A proposta de nova lei das rendas obriga os senhorios a continuar a exercer o papel de apoio social que compete ao Estado. Infelizmente nesta altura não há alternativa, pois o Estado não tem recursos suficientes para cumprir as suas obrigações, neste e em muitos outros campos. Trata-se portanto de escolher as opções que minimizem o grau de incumprimento do Estado, a que chegámos por irresponsabilidade e incompetência de muitos Governos anteriores.
Não havendo ainda uma Justiça eficaz, e sabendo-se do fracasso que foi a lei anterior que previa Comissões Arbitrais Municipais que em grande parte nem sequer chegaram a ser criadas, é indispensável um mecanismo que estimule e auto-regule um processo negocial directo entre senhorio e inquilino que funcione imediatamente. Para esse balanço é indispensável que ambas as partes tenham algo a ganhar e a perder. Daí que prever-se uma indemnização por parte do senhorio em caso de despejo é fundamental. Contudo, isto é evidentemente injusto para o senhorio, que já foi obrigado a aguentar longos anos uma renda ridícula, e agora ainda tem de pagar mais para corrigir a situação...
Daí que proponha um remédio para minorar esta injustiça: a indemnização paga pelo senhorio deve poder ser abatida ao longo de vários anos à colecta da IRS, seja numa percentagem do valor da colecta (25%?), seja em 100% da parte da colecta que tiver origem em rendas recebidas. Resolvem-se assim dois problemas: a injustiça com os senhorios é pelo menos atenuada, e o Estado evita ter de dispor de mais liquidez neste momento duro da economia.
2011/12/30
2011/11/04
Sair do euro é o pior cenário para devedores e credores
Aqui fica um esboço, escrito à pressa e insuficientemente justificado, das minhas ideias sobre ficar ou sair do euro. Esta crise financeira centrada na Grécia tem gerado tanta confusão que surgem teorias sem qualquer base técnica quanto ao respectivo impacto no euro. Dizem que "o euro está em perigo" sem especificar qual o perigo concreto a que se referem, nem quais as consequências práticas para o funcionamento da moeda em si.
O problema que eu consigo identificar é o dos défices crónicos dos Estados, não do euro. Enquanto havia moedas nacionais, os Estados iam adiando o seu equilíbrio orçamental porque podiam emitir moeda, ou seja, tinham um meio discreto muito eficaz de confiscar riqueza a cidadãos e empresas para tapar os buracos que iam cavando. Estando no euro, sem esta ferramenta, os défices foram-se acumulando até que a situação estourou.
Especificamente no caso da Grécia, imaginemos que regressava ao dracma. Esquecendo as enormes dificuldades logísticas (e respectivos custos) de fazer uma transição literalmente da noite para o dia, o que aconteceria? (Não vou aqui justificar exaustivamente todas as afirmações seguintes.)
- Passaria a ser a possível uma desvalorização instantânea do dracma, que seria realizada em simultâneo com a transição.
- Como consequência, muitos preços subiriam também instantaneamente (especialmente os bens e serviços importados).
- Passaria a ser a possível emitir autonomamente dracmas.
- A inflação passaria a ser diferente da da zona euro (seria superior na Grécia).
- A dívida externa, expressa em euros, dólares, etc., (pública e privada) mantinha-se no mesmo valor.
- As dívidas internas (passadas automaticamente para dracmas), após desvalorização, perderiam valor em termos da riqueza que representam, tal como os créditos. Ou seja, teria havido uma transferência instantânea de riqueza de credores para devedores, sejam eles Estado ou privados.
- Fruto do ponto anterior e da emissão de moeda que passaria a realizar, o Estado poderia cumprir os seus compromissos financeiros internos.
A saída do euro dotaria assim o Estado de ferramentas para se apropriar de riqueza interna de forma relativamente discreta, que depois poderia usar para pagar as suas dívidas (internas ou externas).
Em paralelo, com a desvalorização, os exportadores gregos conseguiriam custos de produção menores (quando expressos em euros) e portanto passariam a ser mais competitivos. Esta situação representaria igualmente uma transferência permanente de riqueza dos não-exportadores (que pagam mais caro as importações) para os exportadores (os únicos a beneficiar directamente do dracma fraco porque recebem em divisas).
Mas se não sair do euro, o que pode a Grécia fazer?
Sem as ferramentas descritas acima, o Estado precisa de encontrar meios alternativos de se financiar. Se excluirmos apoios externos (que também poderiam existir com o dracma), restam duas vias: impostos convencionais (brutais) e confisco de património. Dado o nível de endividamento, são necessárias as duas. Estas opções limitam a transferência de riqueza àquela que é feita dos privados para o Estado, e evitam as transferências involuntárias entre privados que aconteceriam como "efeito secundário" no caso do dracma. Nesse sentido, é uma política muito mais "cirúrgica" do que o abandono do euro.
Em qualquer dos dois cenários, dentro ou fora do euro, havendo incumprimento dos compromissos externos, os bancos gregos seriam provavelmente expulsos do sistema financeiro internacional. Aí era inevitável a nacionalização temporária de todo o sistema bancário e, no caso do euro, a limitação do crédito ao volume efectivo dos seus depósitos (ou seja, não poderia ser emitida moeda por via do crédito bancário, senão seria "pirata" pois fora do controlo do BCE). Pertencendo ao Estado, continuariam a ser viáveis transacções entre os bancos gregos, e também deles com particulares a nível nacional. Isto manteria a economia interna ao menos com algum grau de funcionamento. Em caso de permanência no euro, os privados podem ainda realizar directamente negócios em numerário com o estrangeiro, em vez de ficarem numa "ilha" do dracma de conversão problemática.
Em resumo: sair do euro é completamente irracional. Há alternativas melhores para qualquer dos envolvidos nesta trapalhada europeia.
2011/07/20
O défice tem mesmo de ser zero
É inevitável, não é uma questão de opção: o défice do Orçamento de Estado tem de ser, ao menos em média, zero. Zero! E porquê? Devia ser óbvio para qualquer político com um mínimo de responsabilidades, mas pelos vistos não é. Passo por isso a explicar, de forma um pouco simplista para não tornar a exposição demasiado complexa.
Quando havia moeda nacional, a situação era diferente. Apesar de as receitas serem menores do que as despesas, o Estado podia "fazer batota": emitia moeda. Tinha poder para isso. Para compensar o excesso de despesa, imagine-se que o Estado resolvia emitir moeda para aumentar 10% o dinheiro em circulação. Emitir moeda não aumenta a riqueza existente, mas apenas o volume de dinheiro que a representa. Significa isso que se um bem custava 100 escudos antes da emissão, depois fica a custar 110 escudos. Se eu tivesse 100 escudos, antes da emissão conseguia comprar esse bem, depois não. O Estado, emitindo moeda (que fica para si, evidentemente), ter-se-ia apropriado de 10% da riqueza do país. É um super-imposto disfarçado: inflação criada pelo Estado. Com essa "receita extraordinária" (por outras palavras, com esse roubo aos privados), o Estado conseguia ir resolvendo o desequilíbrio das suas contas. Como faltava dinheiro por causa de um défice sistemático, ia-se sacando recursos ao povo desta forma, e o povo mal percebia que estava a ser explorado.
