2004/08/26

O Aborto, versão 2004

(Actualizado em 2004/08/27)

Tenho participado em alguns debates online, especialmente um no Barnabé. Aqui ficam os argumentos principais que tenho usado. As convicções religiosas não são relevantes para esta discussão e devem ser mantidas fora.

1) O aborto não pode ser considerado um problema da consciência individual da mãe.
- Não se trata da vida da mãe, mas sim da do filho.
- Há dois progenitores, e não apenas um, que podem não estar de acordo entre si. Por que razão o pai não teria também uma palavra a dizer?
- O filho não é “propriedade” da mãe, nem do pai, nem de ninguém.

2) Despenalizar não é o mesmo que descriminalizar. Há em muitos casos atenuantes tão grandes que o aborto, tendo acontecido clandestinamente, não deveria ser punido. Mas não são todos os casos. Cada situação é diferente, por isso é que deve ser julgada em tribunal.

3) As condições de maior segurança em que se realiza um aborto legal não são razões válidas para descriminalizar incondicionalmente. Quem faz algo clandestinamente vai sofrer com isso, é evidente. Não teria esse problema se não abortasse!

4) Uma vida alheia só pode ser eliminada se houver alguma razão de importância SUPERIOR a essa vida. Como garantir que TODAS as mães agem de forma responsável? Tem de haver critérios objectivos estabelecidos por Lei que sejam rigorosamente verificados antes de se permitir um aborto.

5) O receio de hipotéticas dificuldades ou infelicidades futuras da criança e da respectiva mãe não é uma razão de valor mais alto do que a vida de um filho.

6) Na história de um ser humano há apenas três instantes perfeitamente identificáveis e consensualmente inquestionáveis: a concepção, o nascimento e a morte. Tudo o resto é uma evolução contínua, difusa. Por isso, na minha opinião, a sociedade só pode usar esses três instantes como referência para decisões deste calibre (vida ou morte). Outras referências seriam sempre mal definidas, pouco claras, não consensuais. É esse o carácter que deve ser dado à concepção: o de referência absoluta, tal como as outras duas. É "sagrada" neste sentido científico, e não no sentido religioso.

7) Não vai ser possível encontrar um consenso total sobre quais os valores mais altos que justificam um aborto. Portanto, na dúvida ou na discordância deve adoptar-se uma posição de prudência e defender a vida desde o momento em que ela se distingue da da mãe (mesmo sendo dela dependente) e se inicia o desenvolvimento de um novo ser humano: a concepção.

8) Haverá alguns casos específicos em que o consenso é possível quanto aos motivos e quanto aos prazos - nesses o aborto deve ser permitido por lei.

PS: Discussão interessante esta nos comentários de um texto no Blasfémias.

2004/08/21

O Aborto

Já que estou em maré de temas difíceis, resolvi procurar alguns documentos que tinha escrito em 1998 na altura do Referendo do Aborto. Tinha organizado na Universidade Católica um fórum online sobre este tema que conseguiu considerável visibilidade nacional e participação muito alargada.

Estou cansado deste debate, devo dizer... As pessoas esquecem-se de quase tudo o que elas próprias pensaram, discutiram e aprenderam antes, e repetem sempre os mesmos erros. Quando recentemente se levantou este assunto novamente, voltei a ouvir as mesmas asneiras de todos os lados, seja a favor ou contra a legalização.

Aqui fica então o texto, com seis anos, cumprindo parte do que prometi aqui. A História repete-se! Quando tiver tempo hei-de voltar a colocar online cópia completa deste fórum que moderei. Especialmente interessantes são as citações de figuras públicas e de ilustres desconhecidos que na altura compilei.

