Ver Cinema é também falar sobre ele, ou usá-lo como pretexto para conversar sobre outros assuntos
O Porto tem uma riqueza ímpar a nível de Cinema, que desperdiça de modo escandaloso. A Casa das Artes há anos sem projecções, o Cineclube do Porto moribundo apesar do património com grande relevância histórica e cultural, o fantasma da Casa do Cinema que a autarquia quis à força oferecer a Manoel de Oliveira. Isto apesar do sucesso do Fantasporto, da vigorosa actividade a nível das universidades e dos clubes informais, de Serralves, da Casa da Animação, da RTP no Monte da Virgem, ...
A nova Ministra da Cultura divulgou há dias a intenção de reactivar a Casa das Artes, realizando as obras necessárias. Há em simultâneo alguma agitação em volta do Cineclube do Porto, estudando-se potenciais sinergias. Grande parte das dificuldades provém apenas de mal-entendidos, desconfianças e muita inércia. Que não se ruminem os momentos infelizes do passado mais recente, mas que se divulguem desde já ideias neste campo como contributo para tornar a cidade mais atractiva.
Só passar filmes não basta – para isso temos DVD e os LCD em casa, com ou sem pipocas. Ver Cinema é também falar sobre ele, ou usá-lo como pretexto para conversar sobre outros assuntos – na velha tradição das tertúlias adaptadas aos dias de hoje. Os exemplos que funcionam bem noutros locais merecem ser copiados. Um cineclube com futuro tem de viver no âmbito de parcerias que complementem a sua oferta. Sejam escolas, bares, galerias de arte, partidos políticos, autarquias, outros cineclubes, salas de cinema comercial. Há mercado ligando documentário e jornalismo, ou arquitectura e filmes sobre cidades, ou política e a vida na Europa transposta para o ecrã.
A propósito, aqui vai já uma sugestão para o tema de um ciclo: o Tratado de Lisboa. É que não faltam sequer argumentistas locais para novas produções: aproveite-se a comédia proposta há dias por Paulo Rangel, defendendo como positivas as “dificuldades de interpretação” do tratado pois assim supostamente cria-se “um espaço de criatividade” que “dá o palco à política”. Bom filme!
(publicado no JN de 2009/12/03)