Ora com a entrada no euro esta pouca-vergonha terminou. O Estado deixou de poder emitir moeda. E portanto deixa de poder gastar mais do que aquilo que recebe por via das receitas normais. Não é grave se num ano ou noutro exagerar um pouco, porque compensa nos seguintes. Mas o que não é mesmo viável é ter sempre défice! De onde viria o dinheiro?
Moral da história: com a entrada no euro, os Orçamentos de Estado passaram a ser obrigatoriamente equilibrados. Aliás, no imediato, precisamos até de superavit para pagar as contas pendentes, que não são pequenas...
Já agora, sobre um tema relacionado, um texto meu de 2008: A emissão pirata de moeda.
Quando havia moeda nacional, a situação era diferente. Apesar de as receitas serem menores do que as despesas, o Estado podia "fazer batota": emitia moeda. Tinha poder para isso. Para compensar o excesso de despesa, imagine-se que o Estado resolvia emitir moeda para aumentar 10% o dinheiro em circulação. Emitir moeda não aumenta a riqueza existente, mas apenas o volume de dinheiro que a representa. Significa isso que se um bem custava 100 escudos antes da emissão, depois fica a custar 110 escudos. Se eu tivesse 100 escudos, antes da emissão conseguia comprar esse bem, depois não. O Estado, emitindo moeda (que fica para si, evidentemente), ter-se-ia apropriado de 10% da riqueza do país. É um super-imposto disfarçado: inflação criada pelo Estado. Com essa "receita extraordinária" (por outras palavras, com esse roubo aos privados), o Estado conseguia ir resolvendo o desequilíbrio das suas contas. Como faltava dinheiro por causa de um défice sistemático, ia-se sacando recursos ao povo desta forma, e o povo mal percebia que estava a ser explorado.
Ora com a entrada no euro esta pouca-vergonha terminou. O Estado deixou de poder emitir moeda. E portanto deixa de poder gastar mais do que aquilo que recebe por via das receitas normais. Não é grave se num ano ou noutro exagerar um pouco, porque compensa nos seguintes. Mas o que não é mesmo viável é ter sempre défice! De onde viria o dinheiro?
Moral da história: com a entrada no euro, os Orçamentos de Estado passaram a ser obrigatoriamente equilibrados. Aliás, no imediato, precisamos até de superavit para pagar as contas pendentes, que não são pequenas...
Já agora, sobre um tema relacionado, um texto meu de 2008: A emissão pirata de moeda.
2011/06/03
Começar já a governar
Reúno aqui algumas das ideias que expressei num post de 2008 e na respectiva caixa de comentários.
Atendendo à delicada situação do país e aos apertadíssimos prazos dos compromissos com a troika, sugiro que o novo Governo, numa primeira fase, assuma uma estrutura exactamente igual à do actual. Isso permitir-lhe-á começar imediatamente a governar sem ter de desperdiçar vários meses até que novas lei orgânicas sejam redigidas e aprovadas para uma nova configuração de ministérios e de serviços por eles tutelados, e mais ainda para que a Administração Pública se adapte a elas. O problema principal do país não é seguramente a estrutura do Governo, mas sim o que os governantes fazem... Por outras palavras: não é impossível mudar de política mantendo provisoriamente a mesma estrutura, enquanto se prepara a mudança com mais calma e cuidado.
Mais tarde, com tempo, far-se-ia uma remodelação que concretize as mudanças pretendidas, beneficiando já da experiência de funcionamento do Executivo. Ao escolher a equipa o novo Primeiro-Ministro deverá já pensar nestas duas fases do Governo. Ou seja, a equipa seria basicamente a mesma antes e depois da referida remodelação: os governantes saberiam à partida com o que contavam, e que para alguns deles haveria um posto transitório na primeira fase (por exemplo acumulando mais do que um ministério), antes de passarem definitivamente para a segunda. Um processo assim, em que se sabe à partida que vai haver uma remodelação que até pode ficar logo calendarizada, tem a vantagem adicional de permitir algum ajuste que se revele necessário na própria equipa. Tudo isto sem grandes ondas nem a instabilidade associada a uma remodelação inesperada.
Atendendo à delicada situação do país e aos apertadíssimos prazos dos compromissos com a troika, sugiro que o novo Governo, numa primeira fase, assuma uma estrutura exactamente igual à do actual. Isso permitir-lhe-á começar imediatamente a governar sem ter de desperdiçar vários meses até que novas lei orgânicas sejam redigidas e aprovadas para uma nova configuração de ministérios e de serviços por eles tutelados, e mais ainda para que a Administração Pública se adapte a elas. O problema principal do país não é seguramente a estrutura do Governo, mas sim o que os governantes fazem... Por outras palavras: não é impossível mudar de política mantendo provisoriamente a mesma estrutura, enquanto se prepara a mudança com mais calma e cuidado.
Mais tarde, com tempo, far-se-ia uma remodelação que concretize as mudanças pretendidas, beneficiando já da experiência de funcionamento do Executivo. Ao escolher a equipa o novo Primeiro-Ministro deverá já pensar nestas duas fases do Governo. Ou seja, a equipa seria basicamente a mesma antes e depois da referida remodelação: os governantes saberiam à partida com o que contavam, e que para alguns deles haveria um posto transitório na primeira fase (por exemplo acumulando mais do que um ministério), antes de passarem definitivamente para a segunda. Um processo assim, em que se sabe à partida que vai haver uma remodelação que até pode ficar logo calendarizada, tem a vantagem adicional de permitir algum ajuste que se revele necessário na própria equipa. Tudo isto sem grandes ondas nem a instabilidade associada a uma remodelação inesperada.
Vandalismo por omissão
É uma espécie de vandalismo social empurrar para outros a escolha que é responsabilidade nossa. Vamos votar!
1. A política do actual Governo na área da qualificação profissional e certificação de competências tem falhado redondamente. A prova é que não se vê impacto na probabilidade de um desempregado conseguir emprego. Qualquer sistema pouco exigente cria falsas esperanças, desbarata recursos e introduz injustiça quando proporciona equivalência errada à formação de qualidade obtida por outras vias. Se uma acção de formação não é seguida imediatamente por inserção em ambiente onde os novos conhecimentos sejam aplicados, estes ao fim de pouco tempo acabam por se perder. São inúteis cursos "a seco". Aposte-se antes em formar trabalhadores já contratados, ou a contratar num regime suficientemente flexível para não ser dissuasor. Aí já não há dúvida quanto à adequação às características do mercado, pois são os próprios empregadores a definir o perfil dos cursos que, após conclusão, imediatamente rentabilizam na sua estrutura produtiva.