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AS MINHAS CONCLUSÕES PESSOAIS

É meu dever, após a conclusão deste debate que coordenei no Fórum da Universidade Católica, apresentar as conclusões a que cheguei. Vou fazê-lo de forma resumida, recorrendo a um texto base com os principais tópicos e a apontadores para a argumentação mais extensa. Li novamente todas as participações e retirei delas as razões que julgo mais relevantes; por vezes uso essas mesmas razões para justificar uma posição inversa à que os autores das citações apresentadas defendem.

a) Não está em causa neste momento saber se o aborto se justifica em algumas circunstâncias, mas sim se deve ser liberalizado sem restrições até às 10 semanas. É esse o SIM ou o NÃO que nos é pedido. Não se trata de defender a prisão das mulheres que abortam.

b) As razões invocadas para o SIM ou para o NÃO variam muito de pessoa para pessoa: "todos iguais, todos diferentes" :-)

c) Não há consenso sobre a qualidade de pessoa de um feto com 10 semanas. Este simples facto é um argumento para o NÃO: na dúvida, protege-se a vida.

d) O aborto não é um problema da consciência individual:
- não se trata da vida da mãe, mas sim do filho
- o sacrifício de uma vida só pode ser aceite se existirem valores mais altos do que ele e essa avaliação não pode ser deixada apenas à mãe

e) Uma hipotética melhoria do problema de saúde pública que é o aborto não justifica a sua liberalização sem regras até às 10 semanas. Os fins nunca justificam os meios.

f) Despenalizar não é o mesmo que descriminalizar: justifica-se despenalizar em alguns casos, mas descriminalizar significa renunciar a regras mínimas de respeito pela vida.

g) Só faz sentido falar em Tolerância quando há Lei. Na aplicação da lei é que se deve usar a tolerância, mas deve haver lei primeiro.

h) O SIM é ineficaz:
- desresponsabiliza o Estado dos seus deveres de apoio a quem precisa
- não há condições práticas para a realização de abortos em tempo útil nos hospitais públicos
- não resolve os problemas de quem não tem recursos para recorrer a clínicas privadas
- não ataca as causas que levam ao aborto (mesmo o legal)
- não acaba com o aborto clandestino

i) Há muitos argumentos errados a favor do SIM e do NÃO. Não se deve liberalizar o aborto nem recusá-lo só para:
- contrariar a Igreja ou obedecer-lhe
- impedir que alguém ganhe dinheiro com negócios clandestinos ou legais
- irritar os hipócritas de qualquer um dos lados
- evitar que outros obtenham dividendos políticos

j) Há de facto muita hipocrisia em jogo, quer do lado do SIM quer do do NÃO. A actual situação é culpa de todos - que ninguém deixe de assumir a sua responsabilidade. E que todos explicitem claramente o que pretendem com o SIM e com o NÃO.

l) A posição da Igreja é sempre uma referência, boa ou má, mas não se justifica a obsessão com que alguns a invocam. Estamos afinal a tratar de leis de um Estado laico.

m) Seja SIM ou seja NÃO, o verdadeiro problema está nas causas a montante do aborto. Quanto a isso, não há referendo que as resolva. Agora estamos todos conscientes quanto a este assunto - há que agir e não empurrar tudo para as costas do Estado.

Pode encontrar aqui um conjunto de citações que me serviram de referência para este texto.

Vote! De preferência vote NÃO.
Mas seja SIM, seja NÃO ou seja voto em branco, vá votar!

2004/08/13

A legalização da prostituição

Já é habitual defenderem-se posições certas pelas razões erradas...
A legalização da prostituição é mais um caso. As razões "pragmáticas" referidas por Paulo Gorjão não me parecem válidas.

Há dois casos distintos a analisar.

- O primeiro é quando a prática da prostituição foi um último recurso a que as pessoas em causa se submeteram numa situação de miséria. Isso revela que o Estado e a sociedade em geral falharam no seu papel de apoio a quem precisa. A solução não é então legalizar a prostituição, mas sim proporcionar as condições suficientes para que quem se prostitui possa deixar de o fazer. Justificar-se-ia despenalizar, não legalizar. Legalizar poderia ser uma forma de o Estado se demitir dos seus deveres.

- O segundo caso é completamente diferente e já o tinha usado como exemplo no comentário anterior. Apesar de tudo há quem se prostitua por opção, inércia ou "comodismo", e já não por estrita necessidade. Por mais mau gosto que possa revelar, é um direito dos cidadãos. Com que bases a sociedade deverá proibir este negócio entre pessoas adultas? Em considerações morais sobre a vida privada?

É por causa deste segundo caso que eu sou a favor da legalização. Não por quaisquer razões pragmáticas.

