Na maior parte dos casos o quarto individual vai adicionar à doença a solidão e uma assistência menos eficaz
Li na passada Terça-feira, aqui no JN, que no projectado Centro Hospitalar de Gaia/Espinho “predominará o quarto individual”. Para alguns doentes isso será preferível, especialmente se tiverem a sorte de possuir familiares com disponibilidade para proporcionar companhia pemanente. Mas na maior parte dos casos o quarto individual vai adicionar à doença a solidão e uma assistência menos eficaz.
Escrevo com algum conhecimento de causa: já estive hospitalizado por alguns dias várias vezes (felizmente nenhuma delas por razões graves) em hospitais públicos e privados; trabalhei durante ano e meio no Hospital de Gaia. Façam-se algumas contas. Que percentagem dos doentes terá, na prática, visitas ou companhia? Que porção do tempo estarão sozinhos no seu quarto privativo? Antevejo o anúncio governamental: “inovação e progresso - cada doente com a sua própria televisão”! Não me atrevo a imaginar quantos minutos estará um profissional de saúde no quarto, nem as conversas que o internado terá com as paredes, mas adivinho os impropérios na cabeça de cada pessoa arrumada num cubículo do moderno complexo hospitalar quando receber de mãos diligentes um fantástico Magalhães com ligação de banda larga para actualizar a sua página do Facebook.
Quem é que projecta estes espaços e toma estas decisões? Não lhes exigem que vivam num hospital antes de desenhar um novo? O Estado vai mais uma vez atirar com dinheiro para cima dos problemas, neste caso possivelmente cheio de boas intenções que não escondem a habitual incompetência. Não se despreze o conhecimento humano acumulado: o “hospital ideal” nunca foi o “hospital do quarto individual”. As enfermarias, quando bem organizadas e de dimensão adequada, são os ambientes que mais favorecem a recuperação. O sofrimento ultrapassa-se melhor quando se aprende a partilhá-lo e a confortar quem está pior do que nós, quando se aceita que ele é inevitável. Faço votos para que em 2010 se compreenda que, também na doença, estamos melhor juntos do que cada um no seu canto.
(publicado no JN de 2009/12/31)