2. Os políticos não são todos iguais. Também é uma falácia dizer que os programas, nesta conjuntura, terão de ser idênticos. É certo que muitos dos objectivos são os que decorrem dos compromissos com a troika, mas há diferentes meios para lá chegar. Para mim, é evidente que a opção recomendável é o PSD com Passos Coelho: apresenta com detalhe as melhores propostas para desenvolvimento do país, não se sente diminuído por explicar convicções nem por acolher ideias alheias com mérito. Ou seja: trata os cidadãos com respeito, não se esquece que é suposto representá-los. Mas, mesmo que se discorde desta minha avaliação, despedir Sócrates e libertar o PS desta liderança decorre do mais elementar bom senso, trata-se de um imperativo cívico. É uma espécie de vandalismo social empurrar para outros a escolha que é responsabilidade nossa. Vamos votar!
(publicado no JN de 2011/06/02)
1. A política do actual Governo na área da qualificação profissional e certificação de competências tem falhado redondamente. A prova é que não se vê impacto na probabilidade de um desempregado conseguir emprego. Qualquer sistema pouco exigente cria falsas esperanças, desbarata recursos e introduz injustiça quando proporciona equivalência errada à formação de qualidade obtida por outras vias. Se uma acção de formação não é seguida imediatamente por inserção em ambiente onde os novos conhecimentos sejam aplicados, estes ao fim de pouco tempo acabam por se perder. São inúteis cursos "a seco". Aposte-se antes em formar trabalhadores já contratados, ou a contratar num regime suficientemente flexível para não ser dissuasor. Aí já não há dúvida quanto à adequação às características do mercado, pois são os próprios empregadores a definir o perfil dos cursos que, após conclusão, imediatamente rentabilizam na sua estrutura produtiva.
2. Os políticos não são todos iguais. Também é uma falácia dizer que os programas, nesta conjuntura, terão de ser idênticos. É certo que muitos dos objectivos são os que decorrem dos compromissos com a troika, mas há diferentes meios para lá chegar. Para mim, é evidente que a opção recomendável é o PSD com Passos Coelho: apresenta com detalhe as melhores propostas para desenvolvimento do país, não se sente diminuído por explicar convicções nem por acolher ideias alheias com mérito. Ou seja: trata os cidadãos com respeito, não se esquece que é suposto representá-los. Mas, mesmo que se discorde desta minha avaliação, despedir Sócrates e libertar o PS desta liderança decorre do mais elementar bom senso, trata-se de um imperativo cívico. É uma espécie de vandalismo social empurrar para outros a escolha que é responsabilidade nossa. Vamos votar!
(publicado no JN de 2011/06/02)
2011/05/20
"Okupas" na Fontinha
Já repararam como alguns dos que criticam Passos Coelho têm vergonha de explicitar a alternativa que apoiam?
1. Depois de anos de abandono e total vandalização, um grupo de “okupas” bem intencionado tomou posse das instalações de uma escola no centro do Porto. Limpou-a, pintou-a, organizou actividades em conjunto com a população local que o recebeu com alegria. Passado pouco tempo, sem contacto prévio da Junta ou da Câmara, foi desalojado numa operação policial pacífica de envergadura nunca vista na zona. Os poderes autárquicos claramente não quiseram perceber o que se passava. O caso foi à Assembleia Municipal e, surpreendentemente, tratado com moderação por todos os partidos. Nunca tinha visto a sala em tão absoluto silêncio, atenta às exposições que estavam a ser feitas. Há abertura para o diálogo de modo a que não se desperdice este voluntarismo da sociedade civil. Cabe agora aos “okupas” propor um projecto para o local, esclarecendo equívocos internos que existem entre eles e que na fase de concretização se vão tornar evidentes. A “okupação” foi indispensável para a eficácia da acção, mas futuramente é preciso respeitar regras de convivência em sociedade – a Lei. Estejam as autarquias também à altura.
2. Quem se resignou à mentira sistemática dos que nos desgraçaram até à bancarrota não vai ganhar juízo antes de 5 de Junho. Já repararam como alguns dos que criticam Passos Coelho têm vergonha de explicitar a alternativa que apoiam? O PSD é o único partido que propõe uma estratégia de desenvolvimento digna desse nome. Por isso o esforço final na campanha será explicá-la aos eleitores que, não tendo o cérebro desligado, rejeitem o actual governo mas ainda hesitem entre as várias oposições. É que há muitas maneiras de governar respeitando os objectivos impostos pela troika. Queremos deixar o poder em quem arruinou o país, ou construir um futuro com políticas competentes?
(publicado no JN de 2011/05/19)
1. Depois de anos de abandono e total vandalização, um grupo de “okupas” bem intencionado tomou posse das instalações de uma escola no centro do Porto. Limpou-a, pintou-a, organizou actividades em conjunto com a população local que o recebeu com alegria. Passado pouco tempo, sem contacto prévio da Junta ou da Câmara, foi desalojado numa operação policial pacífica de envergadura nunca vista na zona. Os poderes autárquicos claramente não quiseram perceber o que se passava. O caso foi à Assembleia Municipal e, surpreendentemente, tratado com moderação por todos os partidos. Nunca tinha visto a sala em tão absoluto silêncio, atenta às exposições que estavam a ser feitas. Há abertura para o diálogo de modo a que não se desperdice este voluntarismo da sociedade civil. Cabe agora aos “okupas” propor um projecto para o local, esclarecendo equívocos internos que existem entre eles e que na fase de concretização se vão tornar evidentes. A “okupação” foi indispensável para a eficácia da acção, mas futuramente é preciso respeitar regras de convivência em sociedade – a Lei. Estejam as autarquias também à altura.
2. Quem se resignou à mentira sistemática dos que nos desgraçaram até à bancarrota não vai ganhar juízo antes de 5 de Junho. Já repararam como alguns dos que criticam Passos Coelho têm vergonha de explicitar a alternativa que apoiam? O PSD é o único partido que propõe uma estratégia de desenvolvimento digna desse nome. Por isso o esforço final na campanha será explicá-la aos eleitores que, não tendo o cérebro desligado, rejeitem o actual governo mas ainda hesitem entre as várias oposições. É que há muitas maneiras de governar respeitando os objectivos impostos pela troika. Queremos deixar o poder em quem arruinou o país, ou construir um futuro com políticas competentes?
(publicado no JN de 2011/05/19)
2011/05/06
Largar as drogas
Se o PS quiser ser alternativa noutras eleições subsequentes, então que arrume antes a casa. Hoje é tempo de meter mãos à obra. Outras mãos.