2004/08/12

Tradições e temas complexos

No Gildot surgiu recentemente um debate sobre a triste história do Terràvista. No meio da conversa levantou-se outro tema especialmente complexo e a respeito do qual resolvi escrever umas linhas.

Dizia-se a certa altura que "a homossexualidade é tão normal como a heterossexualidade".
Se fosse "tão normal", 50% da população era homossexual... Uma coisa é aceitar a homossexualidade, outra é dizer que homossexualidade e heterossexualidade é tudo a mesma coisa.

Escreveu-se ainda que a homossexualidade "não é uma doença, ou seja, um/a homossexual não tem nada de errado".
Sim e não. Os/as "homossexuais" (já explico a razão das aspas) são como as outras pessoas: há as que têm "algo de errado" e as que são "saudáveis".

Há dois tipos de "homossexuais": os "verdadeiros" que possuem uma tendência natural para gostar do mesmo sexo (que acredito sejam uma percentagem bastante pequena da população) e os "falsos", que desenvolveram uma suposta "apetência homossexual" como resultado de algum desequilíbrio na sua evolução psíquica. Aliás, o equivalente também se poderá passar com os "heterossexuais".

Estou por isso firmemente convicto de que grande parte dos "falsos" é curável (ou pelo menos que devia tentar a cura), mas que a sociedade confunde os dois tipos e deixou de analisar o caso com o rigor e seriedade que era exigível. Qualquer desequilíbrio é mau e deve ser ultrapassado.

Quando vejo as "paradas de orgulho gay", os casamentos gay com homens em vestido de noiva, etc., é difícil de acreditar que sejam pessoas mentalmente saudáveis! O problema não é serem manifestações homossexuais, o caso seria o mesmo se fossem palhaçadas heterossexuais como também há muitas (por exemplo alguns culturistas mais fanáticos, com o corpo todo deformado, a dizer "agora é que me sinto Homem!"). Os "verdadeiros" não precisam de fazer tristes figuras em actividades de gosto mais do que duvidoso, têm um equilíbrio mental bem mais saudável que as dispensa. É evidente que também há "verdadeiros" que desenvolveram alguns traumas pelo facto de serem discriminados pela sociedade - o desequilíbrio seria então consequência e não causa da sua homossexualidade.

Por isso, embora não tenha feito nenhum estudo científico que me forneça números, a minha percepção do mundo diz-me que as pessoas verdadeiramente homossexuais são relativamente raras.

Já agora, ligado a este tipo de "preconceitos sociais" do mundo ocidental, valeria a pena discutir também a poligamia e o incesto entre adultos. Não me parece adequado pensar na homossexualidade sem introduzir igualmente estes dois assuntos. Por que razão há-de a sociedade tratá-los de forma diferente?

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PS: Um esclarecimento adicional - Independentemente de se concordar ou não com uma determinada situação, é preciso que haja razões muito fortes para proibir qualquer coisa. Eu não encontro essas razões fortes para proibir uniões (nunca lhes chamaria casamentos) homossexuais como casos de "economia comum" para fins fiscais, por exemplo.

E por que razão é que se há-de proibir a poligamia, que é comum noutras zonas do mundo? Eu não a defendo como opção de vida, mas com que direito a sociedade pretende regular este aspecto da vida privada de pessoas adultas?

Outro caso ainda: quem é que apoia a prostituição? Mas muitos (como eu) defendem a sua legalização porque apesar de tudo há quem se prostitua por opção, inércia ou "comodismo" (é um direito...), e já não por estrita necessidade.

2004/08/10

O interesse do "pobre país"

Pacheco Pereira escreve no Abrupto sobre o "interesse público" a propósito do poder corporativo de jornalistas e magistrados.

Subscrevo genericamente o que está lá escrito, embora não usasse um registo tão pessimista. O "interesse público" seria o "público" tratar dos assuntos do seu interesse... Mas aquilo por que o "público" normalmente se interessa não é do seu verdadeiro interesse (e nem eu acho que seja minimamente interessante).

Por isso é que não concordo nada com o refrão "pobre país" usado no Abrupto. Pelo contrário, pelos vistos somos demasiado ricos para nos podermos dar ao luxo de desprezar aquilo que importa. Estivéssemos numa situação realmente difícil e o "interesse público" seria perfeitamente evidente para todos.