pouco saudáveis que estão tão enraizados no Futebol.
Por isso, convidem para trabalhar convosco:
- gente que aceite que o mundo é imperfeito mas, ao mesmo tempo, tenha o rigor, a persistência e a diplomacia musculada para manter serenamente o rumo que escolherem (ou seja, gente que consiga “viver no meio do doping sem se dopar”);
- gente que tenha ideias próprias mas que ao mesmo tempo vos respeite e vos saiba ouvir;
- gente que tenha paciência para aturar os vossos defeitos e que consiga em conjunto convosco aproveitar as vossas qualidades.