Não deixam de me espantar os restos de adolescência que frequentemente se revelam em quem tem a seu cargo responsabilidades importantes no país.
Veja-se a farsa do défice público.
Há que separar dois casos bem diferentes.
Um é recorrer a receitas extraordinárias reais para manter a desgraça das contas num nível "aceitável". Pode não ser consensual mas é honestamente defensável. Trata-se de resolver pontualmente uma situação que importa corrigir nos anos seguintes. Mesmo que o negócio (venda de imóveis supérfluos do Estado, por exemplo) não seja tão bom quanto seria noutras circunstâncias, pelo menos parte das dívidas fica de facto liquidada e já não nos atormenta mais.
Outra opção totalmente distinta é contabilizar receitas fingidas porque ou não existem de todo, ou criam compromissos financeiros ainda piores para o futuro. Na realidade nem sequer são "fingidas" porque todos sabemos o que se passa! O Estado português sujeita-se apenas à penosa vergonha de um jogo contabilístico só explicável pela fraqueza de quem não quer enfrentar os problemas de frente e às claras. Não é pela Alemanha ou a França fazerem o mesmo que esta actuação fica "branqueada". A mentira nas contas públicas não é aceitável sob pretexto nenhum, em nenhum lado. A maturidade obrigar-nos-ia a manter os princípios mesmo quando estamos mal acompanhados.
2004/12/30
2004/12/11
A "estratégia para a Região"
Muita gente defende a Regionalização com base em argumentos respeitáveis e motivações compreensíveis. No entanto, essa defesa parte de uma premissa a meu ver errada: a de que “a região precisa de uma estratégia”.
Não compreendo isto.
Das três uma:
O que o Estado deve fazer é criar/gerir/disponibilizar as infra-estruturas básicas: transportes, energia, água e saneamento, educação, saúde, etc., etc. Deve também garantir que as regras de convívio em sociedade são cumpridas a nível de urbanismo, segurança, participação cívica, funcionamento saudável da economia de mercado, ...
Deve actuar apenas onde a iniciativa privada não pode, não quer ou não sabe. E, em geral, apenas enquanto não pode, não quer ou não sabe.
Afinal seria uma estratégia definida por quem, dirigida a quem, implementada por quem?
Não precisamos por isso de “uma estratégia”. Precisamos apenas de um Estado que não complique desnecessariamente a vida a quem quer trabalhar e que deixe a “sociedade civil” evoluir por si própria.
Nada impede, apesar de tudo, que tentemos coordenar esforços. Sugerindo áreas de actuação. Criando produtos ou serviços complementares aos já existentes. Investigando em conjunto. Promovendo recursos comuns, sejam eles privados ou públicos. Tudo isto sem forçar consensos nem impor soluções.
Não precisamos portanto de regionalização. Basta-nos a administração local organizada em municípios com dimensão correspondente à dos aglomerados urbanos que na prática existem, apoiados numa malha de freguesias geridas por juntas com as competências adequadas. Ultrapassam-se deste modo as eternas rivalidades e invejas entre autarcas vizinhos num espaço que foi artificialmente dividido para efeitos administrativos. Não é mais ou menos assim que funcionam Londres, Paris ou Nova Iorque? Será o Grande Porto tão grande que não se possa organizar em concelhos maiores?
Não compreendo isto.
Das três uma:
- ou se aceita que o Estado (poder central ou poder local, tanto faz) passe a assumir uma posição dominante na economia (em sentido lato) da região para poder implantar essa “estratégia”;
- ou se considera viável alcançar um “amplo consenso social” de modo que a iniciativa privada actue maioritariamente em coordenação para atingir um “objectivo comum”;
- ou se considera que as hipóteses anteriores são inaceitáveis/irrealistas e portanto a existência de “uma estratégia” regional não é de todo possível.
O que o Estado deve fazer é criar/gerir/disponibilizar as infra-estruturas básicas: transportes, energia, água e saneamento, educação, saúde, etc., etc. Deve também garantir que as regras de convívio em sociedade são cumpridas a nível de urbanismo, segurança, participação cívica, funcionamento saudável da economia de mercado, ...
Deve actuar apenas onde a iniciativa privada não pode, não quer ou não sabe. E, em geral, apenas enquanto não pode, não quer ou não sabe.
Afinal seria uma estratégia definida por quem, dirigida a quem, implementada por quem?
Não precisamos por isso de “uma estratégia”. Precisamos apenas de um Estado que não complique desnecessariamente a vida a quem quer trabalhar e que deixe a “sociedade civil” evoluir por si própria.
Nada impede, apesar de tudo, que tentemos coordenar esforços. Sugerindo áreas de actuação. Criando produtos ou serviços complementares aos já existentes. Investigando em conjunto. Promovendo recursos comuns, sejam eles privados ou públicos. Tudo isto sem forçar consensos nem impor soluções.
Não precisamos portanto de regionalização. Basta-nos a administração local organizada em municípios com dimensão correspondente à dos aglomerados urbanos que na prática existem, apoiados numa malha de freguesias geridas por juntas com as competências adequadas. Ultrapassam-se deste modo as eternas rivalidades e invejas entre autarcas vizinhos num espaço que foi artificialmente dividido para efeitos administrativos. Não é mais ou menos assim que funcionam Londres, Paris ou Nova Iorque? Será o Grande Porto tão grande que não se possa organizar em concelhos maiores?
2004/12/05
A Regionalização e a Descentralização
Actualmente o modelo de administração do país baseia-se em três níveis: governo central, municípios, juntas de freguesia.
Quer os defensores da "regionalização" quer os da "descentralização" defendem a criação de um nível intermédio entre o governo central e os municípios. Não os percebo.
Seria mais simples e eficaz manter apenas três níveis em vez de quatro, da seguinte forma:
- governo central
- municípios maiores que os actuais (por exemplo Porto+Gaia+Matosinhos)
- juntas de freguesia com poderes reforçados.
Para quê um quarto nível com tudo o que isso implica em termos de desperdícios e burocracia adicionais?
Quer os defensores da "regionalização" quer os da "descentralização" defendem a criação de um nível intermédio entre o governo central e os municípios. Não os percebo.
Seria mais simples e eficaz manter apenas três níveis em vez de quatro, da seguinte forma:
- governo central
- municípios maiores que os actuais (por exemplo Porto+Gaia+Matosinhos)
- juntas de freguesia com poderes reforçados.
Para quê um quarto nível com tudo o que isso implica em termos de desperdícios e burocracia adicionais?
2004/12/01
Cavaco Silva
Cavaco Silva novamente como primeiro-ministro é uma péssima ideia. É evidente que faria bom trabalho, mas nenhum país se deve deixar tanto na dependência das qualidades pessoais de um homem.
É preciso que Portugal, como um todo, aprenda com os seus erros. Recorrer a Cavaco Silva seria desistir de aprender, seria resignarmo-nos a uma futura desgraça de incompetência/inconsciência ainda mais generalizada.