O primeiro passo é não aturarmos esta situação por mais tempo. Não nos resignarmos a um governo que nos trata como imbecis e nos mente sem parar. Não votarmos num partido que só mantém Sócrates como líder por calculismo eleitoral, pois noutras circunstâncias já o teria substituído. Tal como um drogado tem de decidir largar o vício antes de refazer a vida, também aqui tudo o resto só vem depois da rejeição destas práticas vergonhosas. Não se repita a "síndroma Vale e Azevedo" - mesmo depois de se conhecerem as patifarias da sua gestão e a terrível situação que criou, ainda continuava a ter apoiantes iludidos. Agora até há uma organização do PS chamada "Voluntários Sócrates 2011" - estica-se a corda para vergar o partido e esmigalhar a dignidade dos militantes que, como num casino, são tentados a dobrar a aposta na vã esperança de pagar as dívidas de jogo.
O segundo passo será escolher o partido, que não o PS, que melhor programa tenha e cujo líder dê garantias suficientes de o fazer cumprir. Desta vez, ao contrário de algumas ocasiões anteriores, votar em branco não é uma opção construtiva. Se o PS quiser ser alternativa noutras eleições subsequentes, então que arrume antes a casa. Hoje é tempo de meter mãos à obra. Outras mãos. A cura pode ser dolorosa, mas os primeiros remédios são evidentes: colocar a Justiça a funcionar, reduzir drasticamente a ineficiência do Estado. Isso só é possível com pessoas em quem minimamente confiemos para serem nossos representantes, que não venham daqui a uns anos repetir a promessa de começar aquilo que já devia estar terminado. Exijamos um país onde os políticos são imperfeitos mas decentes, onde todos temos um papel a desempenhar e uma responsabilidade enorme a cumprir daqui a um mês: votar para mudar. Basta! Venham outros.
(publicado no JN de 2011/05/05)
O primeiro passo é não aturarmos esta situação por mais tempo. Não nos resignarmos a um governo que nos trata como imbecis e nos mente sem parar. Não votarmos num partido que só mantém Sócrates como líder por calculismo eleitoral, pois noutras circunstâncias já o teria substituído. Tal como um drogado tem de decidir largar o vício antes de refazer a vida, também aqui tudo o resto só vem depois da rejeição destas práticas vergonhosas. Não se repita a "síndroma Vale e Azevedo" - mesmo depois de se conhecerem as patifarias da sua gestão e a terrível situação que criou, ainda continuava a ter apoiantes iludidos. Agora até há uma organização do PS chamada "Voluntários Sócrates 2011" - estica-se a corda para vergar o partido e esmigalhar a dignidade dos militantes que, como num casino, são tentados a dobrar a aposta na vã esperança de pagar as dívidas de jogo.
O segundo passo será escolher o partido, que não o PS, que melhor programa tenha e cujo líder dê garantias suficientes de o fazer cumprir. Desta vez, ao contrário de algumas ocasiões anteriores, votar em branco não é uma opção construtiva. Se o PS quiser ser alternativa noutras eleições subsequentes, então que arrume antes a casa. Hoje é tempo de meter mãos à obra. Outras mãos. A cura pode ser dolorosa, mas os primeiros remédios são evidentes: colocar a Justiça a funcionar, reduzir drasticamente a ineficiência do Estado. Isso só é possível com pessoas em quem minimamente confiemos para serem nossos representantes, que não venham daqui a uns anos repetir a promessa de começar aquilo que já devia estar terminado. Exijamos um país onde os políticos são imperfeitos mas decentes, onde todos temos um papel a desempenhar e uma responsabilidade enorme a cumprir daqui a um mês: votar para mudar. Basta! Venham outros.
(publicado no JN de 2011/05/05)
2011/04/22
Os meus óculos
A geração que teve o mérito de arriscar o 25 de Abril não acabou o trabalho da revolução. Vendo à distância, já muito fez ela.
Percebi há dias que tenho de trocar de óculos. As lentes estão riscadas e a armação já gasta, embora a graduação se mantenha. Consultei várias lojas e constatei dois fenómenos. O primeiro é a moda condicionar de forma brutal os clientes: aparentemente quase não há procura, e portanto escasseia a oferta, de armações para lentes com corte redondo (mais leves para miopia forte); é agora tudo quadrado. Como não sigo telenovelas nem leio crónica social, admito estar desfasado do mundo real. Segundo, o preço das lentes aumentou generalizadamente para o dobro desde 2006 até hoje, o que só se explica por falta de regulação no mercado. Mais um caso de concorrência deficiente.
Mas o que de facto me preocupa é a dificuldade dos portugueses em ver ao longe. Tanta consciência social saída do armário, revoltada com a crise mesmo à frente do nariz, se tinha mantido confortavelmente adormecida quando o sofrimento humano se revelava noutras partes do Mundo! Os gastos supérfluos agora chocam, pelo contraste local. Só agora. Aumenta-se o contraste e fica tudo mais nítido: os recursos abundantes de que apesar de tudo dispomos não devem ser geridos para nosso benefício exclusivo.
Há ex-deputados que se afirmam "excluídos" das listas, como se o lugar no Parlamento fosse um contrato de trabalho sem termo; há quem compare governo e oposição como se o primeiro não tivesse exercido o poder nos últimos anos; há quem se queixe dos credores como se os devedores não fossem os primeiros responsáveis pelas suas dívidas. Se a visão está preguiçosa, talvez a memória ajude. A geração que teve o mérito de arriscar o 25 de Abril não acabou o trabalho da revolução. Vendo à distância, já muito fez ela. Hoje é tempo de completarmos esse esforço, mesmo fora de moda. Que não haja greves à Democracia.
(publicado no JN de 2011/04/21)
Percebi há dias que tenho de trocar de óculos. As lentes estão riscadas e a armação já gasta, embora a graduação se mantenha. Consultei várias lojas e constatei dois fenómenos. O primeiro é a moda condicionar de forma brutal os clientes: aparentemente quase não há procura, e portanto escasseia a oferta, de armações para lentes com corte redondo (mais leves para miopia forte); é agora tudo quadrado. Como não sigo telenovelas nem leio crónica social, admito estar desfasado do mundo real. Segundo, o preço das lentes aumentou generalizadamente para o dobro desde 2006 até hoje, o que só se explica por falta de regulação no mercado. Mais um caso de concorrência deficiente.
Mas o que de facto me preocupa é a dificuldade dos portugueses em ver ao longe. Tanta consciência social saída do armário, revoltada com a crise mesmo à frente do nariz, se tinha mantido confortavelmente adormecida quando o sofrimento humano se revelava noutras partes do Mundo! Os gastos supérfluos agora chocam, pelo contraste local. Só agora. Aumenta-se o contraste e fica tudo mais nítido: os recursos abundantes de que apesar de tudo dispomos não devem ser geridos para nosso benefício exclusivo.
