2005/02/17

O Casino

Admito como verdadeira e rigorosa uma notícia saída na imprensa que anuncia o início iminente das obras de reabilitação urbana no troco final (ocidental) da Avenida da Boavista, no Porto.

O executivo da Câmara Municipal do Porto tem toda a legitimidade para decidir sobre esta matéria, desde que cumpra a Lei. Foi eleito, e a Democracia é isto mesmo. Por mais movimentações e participação cívica que exista, só uma eleição é vinculativa. Por isso, caso o executivo não queira seguir as recomendações de bom senso que surgiram no debate entretanto havido, resta ao “povo” esperar pelas próximas autárquicas.

Atendendo à discussão pública sobre este tema (que foi aliás saudavelmente incentivada também pela autarquia e pela Metro do Porto), espera-se do executivo alguma informação formal sobre a obra que supostamente vai começar. Nem que seja por simples educação e civismo.

Recuemos no tempo. O que se terá passado?

Havia um canal central desaproveitado na Avenida da Boavista. Havia um Metro que interessava expandir, e um troço sobrecarregado que importava aliviar noutro ponto da rede. À primeira vista, a construção de uma linha nesse canal parecia uma opção óbvia e relativamente simples. À primeira vista.

Contactam-se alguns especialistas de transportes, que fazem estudos sobre o impacto desta solução. Aí o cenário começa a complicar-se: afinal vai ser preciso desviar tráfego para zonas residenciais, afinal vão ser necessárias expropriações que não se sabe quanto custam, afinal o actual viaduto no Parque da Cidade não serve e terá que ser construído outro, afinal o troço Trindade - Senhora da Hora não é significativamente afectado, etc. Mas enfim, aparentemente do mal o menos...

Entretanto já havia outra iniciativa a desenvolver-se: o Grande Prémio da Boavista, prova automobilística lançada recentemente pela autarquia.

A Linha da Boavista vinha mesmo a calhar, pois empurravam-se os custos todos para a Metro do Porto:
  • a reabilitação urbana (tão necessária) da Avenida da Boavista
  • a preparação das estruturas para o Grande Prémio
  • o pagamento das prováveis indemnizações à Imoloc por causa da situação pouco clara quanto aos direitos de propriedade dos terrenos do Parque da Cidade.
Juntava-se o útil ao agradável.

Ao mesmo tempo aparecem uns “profissionais do contra” com visibilidade mediática que se reúnem no blog “A Baixa do Porto”. Mas apesar de tudo parecia gente relativamente séria… Até já tinham tido um papel importante na aprovação da Sociedade de Reabilitação Urbana! Por isso o executivo pensa: sendo esta opção pela Linha da Boavista correcta, não há nada como um bom debate público, com a ajuda do talento e competência do Prof. Oliveira Marques da Metro do Porto, para que se “dê a volta” à opinião pública. Até aqui tudo relativamente bem.

O mal foi que havia uma série enorme de inconvenientes graves que não estavam devidamente ponderados na Linha da Boavista. O debate público veio tornar absolutamente evidente que este projecto concreto proposto pela Metro do Porto era completamente desadequado.

O executivo ficou na posição do jogador que foi apostar às escondidas no Casino e que já estourou as economias da família. O que fazer? Voltar para casa, assumir o erro e trabalhar para recuperar as perdas, ou hipotecar o apartamento e voltar a apostar à espera de um milagre?

Decide Rui Rio tentar a “fuga para a frente”. Manda avançar as obras de reabilitação da Avenida sem ter a garantia de que a Linha da Boavista vai ser aprovada pela Administração Central, sem saber se o estudo de impacto ambiental vai ser preciso, consciente de que esta decisão é tecnicamente errada. Com ordem de estar tudo pronto a tempo do Grande Prémio, assumido sonho do autarca. A Metro do Porto responsabiliza-se entretanto pelo respectivo pagamento mas apenas no pressuposto de que a linha é realmente aprovada... Se não for, a factura terá de ir parar a outro destinatário.

Conclusão: nesta altura a “hipoteca” parece que já vai em 6 milhões de euros... E isto é só o princípio, antes de “aquecer os motores”. Com este comportamento, também já não se pode contar com Rui Rio para renovar o PSD.