É preciso que Portugal, como um todo, aprenda com os seus erros. Recorrer a Cavaco Silva seria desistir de aprender, seria resignarmo-nos a uma futura desgraça de incompetência/inconsciência ainda mais generalizada.
2004/11/18
O tabaco nos restaurantes
Na sequência de uma discussão nos comentários de um post no Blasfémias, eu resumiria a minha opinião deste modo:
1) fumar não é um acto pessoal, no sentido em que afecta outros (ao contrário de comer gorduras excessivas, por exemplo);
2) é uma questão de salubridade como qualquer outra num local cuja função principal é dar de comer (por isso é que existem licenças de funcionamento);
3) também é um local de trabalho para os seus empregados, que não devem ser obrigados a suportar o fumo dos clientes.
1) fumar não é um acto pessoal, no sentido em que afecta outros (ao contrário de comer gorduras excessivas, por exemplo);
2) é uma questão de salubridade como qualquer outra num local cuja função principal é dar de comer (por isso é que existem licenças de funcionamento);
3) também é um local de trabalho para os seus empregados, que não devem ser obrigados a suportar o fumo dos clientes.
2004/11/04
Mal por mal...
Entre um indeciso que ainda ia ter que experimentar governar os Estados Unidos, e alguém mais determinado que já sabe que fez asneiras... Talvez seja preferível Bush a Kerry. O primeiro já pode corrigir os seus erros, o segundo ainda teria que os cometer.
Nenhum deles me convenceu. Mas tenhamos alguma esperança: se Bush fosse tão idiota como por vezes o pintam nunca teria sido reeleito.
Nenhum deles me convenceu. Mas tenhamos alguma esperança: se Bush fosse tão idiota como por vezes o pintam nunca teria sido reeleito.
2004/10/19
As próximas eleições autárquicas no Porto
Levantou-se n’A Baixa do Porto o tema das próximas eleições autárquicas e lá se constata que já nada há a esperar dos actuais protagonistas da política portuense. O triste espectáculo do debate sobre a Sociedade de Reabilitação Urbana foi o motivo mais recente.
Adopte-se então uma atitude positiva e pense-se mais longe: como mudar esta suposta "elite dirigente" quando formos novamente a votos.
Estou convencido de que a solução passará sempre pelos partidos políticos. No sistema actual é principalmente aos partidos que cabe a responsabilidade de apresentar propostas e candidatos, de estudar políticas, de apontar caminhos para a gestão autárquica. A intervenção da sociedade civil pode fazer-se também pela participação na vida interna dos partidos, obrigando-os a agirem de acordo com os interesses da população e não em função das guerrilhas mais mesquinhas que agora todos observamos com indignação. Os partidos e os seus dirigentes são o que são porque nós deixámos! Por termos outros interesses perfeitamente legítimos, por faltar paciência, seja lá pelo que for, a política ficou entregue a quem não está à altura das responsabilidades que lhe foram atribuídas.
A situação do Porto é muito grave. Tão grave que não é difícil, estando de boa fé, encontrar plataformas de consenso entre todos os partidos. A "sociedade civil" não pode estar contra os partidos, nem estes podem continuar afastados dos interesses da população. O que proponho é que comecemos desde já a actuar no interior de cada partido (nós, os "outsiders") identificando prioridades para a cidade e suscitando o aparecimento de programas eleitorais que possam ser objecto de acordo alargado a todas as principais forças políticas.
O Porto chegou a tal ponto de degradação que, após encontrado um consenso mínimo sobre as principais acções a executar no próximo mandato, se justificava uma candidatura independente apoiada pelos principais partidos. Trata-se de um "estado de emergência", que exige medidas radicais e excepcionais como esta.
Adopte-se então uma atitude positiva e pense-se mais longe: como mudar esta suposta "elite dirigente" quando formos novamente a votos.
Estou convencido de que a solução passará sempre pelos partidos políticos. No sistema actual é principalmente aos partidos que cabe a responsabilidade de apresentar propostas e candidatos, de estudar políticas, de apontar caminhos para a gestão autárquica. A intervenção da sociedade civil pode fazer-se também pela participação na vida interna dos partidos, obrigando-os a agirem de acordo com os interesses da população e não em função das guerrilhas mais mesquinhas que agora todos observamos com indignação. Os partidos e os seus dirigentes são o que são porque nós deixámos! Por termos outros interesses perfeitamente legítimos, por faltar paciência, seja lá pelo que for, a política ficou entregue a quem não está à altura das responsabilidades que lhe foram atribuídas.
A situação do Porto é muito grave. Tão grave que não é difícil, estando de boa fé, encontrar plataformas de consenso entre todos os partidos. A "sociedade civil" não pode estar contra os partidos, nem estes podem continuar afastados dos interesses da população. O que proponho é que comecemos desde já a actuar no interior de cada partido (nós, os "outsiders") identificando prioridades para a cidade e suscitando o aparecimento de programas eleitorais que possam ser objecto de acordo alargado a todas as principais forças políticas.
O Porto chegou a tal ponto de degradação que, após encontrado um consenso mínimo sobre as principais acções a executar no próximo mandato, se justificava uma candidatura independente apoiada pelos principais partidos. Trata-se de um "estado de emergência", que exige medidas radicais e excepcionais como esta.
O circo na cidade
Tenho seguido a verdadeira palhaçada que está a ocorrer no Porto a propósito da Sociedade de Reabilitação Urbana. N'A Baixa do Porto vai-se relatando o debatendo este assunto.
A situação é verdadeiramente "democrática": todos se portam igualmente mal, independentemente das filiações partidárias. Bonito exemplo.
Não é só a política nacional que vai mal, a portuense também está ao nível do submundo do futebol. Mas aqui o ritmo tem sido diário, e não semanal.
A situação é verdadeiramente "democrática": todos se portam igualmente mal, independentemente das filiações partidárias. Bonito exemplo.
Não é só a política nacional que vai mal, a portuense também está ao nível do submundo do futebol. Mas aqui o ritmo tem sido diário, e não semanal.
2004/09/29
A Excelência
Parece que as listas de colocações de professores finalmente apareceram!
Algumas conclusões desde já se podem retirar.
1) O processo não foi de facto manual, nem nunca poderia ter sido para que a lei fosse integralmente respeitada. A tarefa era demasiado pesada para dispensar computadores. O Ministério afirmou mesmo que "à mão" terá sido uma força de expressão, em qualquer caso.
2) Tanto quanto percebi, a solução terá sido obtida por via informática por uma equipa contratada recentemente, em colaboração com pessoas do Ministério junto de quem validaram o algoritmo e os resultados.
3) Se o processo foi agora concluído tão rapidamente, provou-se que a Compta foi incompetente, mesmo que eventualmente o Ministério tenha partilhado responsabilidades.