Há ex-deputados que se afirmam "excluídos" das listas, como se o lugar no Parlamento fosse um contrato de trabalho sem termo; há quem compare governo e oposição como se o primeiro não tivesse exercido o poder nos últimos anos; há quem se queixe dos credores como se os devedores não fossem os primeiros responsáveis pelas suas dívidas. Se a visão está preguiçosa, talvez a memória ajude. A geração que teve o mérito de arriscar o 25 de Abril não acabou o trabalho da revolução. Vendo à distância, já muito fez ela. Hoje é tempo de completarmos esse esforço, mesmo fora de moda. Que não haja greves à Democracia.
(publicado no JN de 2011/04/21)
2011/04/08
Catequese
O mesmo modelo de autarquia não pode servir em simultâneo para uma freguesia com 2000 habitantes e para outra 20 vezes maior, na mesma cidade
Uma freguesia com 11452 eleitores no Porto será demasiado pequena? É cerca de um quarto dos existentes em Paranhos, um terço dos de Ramalde ou Campanhã, metade dos de Cedofeita, semelhante aos da Foz ou Aldoar. E uma área de 149 hectares? É um quinto de Paranhos ou Campanhã, um quarto de Ramalde, menos que a Foz ou Massarelos, apenas um pouco maior que Santo Ildefonso.
Esta freguesia não existe. Existirá quando se fundirem as actuais quatro freguesias do Centro Histórico: Sé, São Nicolau, Vitória e Miragaia. Em face destes números, e sendo evidente que a diversidade populacional é maior em Paranhos, Campanhã ou Foz do que ali, como se explica a ausência de um novo desenho da divisão do território? Não se trata apenas de sermos poupados (isso acaba por ser um detalhe), mas principalmente de ter dimensão adequada a uma administração local eficaz. O mesmo modelo de autarquia não pode servir em simultâneo para uma freguesia com 2000 habitantes e para outra 20 vezes maior, na mesma cidade.
Tenho insistido neste tipo de reformas desde 2004, outros defendem-no há bastante mais tempo, agora quase todos o consideram inevitável mas ainda não se avançou no Norte. Queixamo-nos. Depois, claro, não é da nossa inércia, a culpa é do centralismo malandro em Lisboa, da ausência de regionalização... É urgente organizarmo-nos para transformar o interior dos partidos, como militantes, sem desistir. A liderança na Política difere da liderança numa empresa, pois a missão é representar os cidadãos e não agir como patrão deles. É que a sociedade civil tem características felinas: uma atitude obediente será natural num cão, mas um gato exige ser convencido a colaborar. Daí que a nível nacional, no meio do ruído, Passos Coelho prepare um programa sensato; Sócrates insiste em berrar ao gato.
(publicado no JN de 2011/04/07)
Uma freguesia com 11452 eleitores no Porto será demasiado pequena? É cerca de um quarto dos existentes em Paranhos, um terço dos de Ramalde ou Campanhã, metade dos de Cedofeita, semelhante aos da Foz ou Aldoar. E uma área de 149 hectares? É um quinto de Paranhos ou Campanhã, um quarto de Ramalde, menos que a Foz ou Massarelos, apenas um pouco maior que Santo Ildefonso.
Esta freguesia não existe. Existirá quando se fundirem as actuais quatro freguesias do Centro Histórico: Sé, São Nicolau, Vitória e Miragaia. Em face destes números, e sendo evidente que a diversidade populacional é maior em Paranhos, Campanhã ou Foz do que ali, como se explica a ausência de um novo desenho da divisão do território? Não se trata apenas de sermos poupados (isso acaba por ser um detalhe), mas principalmente de ter dimensão adequada a uma administração local eficaz. O mesmo modelo de autarquia não pode servir em simultâneo para uma freguesia com 2000 habitantes e para outra 20 vezes maior, na mesma cidade.
Tenho insistido neste tipo de reformas desde 2004, outros defendem-no há bastante mais tempo, agora quase todos o consideram inevitável mas ainda não se avançou no Norte. Queixamo-nos. Depois, claro, não é da nossa inércia, a culpa é do centralismo malandro em Lisboa, da ausência de regionalização... É urgente organizarmo-nos para transformar o interior dos partidos, como militantes, sem desistir. A liderança na Política difere da liderança numa empresa, pois a missão é representar os cidadãos e não agir como patrão deles. É que a sociedade civil tem características felinas: uma atitude obediente será natural num cão, mas um gato exige ser convencido a colaborar. Daí que a nível nacional, no meio do ruído, Passos Coelho prepare um programa sensato; Sócrates insiste em berrar ao gato.
(publicado no JN de 2011/04/07)
2011/03/25
Depois do fim do mundo
Até eu, que não frequento mercados (a mim trazem-me as refeições já prontas), farejo peixe podre à légua
Alguns senadores da nação, em pânico, receiam catástrofes de proporções bíblicas durante a espera por eleições. (Dar a voz ao povo agora, que despropósito!) Sendo eu própria uma senadora mais qualificada do que eles, vou ter de explicar-lhes algumas noções básicas, ocupando este espaço que habitualmente cedo ao cronista acima identificado.
1 - Os humanos (pelo menos alguns portugueses) imaginam que conseguem enganar os mercados vendendo o seu peixe podre. Até eu, que não frequento mercados (a mim trazem-me as refeições já prontas), farejo peixe podre à légua.
2 - Será razoável esperar dramas financeiros realmente graves neste curto período, como se não existisse capacidade de negociar a nível europeu uma solução transitória para manter o fornecimento dos meus biscoitos, sabendo-se que quem aí vem tem outro nível de respeitabilidade?
3 - Estou disposta a suportar uma ração de qualidade inferior durante algum tempo, mas só se tiver a garantia de que a poupança não continua a ser distribuída aos ratos que vivem à custa do Estado.
Caro Pedro, aqui vão alguns conselhos de gata para coelho. Não compliques, aposta em medidas simples, que se percebam. Trata de pouca coisa ao mesmo tempo, concentra-te no essencial. Não te fies nos que te dão receitas mas nunca tentaram eles próprios cozinhá-las quando tiveram oportunidade para isso. Escolhe colaboradores decentes, porque foi a bicharada interesseira e quezilenta que nos trouxe a este ponto. Não tenhas receio de delegar e depois avaliar. Mantém-te atento ao que se vai escrevendo sobre o teu trabalho, especialmente se é vindo de quem não tem como profissão palrar sobre acção alheia. Tens de criar condições para que os privados produzam riqueza, com liberdade e ética. Eles, não a Administração Pública, é que sabem como isso se faz.
(publicado no JN de 2011/03/24)
Alguns senadores da nação, em pânico, receiam catástrofes de proporções bíblicas durante a espera por eleições. (Dar a voz ao povo agora, que despropósito!) Sendo eu própria uma senadora mais qualificada do que eles, vou ter de explicar-lhes algumas noções básicas, ocupando este espaço que habitualmente cedo ao cronista acima identificado.
