2010/07/02

Drogas por via ocular

Leiam-se os comentários que vão surgindo e constate-se como esta visão do paraíso intoxica até mentes habitualmente lúcidas

Duas notícias recentes ilustram bem os males de que Portugal padece. A primeira relatava que só agora se vão tornar obrigatórios procedimentos de segurança tão absolutamente básicos como confirmar o nome do doente numa operação cirúrgica. Já há tempos se tinha concluído que causa frequente de infecções era a falta de hábito de lavar as mãos entre os profissionais (ou nem tanto...) de saúde. Acrescento eu o inacreditável desleixo com que médicos e enfermeiros circulam nos hospitais, entra e sai desde o bar do edifício às zonas de acesso restrito, com o mesmo calçado e bata com que tratam os doentes. Quem assim age não é ignorante. Pelo contrário, é altamente qualificado, com preparação científica mais que suficiente para compreender os riscos que cria por simples preguiça. Preguiça mental. A visão de todos à sua volta a cometerem os mesmos erros deixa-o alienado.

A segunda notícia dava conta da conquista da Cisco (o gigante mundial das redes de computadores) para um mirabolante projecto localizado em Paredes. Garantem os promotores, com a conivência da autarquia e do Governo, que vai nascer ali uma nova cidade altamente tecnológica, “verde” como se impõe, num investimento que atingirá dez mil milhões de euros. 10.000.000.000! Quantas empresas vão lá estar em 2015? Doze mil, dizem eles. Até agora nem um cêntimo dessa fortuna foi desembolsado por nenhum investidor e a Cisco, mais do que investir, propõe-se vender equipamentos e serviços. Muitos. Faz ela bem, é o seu negócio. A Câmara assegura que consegue financiamento para comprar os terrenos. Afinal Portugal é aquele pequeno país onde houve dinheiro para o Magalhães, porque não para isto também? Leiam-se os comentários que vão surgindo e constate-se como esta visão do paraíso intoxica até mentes habitualmente lúcidas.

(publicado no JN de 2010/07/01)