4) Se a lei foi de facto integralmente respeitada e dado o curto prazo decorrido, provavelmente o problema da colocação de professores não tem intrinsecamente uma complexidade muito elevada. Talvez o (mau) algoritmo que estava a ser usado para o resolver possuísse, esse sim, "complexidade exponencial". Este é contudo um aspecto que merece análise mais cuidada e, principalmente, científica. Como já foi sugerido por outros, é uma óptima ocasião de "abrir o problema à sociedade" suscitando o aparecimento de propostas de solução e demonstrando como a Ciência é útil na vida de todos os dias.
Já observei um dos habituais "tiros ao lado" que aparecem na sequência das crises nacionais: que isto provaria a necessidade de promover a Excelência, pois bastou um "salvador" para resolver as dificuldades. Discordo completamente: o que isto prova é a absoluta urgência de promover a "normal" competência do comum dos mortais.
A "Excelência" em si não precisa de ser promovida. O que importa é criar um ambiente generalizado de alto nível técnico, cultural, científico (e ético!) para que a Excelência possa ter condições de se desenvolver. Promover a Excelência sem este substrato é fomentar o "desenrascanso", é esquecer que o mundo é feito principalmente por "pessoas normais" medianamente competentes. Os "excelentes" são excelentes motores, são excelentes referências, são excelentes mais-valias. Quando aparecem, devem ser excelentemente aproveitados para que haja um salto qualitativo superior ao que seria normal. Mas não há Excelência que resista muito tempo num mar de incompetentes.
PS: Duas notas mais.
1) Além de informáticos incompetentes, também continuamos a ter maus jornalistas. Ao falarem de colocações duvidosas misturam eventuais erros de programação com atestados fraudulentos, com erros de introdução de dados e com frustações de não se ter sido colocado. Como se fosse tudo a mesma coisa... E em conferência de imprensa não perguntam sequer (ou pelo menos não mostram na versão editada da reportagem) se se conhece com segurança a origem dessas eventuais falhas de colocação.
2) Pelas declarações da Ministra e da empresa ATX Software, palpita-me que o trabalho foi desenvolvido gratuitamente... É certo que o prestígio conseguido pela empresa valeu bem o esforço mas, a confirmar-se a minha impressão, mais uma vez os portugueses mostram um dos seus defeitos: mesmo que seja um preço justo, tentam tudo para evitar pagar seja o que for.
Algumas conclusões desde já se podem retirar.
1) O processo não foi de facto manual, nem nunca poderia ter sido para que a lei fosse integralmente respeitada. A tarefa era demasiado pesada para dispensar computadores. O Ministério afirmou mesmo que "à mão" terá sido uma força de expressão, em qualquer caso.
2) Tanto quanto percebi, a solução terá sido obtida por via informática por uma equipa contratada recentemente, em colaboração com pessoas do Ministério junto de quem validaram o algoritmo e os resultados.
3) Se o processo foi agora concluído tão rapidamente, provou-se que a Compta foi incompetente, mesmo que eventualmente o Ministério tenha partilhado responsabilidades.
4) Se a lei foi de facto integralmente respeitada e dado o curto prazo decorrido, provavelmente o problema da colocação de professores não tem intrinsecamente uma complexidade muito elevada. Talvez o (mau) algoritmo que estava a ser usado para o resolver possuísse, esse sim, "complexidade exponencial". Este é contudo um aspecto que merece análise mais cuidada e, principalmente, científica. Como já foi sugerido por outros, é uma óptima ocasião de "abrir o problema à sociedade" suscitando o aparecimento de propostas de solução e demonstrando como a Ciência é útil na vida de todos os dias.
Já observei um dos habituais "tiros ao lado" que aparecem na sequência das crises nacionais: que isto provaria a necessidade de promover a Excelência, pois bastou um "salvador" para resolver as dificuldades. Discordo completamente: o que isto prova é a absoluta urgência de promover a "normal" competência do comum dos mortais.
A "Excelência" em si não precisa de ser promovida. O que importa é criar um ambiente generalizado de alto nível técnico, cultural, científico (e ético!) para que a Excelência possa ter condições de se desenvolver. Promover a Excelência sem este substrato é fomentar o "desenrascanso", é esquecer que o mundo é feito principalmente por "pessoas normais" medianamente competentes. Os "excelentes" são excelentes motores, são excelentes referências, são excelentes mais-valias. Quando aparecem, devem ser excelentemente aproveitados para que haja um salto qualitativo superior ao que seria normal. Mas não há Excelência que resista muito tempo num mar de incompetentes.
PS: Duas notas mais.
1) Além de informáticos incompetentes, também continuamos a ter maus jornalistas. Ao falarem de colocações duvidosas misturam eventuais erros de programação com atestados fraudulentos, com erros de introdução de dados e com frustações de não se ter sido colocado. Como se fosse tudo a mesma coisa... E em conferência de imprensa não perguntam sequer (ou pelo menos não mostram na versão editada da reportagem) se se conhece com segurança a origem dessas eventuais falhas de colocação.
2) Pelas declarações da Ministra e da empresa ATX Software, palpita-me que o trabalho foi desenvolvido gratuitamente... É certo que o prestígio conseguido pela empresa valeu bem o esforço mas, a confirmar-se a minha impressão, mais uma vez os portugueses mostram um dos seus defeitos: mesmo que seja um preço justo, tentam tudo para evitar pagar seja o que for.
2004/09/23
A Justiça
Uma das belezas do mundo é que tudo tem um lado bom.
O lamentável exemplo da colocação de professores, sendo muito grave, tem contudo um enorme valor como demonstração do que está mal e de como falta competência na gestão técnica de assuntos que não deveriam justificar nenhuma dificuldade especial.
De entre os muitos factos que agora se tornaram absolutamente indesmentíveis, destaco os seguintes.
1) O sistema de gestão das vagas de professores no Ministério da Educação é patético (e isto não tem nada a ver com Informática).
2) Não tem sido dada responsabilidade de gestão técnica a quem tem perfil adequado para isso.
3) As muitas iniciativas de difusão das Tecnologias de Informação promovidas pelo Governo deveriam ter tido segunda prioridade por comparação com a revisão completa dos sistemas informáticos estatais que é suposto ajudarem o país a funcionar.
4) Os procedimentos normais de controlo e auditoria ao trabalho que é feito (seja por funcionários públicos ou por entidades externas) não são aplicados pelo Estado.
5) Se o sistema de Justiça estivesse a funcionar saudavelmente, seria viável recorrer a ele para corrigir "à força" em tempo útil muita coisa errada. Já aqui o tinha escrito, nesta ocasião.
Não partilho da opinião de que tudo são "máfias" e má vontade. Há também disso, mas mais graves são os problemas de incompetência de Gestão e de falta de maturidade de pessoas a quem têm sido atribuídas responsabilidades de chefia. (Uma delas chegou ao topo da hierarquia, não nos esqueçamos!) É altura de as substituir em larga escala. É altura de tornar a Justiça a prioridade das prioridades. Fomos todos nós que permitimos que a situação chegasse onde chegou, cabe-nos a nós todos corrigir os erros.