1 - Os humanos (pelo menos alguns portugueses) imaginam que conseguem enganar os mercados vendendo o seu peixe podre. Até eu, que não frequento mercados (a mim trazem-me as refeições já prontas), farejo peixe podre à légua.
2 - Será razoável esperar dramas financeiros realmente graves neste curto período, como se não existisse capacidade de negociar a nível europeu uma solução transitória para manter o fornecimento dos meus biscoitos, sabendo-se que quem aí vem tem outro nível de respeitabilidade?
3 - Estou disposta a suportar uma ração de qualidade inferior durante algum tempo, mas só se tiver a garantia de que a poupança não continua a ser distribuída aos ratos que vivem à custa do Estado.
Caro Pedro, aqui vão alguns conselhos de gata para coelho. Não compliques, aposta em medidas simples, que se percebam. Trata de pouca coisa ao mesmo tempo, concentra-te no essencial. Não te fies nos que te dão receitas mas nunca tentaram eles próprios cozinhá-las quando tiveram oportunidade para isso. Escolhe colaboradores decentes, porque foi a bicharada interesseira e quezilenta que nos trouxe a este ponto. Não tenhas receio de delegar e depois avaliar. Mantém-te atento ao que se vai escrevendo sobre o teu trabalho, especialmente se é vindo de quem não tem como profissão palrar sobre acção alheia. Tens de criar condições para que os privados produzam riqueza, com liberdade e ética. Eles, não a Administração Pública, é que sabem como isso se faz.
(publicado no JN de 2011/03/24)
2011/03/11
Hoje é 24 de Abril
Os portugueses não são uma massa informe e uniforme, não defendem todos a mesma coisa e alguns nem defendem coisa nenhuma
Os condomínios fechados só isolam do exterior até que alguém demonstra que afinal são mais abertos do que se pensava. A crise não é de agora, mas agora é que os efeitos chegam a nós, a doer. É novidade que o mundo está cheio de problemas de insustentabilidade global? É surpresa que há gente em enormes dificuldades, até há pouco demasiado longe para verdadeiramente nos incomodar?
Os portugueses não são uma massa informe e uniforme, não defendem todos a mesma coisa e alguns nem defendem coisa nenhuma. Mas é evidente um sentimento generalizado de insatisfação, de pré-revolta, de revolução a caminho. Erram as críticas de que quem protesta não tem propostas construtivas para apresentar, pois não são as pessoas individualmente que têm de encontrar soluções para a actuação da Administração Pública nem redigir leis simples e sensatas para permitirem uma vida em sociedade. São os partidos.
Não se condenem os partidos por aproveitarem a onda de indignação. Pelo contrário, é obrigação deles fazerem-no, indo de encontro às bases que é suposto representarem. Os partidos são uma ferramenta da Democracia e reflectem a qualidade do povo. Se agora colectivamente nos queixamos, o que fizemos nas últimas eleições? E nas anteriores? E nas anteriores a essas? Aguentamos hoje o resultado de más escolhas, mas também da incapacidade do país gerar melhores candidatos. Apesar disso ainda há quem vá votar neste PS de Sócrates ou se contente com um presidente da República que, sendo parte do sistema há longos anos, finge estar acima dele. Tal como um alcoólico precisa de reconhecer que tem um problema para o poder ultrapassar, também neste Sábado, dia 12, muitos darão o primeiro passo de um caminho de mudança. Depois cada um seguirá na sua direcção, certa ou errada, mas parados não ficaremos.
(publicado no JN de 2011/03/10)
Os condomínios fechados só isolam do exterior até que alguém demonstra que afinal são mais abertos do que se pensava. A crise não é de agora, mas agora é que os efeitos chegam a nós, a doer. É novidade que o mundo está cheio de problemas de insustentabilidade global? É surpresa que há gente em enormes dificuldades, até há pouco demasiado longe para verdadeiramente nos incomodar?
Os portugueses não são uma massa informe e uniforme, não defendem todos a mesma coisa e alguns nem defendem coisa nenhuma. Mas é evidente um sentimento generalizado de insatisfação, de pré-revolta, de revolução a caminho. Erram as críticas de que quem protesta não tem propostas construtivas para apresentar, pois não são as pessoas individualmente que têm de encontrar soluções para a actuação da Administração Pública nem redigir leis simples e sensatas para permitirem uma vida em sociedade. São os partidos.
Não se condenem os partidos por aproveitarem a onda de indignação. Pelo contrário, é obrigação deles fazerem-no, indo de encontro às bases que é suposto representarem. Os partidos são uma ferramenta da Democracia e reflectem a qualidade do povo. Se agora colectivamente nos queixamos, o que fizemos nas últimas eleições? E nas anteriores? E nas anteriores a essas? Aguentamos hoje o resultado de más escolhas, mas também da incapacidade do país gerar melhores candidatos. Apesar disso ainda há quem vá votar neste PS de Sócrates ou se contente com um presidente da República que, sendo parte do sistema há longos anos, finge estar acima dele. Tal como um alcoólico precisa de reconhecer que tem um problema para o poder ultrapassar, também neste Sábado, dia 12, muitos darão o primeiro passo de um caminho de mudança. Depois cada um seguirá na sua direcção, certa ou errada, mas parados não ficaremos.
(publicado no JN de 2011/03/10)
2011/02/25
O exemplo dos porcos
Neste ambiente em que nos cavam um buraco financeiro empréstimo a empréstimo, o PR continua a achar que não está em causa o regular funcionamento das instituições
Há tempos um amigo confessava-me que se sentia identificado com os porcos: os cães olhavam-no de baixo, os gatos de cima, mas os porcos é que o tratavam como igual. Lembrei-me disto ao analisar a actuação do governo. Um governo que só tem olhos para o TGV e encerra linhas ferroviárias umas atrás das outras, isolando cada vez mais o interior, pensa certamente que todos preferem deslocar-se por estrada tal como os ministros. Um governo que aposta em ditadura atrás de ditadura para prioridade da diplomacia económica, Magalhães aqui, Magalhães ali, admite seguramente que os portugueses partilham os mesmos valores que Sócrates. Um governo que recorre a habilidade contabilística atrás de habilidade contabilística, venha mais um fundo de pensões para Europa ver, assine-se mais uma parceria para as próximas gerações pagarem, acredita sem dúvida que os eleitores, tal como os seus membros, não aprendem com os erros.
Neste ambiente em que nos cavam um buraco financeiro empréstimo a empréstimo, o Presidente da República continua a achar que não está em causa o regular funcionamento das instituições. Resta-nos por isso fingir perante os nossos credores, até 10 de Março, que nada de especial se passa. E rezar para que, nesse dia, algum partido tenha o bom senso de apresentar uma moção de censura minimalista para ser aprovada por toda a oposição sem excepção: “este governo é mau de mais, basta!”
