Uma pequena minoria, com algumas qualidades de facto acima da média, julga ter legitimidade acrescida para nos governar.
Entre as causas de tempos pouco felizes em Portugal está a incapacidade das suas lideranças compreenderem que um país é feito por gente "normal", com as qualidades e defeitos "normais". Criou-se um fosso entre as elites e o povo. Uma pequena minoria, com (apenas) algumas qualidades de facto acima da média, julga ter legitimidade acrescida para nos governar. Essa minoria não possui a experiência da vida do cidadão comum nem recolhe dele o "feedback" que é também conhecimento valioso. Essa mesma minoria não tem tempo nem paciência para dedicar às questões mais terra a terra que alguns cidadãos interventivos acabam por tratar à sua maneira por exemplo ao nível das freguesias, com esforço e dedicação, e muitas vezes bem.
António Barreto lembrou no 10 de Junho a importância do exemplo. Mas, ao mesmo tempo que afirma concordar com ele, há quem receie o acesso "demasiado facilitado" a informação da Administração Pública porque o cidadão "pode não a perceber completamente" e "tirar conclusões precipitadas". No fundo, para esses, o cidadão seria um pobre coitado, com limitada autonomia e capacidade de discernimento. Só assim se explica o desvelo com que o Estado, tomado de assalto por elementos dessa elite, regula exaustivamente toda e qualquer actividade onde o cidadão se possa eventualmente envolver. Não haverá igualmente outra razão para que os partidos nos poupem aos detalhes da concretização das ideias que propõem.
Num ambiente construtivo o cidadão comum habitualmente contribui de forma positiva. Ao contrário, quando imerso na agressividade, na desonestidade, na inveja, ele ajuda a piorar a situação. Constatar que a política está desacreditada é fornecer o melhor argumento para que haja uma militância mais intensa de todos nós no sentido de reconquistar os partidos àqueles a quem eles foram abandonados. Os 4,63% de votos em branco nas Europeias são uma fonte de esperança: revelam eleitores que pretendem ter participação activa e que não se conformam em ser tratados como idiotas.
(publicado no JN de 2009/06/18)