O lamentável exemplo da colocação de professores, sendo muito grave, tem contudo um enorme valor como demonstração do que está mal e de como falta competência na gestão técnica de assuntos que não deveriam justificar nenhuma dificuldade especial.
De entre os muitos factos que agora se tornaram absolutamente indesmentíveis, destaco os seguintes.
1) O sistema de gestão das vagas de professores no Ministério da Educação é patético (e isto não tem nada a ver com Informática).
2) Não tem sido dada responsabilidade de gestão técnica a quem tem perfil adequado para isso.
3) As muitas iniciativas de difusão das Tecnologias de Informação promovidas pelo Governo deveriam ter tido segunda prioridade por comparação com a revisão completa dos sistemas informáticos estatais que é suposto ajudarem o país a funcionar.
4) Os procedimentos normais de controlo e auditoria ao trabalho que é feito (seja por funcionários públicos ou por entidades externas) não são aplicados pelo Estado.
5) Se o sistema de Justiça estivesse a funcionar saudavelmente, seria viável recorrer a ele para corrigir "à força" em tempo útil muita coisa errada. Já aqui o tinha escrito, nesta ocasião.
Não partilho da opinião de que tudo são "máfias" e má vontade. Há também disso, mas mais graves são os problemas de incompetência de Gestão e de falta de maturidade de pessoas a quem têm sido atribuídas responsabilidades de chefia. (Uma delas chegou ao topo da hierarquia, não nos esqueçamos!) É altura de as substituir em larga escala. É altura de tornar a Justiça a prioridade das prioridades. Fomos todos nós que permitimos que a situação chegasse onde chegou, cabe-nos a nós todos corrigir os erros.
2004/09/21
O concurso perdido
Sejamos realistas: este concurso de professores está perdido. Independentemente de saber de quem é a responsabilidade, o facto é que o actual sistema informático de colocações não tem cura. Provavelmente foi mal especificado, quase seguramente foi mal programado. Faltou uma gestão técnica adequada, que já teria dado o "doente" como morto há muito tempo. Bastaria ter ouvido a Ministra contar os "detalhes sórdidos" ontem no "Prós e Contras" para enterrar de vez o cadáver.
Não se confundam as questões: há uma política e há outra estritamente técnica. Sobre esta última, diga-se que nenhuma dificuldade específica justificaria este triste espectáculo. Uma equipa competente é capaz de resolver o problema com poucos recursos e em pouco tempo. O resto é apenas inépcia e incapacidade de a reconhecer.
Aceitemos o facto de que não vai haver listas.
O que fazer?
Talvez tratar o assunto escola a escola:
1) manter as colocações que já tiverem sido feitas este ano;
2) nas vagas ainda em aberto tentar manter as colocações do ano passado se esses professores ainda estiverem "livres";
3) "tapar os restantes buracos" com micro-concursos locais.
Mas sobre isto não me atrevo a ter uma posição, está longe de ser a minha área.
----
PS - Se o processamento vai ser feito "à mão" para 50.000 professores, então verifica-se uma de três situações:
a) qualquer programador competente consegue em um ou dois dias fazer um programa que execute automaticamente aquilo que agora vai ser feito manualmente ou
b) esse processamento manual implica "interpretações" caso a caso de uma lei que estará eventualmente mal feita (e que portanto não permitirá extrair um conjunto inequívoco de regras de colocação susceptível de ser traduzido fielmente em software) ou
c) as regras a utilizar serão uma "versão simplificada" das que estão previstas na lei, que portanto não seria integralmente cumprida.
É _muito_ importante perceber o que se passa, afinal.
Não se confundam as questões: há uma política e há outra estritamente técnica. Sobre esta última, diga-se que nenhuma dificuldade específica justificaria este triste espectáculo. Uma equipa competente é capaz de resolver o problema com poucos recursos e em pouco tempo. O resto é apenas inépcia e incapacidade de a reconhecer.
Aceitemos o facto de que não vai haver listas.
O que fazer?
Talvez tratar o assunto escola a escola:
1) manter as colocações que já tiverem sido feitas este ano;
2) nas vagas ainda em aberto tentar manter as colocações do ano passado se esses professores ainda estiverem "livres";
3) "tapar os restantes buracos" com micro-concursos locais.
Mas sobre isto não me atrevo a ter uma posição, está longe de ser a minha área.
----
PS - Se o processamento vai ser feito "à mão" para 50.000 professores, então verifica-se uma de três situações:
a) qualquer programador competente consegue em um ou dois dias fazer um programa que execute automaticamente aquilo que agora vai ser feito manualmente ou
b) esse processamento manual implica "interpretações" caso a caso de uma lei que estará eventualmente mal feita (e que portanto não permitirá extrair um conjunto inequívoco de regras de colocação susceptível de ser traduzido fielmente em software) ou
c) as regras a utilizar serão uma "versão simplificada" das que estão previstas na lei, que portanto não seria integralmente cumprida.
É _muito_ importante perceber o que se passa, afinal.
2004/09/18
O que eu sei do Ministério da Educação
A incompetência na utilização de recursos informáticos no Ministério da Educação está longe de ser novidade. Em 1998 consegui acesso aos ficheiros dos resultados das colocações de professores com umas horas de antecedência em relação à divulgação oficial, pois estavam disponíveis online no servidor do Ministério num endereço não divulgado mas desprotegido.
Com a ajuda de colaboradores meus, tratei essa informação e coloquei-a online numa máquina alojada no Departamento de Informática da Universidade Católica no Porto, que eu dirigia na altura. Esse trabalho foi todo desenvolvido em 4 ou 5 horas. O computador era um vulgar PC de secretária, se não me engano com um processador Pentium II, 64 ou 128 MBytes de RAM, a correr Linux e Apache sem nenhuma configuração especial. A ligação à Internet era feita através do acesso do pólo da Foz da Universidade, nessa altura numa linha de 64kbit/s (como comparação, as ligações ADSL actuais são tipicamente de 512 Kbit/s!). As páginas foram feitas em HTML básico, sem imagens para ser leve, e possuíam uma ferramenta da pesquisa muito simples e bem melhor do que a do Ministério.
Este serviço teve enorme divulgação pública (via Internet, rádio, contactos pessoais, etc.) e milhares de acessos de repente, no dia "oficial". Nunca teve problemas de indisponibilidade e foi por lá que uma parte significativa dos professores soube da colocação, enquanto o servidor do Ministério estava em baixo. Durante o primeiro dia teve uma média de 2000 acessos por hora, tendo aguentado um pico de utilização muito mais elevado. Chegaram a telefonar-me pessoas do próprio Ministério da Educação a pedir-me para as informar de alguns resultados!
