2004/08/21

O Aborto

Já que estou em maré de temas difíceis, resolvi procurar alguns documentos que tinha escrito em 1998 na altura do Referendo do Aborto. Tinha organizado na Universidade Católica um fórum online sobre este tema que conseguiu considerável visibilidade nacional e participação muito alargada.

Estou cansado deste debate, devo dizer... As pessoas esquecem-se de quase tudo o que elas próprias pensaram, discutiram e aprenderam antes, e repetem sempre os mesmos erros. Quando recentemente se levantou este assunto novamente, voltei a ouvir as mesmas asneiras de todos os lados, seja a favor ou contra a legalização.

Aqui fica então o texto, com seis anos, cumprindo parte do que prometi aqui. A História repete-se! Quando tiver tempo hei-de voltar a colocar online cópia completa deste fórum que moderei. Especialmente interessantes são as citações de figuras públicas e de ilustres desconhecidos que na altura compilei.

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AS MINHAS CONCLUSÕES PESSOAIS

É meu dever, após a conclusão deste debate que coordenei no Fórum da Universidade Católica, apresentar as conclusões a que cheguei. Vou fazê-lo de forma resumida, recorrendo a um texto base com os principais tópicos e a apontadores para a argumentação mais extensa. Li novamente todas as participações e retirei delas as razões que julgo mais relevantes; por vezes uso essas mesmas razões para justificar uma posição inversa à que os autores das citações apresentadas defendem.

a) Não está em causa neste momento saber se o aborto se justifica em algumas circunstâncias, mas sim se deve ser liberalizado sem restrições até às 10 semanas. É esse o SIM ou o NÃO que nos é pedido. Não se trata de defender a prisão das mulheres que abortam.

b) As razões invocadas para o SIM ou para o NÃO variam muito de pessoa para pessoa: "todos iguais, todos diferentes" :-)

c) Não há consenso sobre a qualidade de pessoa de um feto com 10 semanas. Este simples facto é um argumento para o NÃO: na dúvida, protege-se a vida.

d) O aborto não é um problema da consciência individual:
- não se trata da vida da mãe, mas sim do filho
- o sacrifício de uma vida só pode ser aceite se existirem valores mais altos do que ele e essa avaliação não pode ser deixada apenas à mãe

e) Uma hipotética melhoria do problema de saúde pública que é o aborto não justifica a sua liberalização sem regras até às 10 semanas. Os fins nunca justificam os meios.

f) Despenalizar não é o mesmo que descriminalizar: justifica-se despenalizar em alguns casos, mas descriminalizar significa renunciar a regras mínimas de respeito pela vida.

g) Só faz sentido falar em Tolerância quando há Lei. Na aplicação da lei é que se deve usar a tolerância, mas deve haver lei primeiro.

h) O SIM é ineficaz:
- desresponsabiliza o Estado dos seus deveres de apoio a quem precisa
- não há condições práticas para a realização de abortos em tempo útil nos hospitais públicos
- não resolve os problemas de quem não tem recursos para recorrer a clínicas privadas
- não ataca as causas que levam ao aborto (mesmo o legal)
- não acaba com o aborto clandestino

i) Há muitos argumentos errados a favor do SIM e do NÃO. Não se deve liberalizar o aborto nem recusá-lo só para:
- contrariar a Igreja ou obedecer-lhe
- impedir que alguém ganhe dinheiro com negócios clandestinos ou legais
- irritar os hipócritas de qualquer um dos lados
- evitar que outros obtenham dividendos políticos

j) Há de facto muita hipocrisia em jogo, quer do lado do SIM quer do do NÃO. A actual situação é culpa de todos - que ninguém deixe de assumir a sua responsabilidade. E que todos explicitem claramente o que pretendem com o SIM e com o NÃO.

l) A posição da Igreja é sempre uma referência, boa ou má, mas não se justifica a obsessão com que alguns a invocam. Estamos afinal a tratar de leis de um Estado laico.

m) Seja SIM ou seja NÃO, o verdadeiro problema está nas causas a montante do aborto. Quanto a isso, não há referendo que as resolva. Agora estamos todos conscientes quanto a este assunto - há que agir e não empurrar tudo para as costas do Estado.

Pode encontrar aqui um conjunto de citações que me serviram de referência para este texto.

Vote! De preferência vote NÃO.
Mas seja SIM, seja NÃO ou seja voto em branco, vá votar!