2009/12/18

Empresários de aviário

A reabilitação urbana é para quem está disposto a apostar o seu dinheiro antes dos outros - não por altruísmo, mas por apurado sentido de negócio

A reabilitação urbana é uma das áreas onde mais se evidencia o divórcio entre os investidores e o mundo real em que é suposto actuarem. Constroem um modelo teórico e tentam que a realidade a ele se adapte.

Um dos mitos é: “um bom negócio encontra sempre investidores”. Se assim fosse o centro das cidades tinha hoje outra vida! Em grande parte das situações é impossível provar que determinada oportunidade é um bom negócio, pois ele é criado à medida que vai sendo implantado. Faz sentido, por exemplo, preparar um projecto de arquitectura e obter o respectivo licenciamento antes de adquirido o imóvel ao qual se destina? Quem está disposto a arriscar esperar vários meses pela conclusão do processo sem ter assegurada a compra, podendo entretanto ver a oportunidade fugir? E, sem um projecto garantido, com que base se faz um plano de negócios convencional? Pior: se ainda não há propriamente um mercado a funcionar, que confiança atribuir a esse plano?

Os negócios têm muito de conhecimento não quantificável mas válido. Quando se verifica ser possível fazer contas detalhadas, é viável o recurso a crédito bancário ou a parcerias numa perspectiva eminentemente financeira. Mas e os outros casos? O “investidor” português típico é apenas gestor de património alheio: funcionário que tem de prestar contas aos accionistas da empresa que o contrata. Não pode justificar-se com um "investi aqui o vosso dinheiro porque me cheirou a bom negócio" e por isso defende-se exigindo estudos ou pareceres completamente irrealistas. Acaba por não aplicar o capital na reabilitação urbana nem nunca encontrar "bons projectos".

Falta aparecerem os verdadeiros empresários. A reabilitação urbana é para quem conhece o meio, para quem consegue preparar uma oferta adequada à procura que sabe existir, para quem antevê o futuro de cada cidade e sabe contribuir para o concretizar, para quem gosta dela e está disposto a apostar o seu tempo e o seu dinheiro antes dos outros - não por altruísmo, mas por apurado sentido de negócio.

(publicado no JN de 2009/12/17)