Propus ao Ministério que a minha empresa passasse a assegurar o serviço. Não houve interesse. No ano seguinte (1999) os problemas no servidor do Ministério repetiram-se e eu voltei a disponibilizar os resultados no meu. Em 2000 voltou a haver problemas no Ministério e eu, nessa altura, resolvi já não fazer nada apesar de ter os dados comigo. Desisti. A paciência tem limites.
Existe na "máquina do tempo da Internet" uma cópia em arquivo da versão de 1999 do meu servidor.
Provou-se assim que o problema com o servidor oficial não era falta de recursos técnicos: a máquina do Ministério era seguramente melhor do que a minha, a ligação à Internet tinha mais capacidade. A dificuldade do Ministério foi apenas a incompetência, irresponsabilidade e má vontade dos seus serviços. Apesar de conhecerem perfeitamente o serviço que estava a ser prestado, nunca me perguntaram qual a solução técnica que tinha adoptado, nunca aceitaram a minha proposta de ajuda.
Este problema da divulgação dos resultados é completamente diferente daquele que agora se verificou, que diz respeito ao processamento da colocação dos professores, mas mostra bem como (não) funcionava o Ministério da Educação. Podia dar mais exemplos que conheço bem.
Apresento abaixo apontadores para os faxes que enviei em 1998 e a única resposta do Ministério da Educação. Quem assina a resposta? – Joana Orvalho.
O anúncio do servidor em 1998
A minha proposta
A resposta do Ministério:
A minha insistência
PS: O Comércio do Porto fez referência a este assunto e o Correio da Manhã também.
Com a ajuda de colaboradores meus, tratei essa informação e coloquei-a online numa máquina alojada no Departamento de Informática da Universidade Católica no Porto, que eu dirigia na altura. Esse trabalho foi todo desenvolvido em 4 ou 5 horas. O computador era um vulgar PC de secretária, se não me engano com um processador Pentium II, 64 ou 128 MBytes de RAM, a correr Linux e Apache sem nenhuma configuração especial. A ligação à Internet era feita através do acesso do pólo da Foz da Universidade, nessa altura numa linha de 64kbit/s (como comparação, as ligações ADSL actuais são tipicamente de 512 Kbit/s!). As páginas foram feitas em HTML básico, sem imagens para ser leve, e possuíam uma ferramenta da pesquisa muito simples e bem melhor do que a do Ministério.
Este serviço teve enorme divulgação pública (via Internet, rádio, contactos pessoais, etc.) e milhares de acessos de repente, no dia "oficial". Nunca teve problemas de indisponibilidade e foi por lá que uma parte significativa dos professores soube da colocação, enquanto o servidor do Ministério estava em baixo. Durante o primeiro dia teve uma média de 2000 acessos por hora, tendo aguentado um pico de utilização muito mais elevado. Chegaram a telefonar-me pessoas do próprio Ministério da Educação a pedir-me para as informar de alguns resultados!
Propus ao Ministério que a minha empresa passasse a assegurar o serviço. Não houve interesse. No ano seguinte (1999) os problemas no servidor do Ministério repetiram-se e eu voltei a disponibilizar os resultados no meu. Em 2000 voltou a haver problemas no Ministério e eu, nessa altura, resolvi já não fazer nada apesar de ter os dados comigo. Desisti. A paciência tem limites.
Existe na "máquina do tempo da Internet" uma cópia em arquivo da versão de 1999 do meu servidor.
Provou-se assim que o problema com o servidor oficial não era falta de recursos técnicos: a máquina do Ministério era seguramente melhor do que a minha, a ligação à Internet tinha mais capacidade. A dificuldade do Ministério foi apenas a incompetência, irresponsabilidade e má vontade dos seus serviços. Apesar de conhecerem perfeitamente o serviço que estava a ser prestado, nunca me perguntaram qual a solução técnica que tinha adoptado, nunca aceitaram a minha proposta de ajuda.
Este problema da divulgação dos resultados é completamente diferente daquele que agora se verificou, que diz respeito ao processamento da colocação dos professores, mas mostra bem como (não) funcionava o Ministério da Educação. Podia dar mais exemplos que conheço bem.
Apresento abaixo apontadores para os faxes que enviei em 1998 e a única resposta do Ministério da Educação. Quem assina a resposta? – Joana Orvalho.
O anúncio do servidor em 1998
A minha proposta
A resposta do Ministério:
A minha insistência
PS: O Comércio do Porto fez referência a este assunto e o Correio da Manhã também.
2004/09/12
Tourada
Só esta faltava, o Abrupto a promover a tourada...
Este assunto, tendo uma gravidade evidentemente diferente, constitui um exemplo semelhante ao do Aborto de como as várias partes usam argumentos errados e sem lógica para defender posições por vezes correctas.
A tourada tem dois problemas.
O primeiro é ser um espectáculo bárbaro e deseducativo, mesmo que possua igualmente aspectos que consideraria “belos” não fosse o touro um ser vivo que sofre como nós. Será aceitável que se maltrate um animal para gáudio dos humanos? Acho inqualificáveis alguns argumentos que por vezes ouço, como o de que “é um combate justo”, etc., como se o touro tivesse escolhido de livre vontade entrar em duelo com o homem...
O segundo é saber se matar o touro na arena deve ser permitido ou não. Quanto a isso, o critério deve ser a minimização do sofrimento do touro. Acho preferível que ele seja abatido o mais rapidamente possível (o que seria ainda na arena), em vez de ficar em agonia até mais tarde, fora da vista do público. A luta contra os touros de morte parece-me assim completamente contraproducente pois, existindo a tourada, não beneficia os animais. Depois do público ter assistido a uma tortura lenta e cruel, a morte do touro é também um alívio misericordioso para quem assistiu a tal espectáculo.
O que está fundamentalmente errado é a tourada ser legal. Nenhuma tradição, nenhum “valor cultural”, nenhum interesse económico justifica este triste espectáculo. Como explicar a uma criança que se justifica infligir este sofrimento a um animal em nome do “domínio, da arte, da graça e do ritmo”? Tendo ela a percepção de que os humanos são tão parecidos (sem ironia) com os “bichos”, como lhe explicar: “podemos fazer isto aos bichos mas temos que tratar bem as pessoas”?
Este assunto, tendo uma gravidade evidentemente diferente, constitui um exemplo semelhante ao do Aborto de como as várias partes usam argumentos errados e sem lógica para defender posições por vezes correctas.
A tourada tem dois problemas.
O primeiro é ser um espectáculo bárbaro e deseducativo, mesmo que possua igualmente aspectos que consideraria “belos” não fosse o touro um ser vivo que sofre como nós. Será aceitável que se maltrate um animal para gáudio dos humanos? Acho inqualificáveis alguns argumentos que por vezes ouço, como o de que “é um combate justo”, etc., como se o touro tivesse escolhido de livre vontade entrar em duelo com o homem...