Depois das eleições, e em face dos rumores que anunciam a preferência de Passos Coelho por um executivo com poucos ministros, fico esperançado numa actuação menos dispersa, logo mais incisiva no essencial. Que aposte na complementaridade com a sociedade civil e concretize uma limpeza geral no Estado. É que eu simpatizo com cães, gatos e porcos, mas preferia não ser obrigado a viver numa pocilga.
(publicado no JN de 2011/02/24)
Há tempos um amigo confessava-me que se sentia identificado com os porcos: os cães olhavam-no de baixo, os gatos de cima, mas os porcos é que o tratavam como igual. Lembrei-me disto ao analisar a actuação do governo. Um governo que só tem olhos para o TGV e encerra linhas ferroviárias umas atrás das outras, isolando cada vez mais o interior, pensa certamente que todos preferem deslocar-se por estrada tal como os ministros. Um governo que aposta em ditadura atrás de ditadura para prioridade da diplomacia económica, Magalhães aqui, Magalhães ali, admite seguramente que os portugueses partilham os mesmos valores que Sócrates. Um governo que recorre a habilidade contabilística atrás de habilidade contabilística, venha mais um fundo de pensões para Europa ver, assine-se mais uma parceria para as próximas gerações pagarem, acredita sem dúvida que os eleitores, tal como os seus membros, não aprendem com os erros.
Neste ambiente em que nos cavam um buraco financeiro empréstimo a empréstimo, o Presidente da República continua a achar que não está em causa o regular funcionamento das instituições. Resta-nos por isso fingir perante os nossos credores, até 10 de Março, que nada de especial se passa. E rezar para que, nesse dia, algum partido tenha o bom senso de apresentar uma moção de censura minimalista para ser aprovada por toda a oposição sem excepção: “este governo é mau de mais, basta!”
Depois das eleições, e em face dos rumores que anunciam a preferência de Passos Coelho por um executivo com poucos ministros, fico esperançado numa actuação menos dispersa, logo mais incisiva no essencial. Que aposte na complementaridade com a sociedade civil e concretize uma limpeza geral no Estado. É que eu simpatizo com cães, gatos e porcos, mas preferia não ser obrigado a viver numa pocilga.
(publicado no JN de 2011/02/24)
2011/02/11
Ah Valente!
A Agência para o Desenvolvimento das Indústrias Criativas, sexta-feira dia 18 no Porto, vai desafiar a iniciativa privada para a reabilitação urbana “low-cost”
Apesar do peso sufocante do Estado, há sempre quem insista em que faça mais, qualquer coisa mais, para vencer a crise. Preferia que o Estado deixasse de tentar ajudar, a não ser cumprindo bem as funções que exclusivamente lhe cabem. Se se constatam tantas falhas em serviços essenciais, tão grave falta de recursos, é inaceitável que disperse a atenção por outras áreas, com prejuízo de prioridades mais altas.
Por exemplo, para quê agitar agora o ambiente escolar, destruindo eventualmente organizações que estão a funcionar bem, só para que escolas públicas substituam privadas? As privadas em causa não estão a prestar adequadamente o serviço público? Se não estão, por que razão não foram já encerradas? Ao contrário, se há resposta suficientemente boa da sociedade civil neste campo, para quê procurar um duvidoso óptimo antes de resolver o que está comprovadamente mal noutros que não são assumidos por ela?
Ainda mais flagrante é a eterna insistência do Governo em actuar na área da economia, com intervenções dirigidas às PME, à exportação, à agricultura, aos “clusters” mais diversos, ao emprego, às mulheres, aos jovens... Insucesso atrás de insucesso. Receio que esta postura tenha origem nas frustrações de quem é gestor assalariado, quando gostava de ser empresário ou empreendedor social mas não tem perfil nem coragem para isso.
A Agência para o Desenvolvimento das Indústrias Criativas, sexta-feira dia 18 no Porto, vai desafiar a iniciativa privada para a reabilitação urbana “low-cost”. Como sempre, o mais difícil é encontrar detentores de capital próprio com abertura de espírito para estudar um negócio novo. Valente de Oliveira afirmou há dias, contra todas as evidências, que é simples obter capital para pequenos projectos. Espero que ele compareça, estou ansioso por aprender.
(publicado no JN de 2011/02/10)
Apesar do peso sufocante do Estado, há sempre quem insista em que faça mais, qualquer coisa mais, para vencer a crise. Preferia que o Estado deixasse de tentar ajudar, a não ser cumprindo bem as funções que exclusivamente lhe cabem. Se se constatam tantas falhas em serviços essenciais, tão grave falta de recursos, é inaceitável que disperse a atenção por outras áreas, com prejuízo de prioridades mais altas.
Por exemplo, para quê agitar agora o ambiente escolar, destruindo eventualmente organizações que estão a funcionar bem, só para que escolas públicas substituam privadas? As privadas em causa não estão a prestar adequadamente o serviço público? Se não estão, por que razão não foram já encerradas? Ao contrário, se há resposta suficientemente boa da sociedade civil neste campo, para quê procurar um duvidoso óptimo antes de resolver o que está comprovadamente mal noutros que não são assumidos por ela?
Ainda mais flagrante é a eterna insistência do Governo em actuar na área da economia, com intervenções dirigidas às PME, à exportação, à agricultura, aos “clusters” mais diversos, ao emprego, às mulheres, aos jovens... Insucesso atrás de insucesso. Receio que esta postura tenha origem nas frustrações de quem é gestor assalariado, quando gostava de ser empresário ou empreendedor social mas não tem perfil nem coragem para isso.
A Agência para o Desenvolvimento das Indústrias Criativas, sexta-feira dia 18 no Porto, vai desafiar a iniciativa privada para a reabilitação urbana “low-cost”. Como sempre, o mais difícil é encontrar detentores de capital próprio com abertura de espírito para estudar um negócio novo. Valente de Oliveira afirmou há dias, contra todas as evidências, que é simples obter capital para pequenos projectos. Espero que ele compareça, estou ansioso por aprender.
(publicado no JN de 2011/02/10)
2011/01/28
O Zero
Até era preciso colocar o zero à esquerda do número do bilhete de identidade, senão o eleitor não era encontrado
Há já alguns anos um tio meu, ao procurar o portão de embarque num aeroporto, corredor aqui, porta ali, escada acolá, passou inadvertidamente da zona de acesso público para a reservada a passageiros sem ser submetido a controlo de entrada. Dirigiu-se então a um funcionário, alertando para a falha de segurança. O homem sossegou-o: “não se preocupe, por esse caminho ninguém vem porque não o descobre, só se fosse alguém muito mal intencionado”.
