2009/11/20

Autarquias gay

Construímos ilusões disfarçadas de ambições quando, por preguiça ou inconsciência, descuramos o detalhe das nossas grandes estratégias

Há no Norte, claramente, um problema interno de comunicação. Manifesta-se na raridade da colaboração intergeracional para criação de negócios, na agressividade entre tribos políticas, no difícil diálogo sobre como nos devemos organizar no combate ao centralismo e na gestão do território. Construímos ilusões disfarçadas de ambições quando, por preguiça ou inconsciência, descuramos o detalhe das nossas grandes estratégias.

Afirmar como verdade absoluta que o único caminho para desenvolver do Norte é a Regionalização, sem que haja uma proposta concreta de limites, competências, fontes de financiamento e modo de funcionamento, é fugir ao problema porque cada um tem o seu modelo preferido. Fosse fácil alcançar um consenso e haveria já, preto no branco, uma proposta com nível adequado de detalhe.

Mas a Regionalização só por si não é a solução; quando muito proporcionará uma optimização dos processos de decisão, acompanhada por uma distribuição mais racional dos recursos nacionais e europeus. É que continua a faltar o essencial: ganhar dimensão, "de baixo para cima", na gestão do território. Os resultados da acção dos autarcas, mesmo quando competente, são limitados por uma estrutura fragmentada disfuncional. Veja-se este exemplo no Porto: freguesia de S. Nicolau - 2.568 eleitores, área de 0,21 km²; freguesia de Paranhos - 42.302 eleitores, área de 6,67 km². O mesmo modelo para realidades de escala tão diferente? Falta fundir, ao menos, autarquias locais sem massa crítica. Se aparecerem “autarquias gay” talvez este tipo de uniões conquiste mais atenção...

Quando vir que a fusão de freguesias e municípios (indispensável com ou sem Regionalização, e mais importante que esta) tem apoio generalizado, acreditarei que a população do Norte talvez possa beneficiar com o estabelecimento de uma Região nascida por crescimento orgânico, referendada concelho a concelho. Quando verificar que se evitam redundâncias no associativismo e lutamos unidos pelas causas que afirmamos comuns, ficarei convencido de que a merecemos.

(publicado no JN de 2009/11/19)

2009/11/06

Coisas Óbvias

Viver em habitação social não pode ser considerado “normal”

- As Assembleias Municipais são mal aproveitadas como espaço de ligação de eleitos a eleitores. As sessões, anunciadas de forma medíocre, decorrem geralmente em locais com reduzida lotação. Por vezes, como acontece no Porto, é obrigatório um aborrecido processo de inscrição prévia. Se lamentamos o desinteresse da população quanto à Política e à gestão do património comum, proporcionemos ao menos condições para que haja transparência no debate e adequada prestação de contas. Hoje em dia é inadmissível a ausência de um arquivo das gravações áudio e vídeo das sessões das Assembleias Municipais nos sítios na Internet de cada concelho. É perfeitamente viável, a custos insignificantes, fazer até a transmissão em directo; nem sequer é inédito em Portugal. A audiência será assim incomparavelmente maior. Desconfio é que alguns não gostarão de ver exposta a forma como exercem o seu cargo.

- Quanto mais analiso o problema de bairros como o do Aleixo e converso com as pessoas directamente envolvidas, mais me convenço de que o problema principal não é a droga nem a pobreza: é a dependência do Estado! Quem se viciou (o termo é mesmo este) nos apoios públicos raramente percebe que entrou numa espiral de degradação pessoal e social. Viver em habitação social (subsidiada, portanto) não pode ser considerado “normal”, mas somente uma situação transitória para ultrapassar dificuldades financeiras pontuais de cidadãos activos, ou uma solução de recurso para quem, tendo idade avançada ou alguma incapacidade grave, não encontra outra alternativa. “Habitação social” não implica segregar pessoas em bairros específicos. Em vez disso, pode a autarquia arrendar ela própria habitações no mercado aberto, que depois subarrendaria por valores subsidiados a quem não consiga dispensar a ajuda. É mais rápido do que construir, muito mais flexível, ocupam-se fogos agora devolutos no centro das cidades.

Estas não são ideias novas, evidentemente. Presumo que sejam óbvias e quiçá consensuais. Por que não são aplicadas?

(publicado no JN de 2009/11/05)