O segundo é saber se matar o touro na arena deve ser permitido ou não. Quanto a isso, o critério deve ser a minimização do sofrimento do touro. Acho preferível que ele seja abatido o mais rapidamente possível (o que seria ainda na arena), em vez de ficar em agonia até mais tarde, fora da vista do público. A luta contra os touros de morte parece-me assim completamente contraproducente pois, existindo a tourada, não beneficia os animais. Depois do público ter assistido a uma tortura lenta e cruel, a morte do touro é também um alívio misericordioso para quem assistiu a tal espectáculo.
O que está fundamentalmente errado é a tourada ser legal. Nenhuma tradição, nenhum “valor cultural”, nenhum interesse económico justifica este triste espectáculo. Como explicar a uma criança que se justifica infligir este sofrimento a um animal em nome do “domínio, da arte, da graça e do ritmo”? Tendo ela a percepção de que os humanos são tão parecidos (sem ironia) com os “bichos”, como lhe explicar: “podemos fazer isto aos bichos mas temos que tratar bem as pessoas”?
2004/09/09
Perguntas esquecidas
O tema do Aborto continua a provocar o aparecimento de comentários e opiniões sem qualquer suporte lógico ou racional.
No caso do referendo de 1998 podia-se considerar que existiam dois lados em oposição porque havia uma pergunta concreta a exigir uma resposta de SIM ou NÃO. Contudo, neste momento é totalmente inadequado dividir os cidadãos entre os defensores do SIM e os do NÃO. Existem inúmeros "lados", todos com posições e justificações diferentes. A bipolarização que surgiu demonstra ignorância, falta de rigor, deficiente capacidade de análise.
Há uma pergunta que se impõe mas que raramente é feita e muito menos respondida. Quase todos os "lados" defendem, em abstracto, que as mulheres que abortam "não devem ir para a prisão", independentemente de o aborto ser considerado ou não um crime. Mas: e quanto ao prazo, isso não será relevante para uma decisão quanto à penalização a aplicar?
Pergunta-se a quem defende a descriminalização até às 12 semanas (porque é supostamente "criminoso" prender uma mulher por esse motivo): e se uma mulher em boa situação económica e familiar abortar aos 7 meses, por exemplo, já deve ser presa? A resposta é quase sempre o silêncio. Julgo que há duas razões para isso. A primeira é o incómodo de confessar que se defende a prisão para alguns casos de irresponsabilidade mais grave. A segunda é que por vezes se apoia, sem o assumir, a total liberalização do Aborto independentemente do prazo, até ao nascimento.
A minha opinião já aqui foi explicada de forma clara: qualquer caso não autorizado por lei deve ser levado a tribunal. Se geralmente a prisão é desadequada, excepcionalmente poderá ser justificada. Havendo pais capazes de maltratar os filhos das formas mais inacreditáveis, por que fenómeno estatístico é que no caso do aborto não haveria também algumas situações que merecessem penas duras?
Outro aspecto esquecido é a penalização dos outros intervenientes que não a mulher. As clínicas que praticam abortos clandestinos não o fazem certamente por altruísmo. É um negócio sórdido. Não merecem prisão os seus responsáveis?
No caso do referendo de 1998 podia-se considerar que existiam dois lados em oposição porque havia uma pergunta concreta a exigir uma resposta de SIM ou NÃO. Contudo, neste momento é totalmente inadequado dividir os cidadãos entre os defensores do SIM e os do NÃO. Existem inúmeros "lados", todos com posições e justificações diferentes. A bipolarização que surgiu demonstra ignorância, falta de rigor, deficiente capacidade de análise.
Há uma pergunta que se impõe mas que raramente é feita e muito menos respondida. Quase todos os "lados" defendem, em abstracto, que as mulheres que abortam "não devem ir para a prisão", independentemente de o aborto ser considerado ou não um crime. Mas: e quanto ao prazo, isso não será relevante para uma decisão quanto à penalização a aplicar?
Pergunta-se a quem defende a descriminalização até às 12 semanas (porque é supostamente "criminoso" prender uma mulher por esse motivo): e se uma mulher em boa situação económica e familiar abortar aos 7 meses, por exemplo, já deve ser presa? A resposta é quase sempre o silêncio. Julgo que há duas razões para isso. A primeira é o incómodo de confessar que se defende a prisão para alguns casos de irresponsabilidade mais grave. A segunda é que por vezes se apoia, sem o assumir, a total liberalização do Aborto independentemente do prazo, até ao nascimento.
A minha opinião já aqui foi explicada de forma clara: qualquer caso não autorizado por lei deve ser levado a tribunal. Se geralmente a prisão é desadequada, excepcionalmente poderá ser justificada. Havendo pais capazes de maltratar os filhos das formas mais inacreditáveis, por que fenómeno estatístico é que no caso do aborto não haveria também algumas situações que merecessem penas duras?
Outro aspecto esquecido é a penalização dos outros intervenientes que não a mulher. As clínicas que praticam abortos clandestinos não o fazem certamente por altruísmo. É um negócio sórdido. Não merecem prisão os seus responsáveis?
2004/08/26
O Aborto, versão 2004
(Actualizado em 2004/08/27)
Tenho participado em alguns debates online, especialmente um no Barnabé. Aqui ficam os argumentos principais que tenho usado. As convicções religiosas não são relevantes para esta discussão e devem ser mantidas fora.
1) O aborto não pode ser considerado um problema da consciência individual da mãe.
- Não se trata da vida da mãe, mas sim da do filho.
- Há dois progenitores, e não apenas um, que podem não estar de acordo entre si. Por que razão o pai não teria também uma palavra a dizer?
- O filho não é “propriedade” da mãe, nem do pai, nem de ninguém.
2) Despenalizar não é o mesmo que descriminalizar. Há em muitos casos atenuantes tão grandes que o aborto, tendo acontecido clandestinamente, não deveria ser punido. Mas não são todos os casos. Cada situação é diferente, por isso é que deve ser julgada em tribunal.
3) As condições de maior segurança em que se realiza um aborto legal não são razões válidas para descriminalizar incondicionalmente. Quem faz algo clandestinamente vai sofrer com isso, é evidente. Não teria esse problema se não abortasse!
4) Uma vida alheia só pode ser eliminada se houver alguma razão de importância SUPERIOR a essa vida. Como garantir que TODAS as mães agem de forma responsável? Tem de haver critérios objectivos estabelecidos por Lei que sejam rigorosamente verificados antes de se permitir um aborto.
5) O receio de hipotéticas dificuldades ou infelicidades futuras da criança e da respectiva mãe não é uma razão de valor mais alto do que a vida de um filho.