Está a passar-se algo de semelhante com a resistência à substituição dos números fiscal, de BI, segurança social, eleitor, carta de condução, etc., por apenas um. Argumentam com a privacidade e segurança do cidadão perante o Estado, esquecendo que o Estado já possui todos estes dados e só não os cruza (dentro ou fora da lei) se não quiser. Estabeleçam-se antes procedimentos seguros com um único número (já foram estudados), atribuindo permissões limitadas no acesso às várias bases de dados conforme o fim a que se destina.
Com esta profusão de números acontecem trapalhadas como a das eleições. Teria havido “um pico de acessos, um tsunami” que afogou os servidores. Só por total incompetência. Imagine-se que até era preciso colocar o zero à esquerda do número do bilhete de identidade, senão o eleitor não era encontrado! Para menos de 10 milhões de eleitores, num sistema bem montado, a exigência computacional e capacidade de transmissão necessária são baixíssimas. Usando ferramentas desadequadas e programação incompetente, o problema pode tornar-se facilmente 100, 1000, 10000 vezes pior. A informática é mesmo assim. Veja-se em 1998 a anedota da colocação dos professores, relatada em http://shortlinks.etc.pt/profs, quando afinal um velhinho computador de secretária bem configurado resolveu a questão. Nunca se subestime a estupidez humana.
(publicado no JN de 2011/01/27)
Há já alguns anos um tio meu, ao procurar o portão de embarque num aeroporto, corredor aqui, porta ali, escada acolá, passou inadvertidamente da zona de acesso público para a reservada a passageiros sem ser submetido a controlo de entrada. Dirigiu-se então a um funcionário, alertando para a falha de segurança. O homem sossegou-o: “não se preocupe, por esse caminho ninguém vem porque não o descobre, só se fosse alguém muito mal intencionado”.
Está a passar-se algo de semelhante com a resistência à substituição dos números fiscal, de BI, segurança social, eleitor, carta de condução, etc., por apenas um. Argumentam com a privacidade e segurança do cidadão perante o Estado, esquecendo que o Estado já possui todos estes dados e só não os cruza (dentro ou fora da lei) se não quiser. Estabeleçam-se antes procedimentos seguros com um único número (já foram estudados), atribuindo permissões limitadas no acesso às várias bases de dados conforme o fim a que se destina.
Com esta profusão de números acontecem trapalhadas como a das eleições. Teria havido “um pico de acessos, um tsunami” que afogou os servidores. Só por total incompetência. Imagine-se que até era preciso colocar o zero à esquerda do número do bilhete de identidade, senão o eleitor não era encontrado! Para menos de 10 milhões de eleitores, num sistema bem montado, a exigência computacional e capacidade de transmissão necessária são baixíssimas. Usando ferramentas desadequadas e programação incompetente, o problema pode tornar-se facilmente 100, 1000, 10000 vezes pior. A informática é mesmo assim. Veja-se em 1998 a anedota da colocação dos professores, relatada em http://shortlinks.etc.pt/profs, quando afinal um velhinho computador de secretária bem configurado resolveu a questão. Nunca se subestime a estupidez humana.
(publicado no JN de 2011/01/27)
2011/01/14
Um chuto na mãe
Isto faz-me lembrar o tempo em que os filhos de senhoras de virtude duvidosa eram considerados menos dignos
No pequeno mundo de quem é alheio aos mexericos sobre celebridades, pícaras ou não, aterram ocasionalmente notícias espantosas. Contava-se há dias que Cristiano Ronaldo se afirmava decidido a impedir que a mãe do seu filho voltasse a vê-lo, já que o tinha “vendido”. Custa ver um extraordinário jogador de futebol revelar ser tão imaturo mas, talvez para lembrar a humildade da natureza humana, é frequente o notável desenvolvimento de alguns dons prejudicar a superação das limitações que com eles coexistem.
Atendendo às imperfeições individuais, as sociedades foram criando mecanismos que nos permitem viver em alguma harmonia. Há leis que regulam o exercício do poder paternal. O sistema de Justiça não pode ser conivente quando uma criança é tratada como objecto propriedade dos pais, que estabelecem um contrato (portanto inválido) sem qualquer consideração pelos direitos do filho. Neste caso não me preocupam os pais, somente o filho. Um filho deve poder conhecer a mãe, agora arrependida do negócio. O resto mete nojo.
Este menor tem a mãe que lhe calhou e tem direito a ela, seja ela oportunista ou apenas jovem inconsciente; ter pais irresponsáveis não o diminui. Não é “vendeu, está vendido”. Isto faz-me lembrar o tempo em que os filhos de senhoras de virtude duvidosa eram considerados menos dignos, como se tivessem culpa dos erros de quem os gerou!
Preocupa-me também a educação do miúdo, que agora será assumida em “outsourcing” pela família do pai, não pelo pai! Duvido que a mãe, dados os precedentes, tenha capacidade para o fazer sem acompanhamento competente. Talvez, caindo em si, ambos cresçam junto com o seu filho e provem, eles sim, ser dignos dessa bênção. Senão, que a Justiça não se afunde em medidas que “paralisam o efeito suspensivo” de outras, como ouvi num telejornal.
(publicado no JN de 2011/01/13)
No pequeno mundo de quem é alheio aos mexericos sobre celebridades, pícaras ou não, aterram ocasionalmente notícias espantosas. Contava-se há dias que Cristiano Ronaldo se afirmava decidido a impedir que a mãe do seu filho voltasse a vê-lo, já que o tinha “vendido”. Custa ver um extraordinário jogador de futebol revelar ser tão imaturo mas, talvez para lembrar a humildade da natureza humana, é frequente o notável desenvolvimento de alguns dons prejudicar a superação das limitações que com eles coexistem.
Atendendo às imperfeições individuais, as sociedades foram criando mecanismos que nos permitem viver em alguma harmonia. Há leis que regulam o exercício do poder paternal. O sistema de Justiça não pode ser conivente quando uma criança é tratada como objecto propriedade dos pais, que estabelecem um contrato (portanto inválido) sem qualquer consideração pelos direitos do filho. Neste caso não me preocupam os pais, somente o filho. Um filho deve poder conhecer a mãe, agora arrependida do negócio. O resto mete nojo.
Este menor tem a mãe que lhe calhou e tem direito a ela, seja ela oportunista ou apenas jovem inconsciente; ter pais irresponsáveis não o diminui. Não é “vendeu, está vendido”. Isto faz-me lembrar o tempo em que os filhos de senhoras de virtude duvidosa eram considerados menos dignos, como se tivessem culpa dos erros de quem os gerou!
Preocupa-me também a educação do miúdo, que agora será assumida em “outsourcing” pela família do pai, não pelo pai! Duvido que a mãe, dados os precedentes, tenha capacidade para o fazer sem acompanhamento competente. Talvez, caindo em si, ambos cresçam junto com o seu filho e provem, eles sim, ser dignos dessa bênção. Senão, que a Justiça não se afunde em medidas que “paralisam o efeito suspensivo” de outras, como ouvi num telejornal.
(publicado no JN de 2011/01/13)
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