2010/06/04

Criativos não-praticantes

As “indústrias criativas” não existem. O que existe é criatividade nas indústrias, e nos serviços também.

A minha paciência para teoria sobre “indústrias criativas” já se esgotou. As “indústrias criativas” não existem. O que existe é criatividade nas indústrias, e nos serviços também. Há um ano escrevi sobre a ameaça dos “encarregados de educação” do empreendedorismo alheio que não arriscam eles próprios criar o seu negócio, sublinhando que criatividade passará pelas novas modas digitais mas também por necessidades como reabilitação urbana, apoio social, funcionamento da justiça, simplificação de regulamentos...

Não haverá criatividade que chegue para fazer baixar o estacionamento automóvel irregular? Nenhuma alma inventiva descobrirá maneira de aproveitar os espaços urbanos com capacidade agrícola? Com tantos desempregados ociosos, ninguém conseguirá organizar acções (ao menos de voluntariado) onde eles tenham interesse em ser úteis? A desocupação e degradação do edificado dos centros urbanos é um problema complexo demais para estas “indústrias”? Uma cidade não passa a ser atractiva pelo facto de haver animações avulsas do espaço público, umas vezes bem conseguidas, outras nem por isso. Nem se provoca impacto económico sensível no país com mais meia dúzia de micro-empresas ou associações temáticas sem nenhum potencial para atingirem grande dimensão.

A inovação está provavelmente muito mais no talento para pegar em ideias simples (se calhar já antigas e por isso pouco "fashion") que sejam eficazes. Ou seja, a capacidade criativa tem de estar embebida na economia “normal”, nas relações sociais, nas nossas rotinas, e não num mundo à parte onde mentes iluminadas lançam ideias para outros eventualmente colherem. Neste contexto, vale a pena medir os resultados da acção de entidades como a ADDICT. A criatividade chegou ao menos para estabelecer critérios de avaliação? Divulguem-se.

(publicado no JN de 2010/06/03)