6) Na história de um ser humano há apenas três instantes perfeitamente identificáveis e consensualmente inquestionáveis: a concepção, o nascimento e a morte. Tudo o resto é uma evolução contínua, difusa. Por isso, na minha opinião, a sociedade só pode usar esses três instantes como referência para decisões deste calibre (vida ou morte). Outras referências seriam sempre mal definidas, pouco claras, não consensuais. É esse o carácter que deve ser dado à concepção: o de referência absoluta, tal como as outras duas. É "sagrada" neste sentido científico, e não no sentido religioso.
7) Não vai ser possível encontrar um consenso total sobre quais os valores mais altos que justificam um aborto. Portanto, na dúvida ou na discordância deve adoptar-se uma posição de prudência e defender a vida desde o momento em que ela se distingue da da mãe (mesmo sendo dela dependente) e se inicia o desenvolvimento de um novo ser humano: a concepção.
8) Haverá alguns casos específicos em que o consenso é possível quanto aos motivos e quanto aos prazos - nesses o aborto deve ser permitido por lei.
PS: Discussão interessante esta nos comentários de um texto no Blasfémias.
Tenho participado em alguns debates online, especialmente um no Barnabé. Aqui ficam os argumentos principais que tenho usado. As convicções religiosas não são relevantes para esta discussão e devem ser mantidas fora.
1) O aborto não pode ser considerado um problema da consciência individual da mãe.
- Não se trata da vida da mãe, mas sim da do filho.
- Há dois progenitores, e não apenas um, que podem não estar de acordo entre si. Por que razão o pai não teria também uma palavra a dizer?
- O filho não é “propriedade” da mãe, nem do pai, nem de ninguém.
2) Despenalizar não é o mesmo que descriminalizar. Há em muitos casos atenuantes tão grandes que o aborto, tendo acontecido clandestinamente, não deveria ser punido. Mas não são todos os casos. Cada situação é diferente, por isso é que deve ser julgada em tribunal.
3) As condições de maior segurança em que se realiza um aborto legal não são razões válidas para descriminalizar incondicionalmente. Quem faz algo clandestinamente vai sofrer com isso, é evidente. Não teria esse problema se não abortasse!
4) Uma vida alheia só pode ser eliminada se houver alguma razão de importância SUPERIOR a essa vida. Como garantir que TODAS as mães agem de forma responsável? Tem de haver critérios objectivos estabelecidos por Lei que sejam rigorosamente verificados antes de se permitir um aborto.
5) O receio de hipotéticas dificuldades ou infelicidades futuras da criança e da respectiva mãe não é uma razão de valor mais alto do que a vida de um filho.
6) Na história de um ser humano há apenas três instantes perfeitamente identificáveis e consensualmente inquestionáveis: a concepção, o nascimento e a morte. Tudo o resto é uma evolução contínua, difusa. Por isso, na minha opinião, a sociedade só pode usar esses três instantes como referência para decisões deste calibre (vida ou morte). Outras referências seriam sempre mal definidas, pouco claras, não consensuais. É esse o carácter que deve ser dado à concepção: o de referência absoluta, tal como as outras duas. É "sagrada" neste sentido científico, e não no sentido religioso.
7) Não vai ser possível encontrar um consenso total sobre quais os valores mais altos que justificam um aborto. Portanto, na dúvida ou na discordância deve adoptar-se uma posição de prudência e defender a vida desde o momento em que ela se distingue da da mãe (mesmo sendo dela dependente) e se inicia o desenvolvimento de um novo ser humano: a concepção.
8) Haverá alguns casos específicos em que o consenso é possível quanto aos motivos e quanto aos prazos - nesses o aborto deve ser permitido por lei.
PS: Discussão interessante esta nos comentários de um texto no Blasfémias.
2004/08/21
O Aborto
Já que estou em maré de temas difíceis, resolvi procurar alguns documentos que tinha escrito em 1998 na altura do Referendo do Aborto. Tinha organizado na Universidade Católica um fórum online sobre este tema que conseguiu considerável visibilidade nacional e participação muito alargada.
Estou cansado deste debate, devo dizer... As pessoas esquecem-se de quase tudo o que elas próprias pensaram, discutiram e aprenderam antes, e repetem sempre os mesmos erros. Quando recentemente se levantou este assunto novamente, voltei a ouvir as mesmas asneiras de todos os lados, seja a favor ou contra a legalização.
Aqui fica então o texto, com seis anos, cumprindo parte do que prometi aqui. A História repete-se! Quando tiver tempo hei-de voltar a colocar online cópia completa deste fórum que moderei. Especialmente interessantes são as citações de figuras públicas e de ilustres desconhecidos que na altura compilei.
-----
AS MINHAS CONCLUSÕES PESSOAIS
É meu dever, após a conclusão deste debate que coordenei no Fórum da Universidade Católica, apresentar as conclusões a que cheguei. Vou fazê-lo de forma resumida, recorrendo a um texto base com os principais tópicos e a apontadores para a argumentação mais extensa. Li novamente todas as participações e retirei delas as razões que julgo mais relevantes; por vezes uso essas mesmas razões para justificar uma posição inversa à que os autores das citações apresentadas defendem.
a) Não está em causa neste momento saber se o aborto se justifica em algumas circunstâncias, mas sim se deve ser liberalizado sem restrições até às 10 semanas. É esse o SIM ou o NÃO que nos é pedido. Não se trata de defender a prisão das mulheres que abortam.
b) As razões invocadas para o SIM ou para o NÃO variam muito de pessoa para pessoa: "todos iguais, todos diferentes" :-)
c) Não há consenso sobre a qualidade de pessoa de um feto com 10 semanas. Este simples facto é um argumento para o NÃO: na dúvida, protege-se a vida.
d) O aborto não é um problema da consciência individual:
- não se trata da vida da mãe, mas sim do filho
- o sacrifício de uma vida só pode ser aceite se existirem valores mais altos do que ele e essa avaliação não pode ser deixada apenas à mãe
e) Uma hipotética melhoria do problema de saúde pública que é o aborto não justifica a sua liberalização sem regras até às 10 semanas. Os fins nunca justificam os meios.
f) Despenalizar não é o mesmo que descriminalizar: justifica-se despenalizar em alguns casos, mas descriminalizar significa renunciar a regras mínimas de respeito pela vida.
g) Só faz sentido falar em Tolerância quando há Lei. Na aplicação da lei é que se deve usar a tolerância, mas deve haver lei primeiro.
h) O SIM é ineficaz:
- desresponsabiliza o Estado dos seus deveres de apoio a quem precisa
- não há condições práticas para a realização de abortos em tempo útil nos hospitais públicos
- não resolve os problemas de quem não tem recursos para recorrer a clínicas privadas
- não ataca as causas que levam ao aborto (mesmo o legal)
- não acaba com o aborto clandestino
i) Há muitos argumentos errados a favor do SIM e do NÃO. Não se deve liberalizar o aborto nem recusá-lo só para:
- contrariar a Igreja ou obedecer-lhe
- impedir que alguém ganhe dinheiro com negócios clandestinos ou legais
- irritar os hipócritas de qualquer um dos lados
- evitar que outros obtenham dividendos políticos
j) Há de facto muita hipocrisia em jogo, quer do lado do SIM quer do do NÃO. A actual situação é culpa de todos - que ninguém deixe de assumir a sua responsabilidade. E que todos explicitem claramente o que pretendem com o SIM e com o NÃO.
l) A posição da Igreja é sempre uma referência, boa ou má, mas não se justifica a obsessão com que alguns a invocam. Estamos afinal a tratar de leis de um Estado laico.
m) Seja SIM ou seja NÃO, o verdadeiro problema está nas causas a montante do aborto. Quanto a isso, não há referendo que as resolva. Agora estamos todos conscientes quanto a este assunto - há que agir e não empurrar tudo para as costas do Estado.
