Está certa alguma esquerda quando diz que os salários devem subir apesar da crise, o que ajudará a acelerar o fecho das empresas inviáveis como defende alguma direita sensata
Há cada vez menos diferença entre quem é de esquerda e quem é de direita, pois o disparate e a razão vêm indistintamente do lado a que se afirma pertencer. Apesar de subsistirem diferenças ideológicas adaptadas aos tempos actuais, prefiro uma classificação alternativa: os que sabem ouvir e os que se refugiam nos seus preconceitos.
Saber ouvir leva a reconhecer que está certa alguma esquerda quando diz que os salários (os pequenos e médios, não os grandes) devem subir apesar da crise, o que colocará mais dinheiro a circular na economia e ajudará a acelerar o fecho das empresas inviáveis como defende alguma direita sensata. Já não vamos a tempo de soluções simpáticas, restam-nos as eficazes.
Trabalhadores insatisfeitos são de produtividade medíocre, com a qual não é viável sucesso duradouro. Negócios baseados na mão-de-obra barata são portanto suicidas (insustentáveis) e também assassinos das empresas que propõem preços realistas aos potenciais clientes, pois não sobrevivem ao verdadeiro “dumping social” praticado pela concorrência.
Tem razão alguma direita ao insistir na diminuição drástica do peso do Estado e do défice público, para que não sejam sugados os recursos da iniciativa privada. Tem razão alguma esquerda ao sublinhar a importância do exemplo do Estado para a recuperação da economia, desde que isso implique passar a mostrar competência nas áreas onde o seu desempenho é agora vergonhoso. Quando não se consegue sequer evitar que seja roubada durante as horas de expediente uma bicicleta acorrentada num espaço tão frequentado como a Biblioteca Almeida Garrett, no Palácio de Cristal, é bom que direita e esquerda se interroguem sobre os resultados das políticas que defendem sem o recomendável esforço de compreender as posições dos seus adversários.
(publicado no JN de 2010/09/23)