2005/02/03

O desamparo

Apareceu ontem uma história trágica n’O Comércio do Porto e noutros jornais também. Não sei se está bem contada ou não. Hoje há desenvolvimentos.

Eu já estou mais ou menos habituado a sofrer e assistir pessoalmente a situações de mau atendimento nos hospitais (e de bom também, não estou agora a fazer estatísticas!). Já criei alguma capacidade de distanciamento, de “anestesia”. Não posso resolver todos os problemas do mundo; tenho que escolher os poucos que consigo ajudar a ultrapassar com o meu esforço.

Contudo, esta situação é muito estranha e especialmente triste. "Triste" é o termo. Pelo desamparo evidente de quem, numa situação daquelas em que se sentia mal atendido, não tem a formação suficiente para tomar a iniciativa de procurar outro hospital, um médico noutro lado qualquer, qualquer coisa. Ninguém abandona o hospital (como parece ter sido o caso) se não tiver razões muito fortes para isso. Se não se julgar a mais naquele local. Se não perceber respeito por parte dos profissionais que lá estão. Se não tiver a sensação de que está apenas a perder tempo.

Uma jovem mãe morreu em casa, sabendo-se que estava doente e após 5 idas ao hospital. É inegável que algo correu mal no “sistema”, mesmo que o “sistema” tenha sido abandonado por opção da doente. O “sistema” não foi capaz de proporcionar a esta pessoa o acolhimento que ela precisava. O “sistema” falhou, é um facto.

Comentando este assunto, o nosso simpático “médico explicador” MEMAI (que bons serviços tem prestado a esta comunidade virtual), desta vez está a ver mal o caso. O verdadeiro problema que se levanta escapou-lhe: a situação VISTA PELA DOENTE E FAMÍLIA. Não garanto que eles têm razão nem que houve negligência médica. Afirmo apenas que aquilo que eles SENTEM é certamente de "telenovela dramática", como a classifica MEMAI. O que impressiona e se torna especialmente triste é esse sentimento, esse desamparo que a sociedade não conseguiu resolver. Por comparação, é muito menos chocante (embora igualmente emocionante) este caso. Para Ivan Noble havia algo inevitável, era aceitar a vida e a morte como elas são, com todo o apoio que é humanamente possível dar. No caso português tratou-se de alguém entregue à sua sorte, na prática. É de telenovela mesmo!

Fala também MEMAI na “mão-de-obra barata”. É evidente que a experiência é importante em qualquer profissão. Mas é importante para evitar o ERRO, e não a NEGLIGÊNCIA. Isso não tem nada a ver com os 20 anos de prática. Um novato ou um sénior estão em exacta igualdade de circunstâncias nesse aspecto. O seu "cruzamento de notícias" é claramente tendencioso porque não tem quaisquer provas de que haja relação entre as duas. MEMAI está a recorrer às mesmas práticas que tantas vezes, e tão justamente, critica nos jornalistas.

Na resposta que me deu resolve falar em "cabala jornalística"(!) e não escreve do que devia escrever. Não sei se houve “negligência médica” no sentido estrito e formal do termo. Mas que se falhou, falhou.