2005/12/18

O sobrepeso do Estado

Acabei de ler o novo livro de Miguel Cadilhe, "O Sobrepeso do Estado em Portugal", que ele próprio simpaticamente me ofereceu na sequência dos meus comentários num debate na Universidade Católica há dias.

Devo começar por dizer que, na minha modesta opinião, grande parte do que lá está escrito é sensato. Tenho apesar de tudo alguns pontos de divergência significativa.

Tal como Vital Moreira, citado aliás no livro, também Miguel Cadilhe acaba por assumir uma visão “estatista” das reformas necessárias no Sector Público Administrativo (SPA), no sentido de acreditar na capacidade do Estado ao seu mais alto nível, ainda que com contributos externos, gerir esta mudança. Creio compreender o raciocínio, mas as minhas apostas seriam outras. Ou melhor: teriam pelo menos uma prioridade diferente, privilegiando sempre o papel da sociedade civil em detrimento do dos gestores públicos.

Por exemplo, afirmei no referido debate discordar da proposta de venda de ouro das nossas reservas para financiar uma reforma radical da máquina do Estado, dado o altíssimo risco que ela implica.

A venda do ouro representaria entregar ainda mais recursos a quem já provou à exaustão ser mau gestor: o próprio Estado. Por mais entidades e personalidades "independentes" a que se recorra, por maior preocupação em que se usem apenas "critérios técnicos", trata-se contudo de uma reforma comandada pelo Estado e pelos decisores políticos. Não poderia aliás ser de outro modo numa sociedade democrática.
  • Quem pode garantir com segurança que as prioridades estabelecidas para a reforma são as correctas e que terão resultados positivos?
  • Quem pode garantir com segurança que as medidas são adequadamente implantadas e avaliadas?
  • Quem pode, numa Democracia, garantir que há estabilidade política suficiente para não alterar o sentido das decisões anteriores?
  • Quem pode garantir com segurança que o Estado tem bom senso e que o mantém ao longo de vários anos neste projecto?
  • Pior: quem é que define o que é "bom senso" e "boa decisão"? Os "técnicos"? Os "especialistas"? Os mesmos, "altamente competentes", que defendem projectos como a OTA ou o TGV?
Enquanto não provar ser bom gestor (mesmo que tudo corra bem, só daqui a muitos anos...), eu não quero ver ainda mais património nosso investido pelo Estado, por melhores que sejam as intenções e mais nobres os objectivos. E, para provar ser bom gestor, o Estado tem que conseguir reformar-se com os mesmos recursos de que agora dispõe…

Eu resumiria a minha opinião assim: independentemente do grau de intervenção do Estado que consideremos ideal em “velocidade de cruzeiro”, devemos por agora reduzi-lo em direcção ao “Estado mínimo”, sem lhe entregar mais um cêntimo, até que se consiga alcançar uma boa qualidade da gestão dos recursos públicos (afinal ele agora nem sequer garante o que era suposto garantir aos cidadãos!). Mais tarde, quando essa meta for atingida, poder-se-á então expandir controladamente o âmbito da sua actuação para um patamar que se julgue mais adequado.

Miguel Cadilhe, aliás, justifica ele próprio esta minha posição quando escreve:
“A história mostra que a majoração do Estado se tem realimentado de três formas de imponderação destes riscos: há generalizações de benefícios, extensões de regimes e alargamentos de universos; há omissões de análises sobre consistência e sustentabilidade das medidas (…); há motivações de eleitoralismo, de tempos a tempos, que contextualizam aquelas generalizações e omissões.”
E ainda:
“O gestor-burocrata tende a gerir em sobre-capacidade instalada, com a contemporização ou a cumplicidade do sindicalista.”

Eis a minha "receita". 

1) Um Estado open source. Este parece-me ser de muito longe o ponto mais decisivo: toda, mas mesmo toda, a informação que não seja confidencial deve estar tendencialmente em formato digital e poder ser consultada pelos cidadãos. A simples exposição pública permanente do funcionamento do SPA, e portanto da actuação dos seus funcionários, era a melhor prevenção contra excessos e irracionalidades.

2) A atribuição de prémios significativos aos funcionários que conseguissem reduzir os custos dos seus próprios serviços – uma percentagem das poupanças ficaria directamente para eles, quer sob a forma de um prémio pontual, quer no aumento permanente do seu salário.

3) O estabelecimento de contratos com empresas privadas (portuguesas ou estrangeiras) para reorganização e informatização completa de serviços públicos. A sua remuneração seria também exclusivamente função das poupanças e ganhos de eficiência conseguidos, avaliados por entidades externas segundo parâmetros pré-estabelecidos previamente aceites por parte do Estado e dessas empresas.

4) A disponibilização desburocratizada de capital de risco (verdadeiro!) “seed” e “startup” para iniciativas empresariais de funcionários públicos excedentários, independentemente da sua idade. Miguel Cadilhe refere também esta possibilidade. Algumas destas novas empresas poderiam aliás dedicar-se às actividades referidas no ponto anterior. (Ver o meu texto "Capital de risco".)

Já agora, quanto ao “selfdownsizing” sugerido por Miguel Cadilhe ao Parlamento, recomendo a contabilização da abstenção e dos votos brancos conforme explico noutro post.