Pode encontrar aqui um conjunto de citações que me serviram de referência para este texto.
Vote! De preferência vote NÃO.
Mas seja SIM, seja NÃO ou seja voto em branco, vá votar!
Estou cansado deste debate, devo dizer... As pessoas esquecem-se de quase tudo o que elas próprias pensaram, discutiram e aprenderam antes, e repetem sempre os mesmos erros. Quando recentemente se levantou este assunto novamente, voltei a ouvir as mesmas asneiras de todos os lados, seja a favor ou contra a legalização.
Aqui fica então o texto, com seis anos, cumprindo parte do que prometi aqui. A História repete-se! Quando tiver tempo hei-de voltar a colocar online cópia completa deste fórum que moderei. Especialmente interessantes são as citações de figuras públicas e de ilustres desconhecidos que na altura compilei.
-----
AS MINHAS CONCLUSÕES PESSOAIS
É meu dever, após a conclusão deste debate que coordenei no Fórum da Universidade Católica, apresentar as conclusões a que cheguei. Vou fazê-lo de forma resumida, recorrendo a um texto base com os principais tópicos e a apontadores para a argumentação mais extensa. Li novamente todas as participações e retirei delas as razões que julgo mais relevantes; por vezes uso essas mesmas razões para justificar uma posição inversa à que os autores das citações apresentadas defendem.
a) Não está em causa neste momento saber se o aborto se justifica em algumas circunstâncias, mas sim se deve ser liberalizado sem restrições até às 10 semanas. É esse o SIM ou o NÃO que nos é pedido. Não se trata de defender a prisão das mulheres que abortam.
b) As razões invocadas para o SIM ou para o NÃO variam muito de pessoa para pessoa: "todos iguais, todos diferentes" :-)
c) Não há consenso sobre a qualidade de pessoa de um feto com 10 semanas. Este simples facto é um argumento para o NÃO: na dúvida, protege-se a vida.
d) O aborto não é um problema da consciência individual:
- não se trata da vida da mãe, mas sim do filho
- o sacrifício de uma vida só pode ser aceite se existirem valores mais altos do que ele e essa avaliação não pode ser deixada apenas à mãe
e) Uma hipotética melhoria do problema de saúde pública que é o aborto não justifica a sua liberalização sem regras até às 10 semanas. Os fins nunca justificam os meios.
f) Despenalizar não é o mesmo que descriminalizar: justifica-se despenalizar em alguns casos, mas descriminalizar significa renunciar a regras mínimas de respeito pela vida.
g) Só faz sentido falar em Tolerância quando há Lei. Na aplicação da lei é que se deve usar a tolerância, mas deve haver lei primeiro.
h) O SIM é ineficaz:
- desresponsabiliza o Estado dos seus deveres de apoio a quem precisa
- não há condições práticas para a realização de abortos em tempo útil nos hospitais públicos
- não resolve os problemas de quem não tem recursos para recorrer a clínicas privadas
- não ataca as causas que levam ao aborto (mesmo o legal)
- não acaba com o aborto clandestino
i) Há muitos argumentos errados a favor do SIM e do NÃO. Não se deve liberalizar o aborto nem recusá-lo só para:
- contrariar a Igreja ou obedecer-lhe
- impedir que alguém ganhe dinheiro com negócios clandestinos ou legais
- irritar os hipócritas de qualquer um dos lados
- evitar que outros obtenham dividendos políticos
j) Há de facto muita hipocrisia em jogo, quer do lado do SIM quer do do NÃO. A actual situação é culpa de todos - que ninguém deixe de assumir a sua responsabilidade. E que todos explicitem claramente o que pretendem com o SIM e com o NÃO.
l) A posição da Igreja é sempre uma referência, boa ou má, mas não se justifica a obsessão com que alguns a invocam. Estamos afinal a tratar de leis de um Estado laico.
m) Seja SIM ou seja NÃO, o verdadeiro problema está nas causas a montante do aborto. Quanto a isso, não há referendo que as resolva. Agora estamos todos conscientes quanto a este assunto - há que agir e não empurrar tudo para as costas do Estado.
Pode encontrar aqui um conjunto de citações que me serviram de referência para este texto.
Vote! De preferência vote NÃO.
Mas seja SIM, seja NÃO ou seja voto em branco, vá votar!
2004/08/13
A legalização da prostituição
Já é habitual defenderem-se posições certas pelas razões erradas...
A legalização da prostituição é mais um caso. As razões "pragmáticas" referidas por Paulo Gorjão não me parecem válidas.
Há dois casos distintos a analisar.
- O primeiro é quando a prática da prostituição foi um último recurso a que as pessoas em causa se submeteram numa situação de miséria. Isso revela que o Estado e a sociedade em geral falharam no seu papel de apoio a quem precisa. A solução não é então legalizar a prostituição, mas sim proporcionar as condições suficientes para que quem se prostitui possa deixar de o fazer. Justificar-se-ia despenalizar, não legalizar. Legalizar poderia ser uma forma de o Estado se demitir dos seus deveres.
- O segundo caso é completamente diferente e já o tinha usado como exemplo no comentário anterior. Apesar de tudo há quem se prostitua por opção, inércia ou "comodismo", e já não por estrita necessidade. Por mais mau gosto que possa revelar, é um direito dos cidadãos. Com que bases a sociedade deverá proibir este negócio entre pessoas adultas? Em considerações morais sobre a vida privada?
É por causa deste segundo caso que eu sou a favor da legalização. Não por quaisquer razões pragmáticas.
A legalização da prostituição é mais um caso. As razões "pragmáticas" referidas por Paulo Gorjão não me parecem válidas.
Há dois casos distintos a analisar.
- O primeiro é quando a prática da prostituição foi um último recurso a que as pessoas em causa se submeteram numa situação de miséria. Isso revela que o Estado e a sociedade em geral falharam no seu papel de apoio a quem precisa. A solução não é então legalizar a prostituição, mas sim proporcionar as condições suficientes para que quem se prostitui possa deixar de o fazer. Justificar-se-ia despenalizar, não legalizar. Legalizar poderia ser uma forma de o Estado se demitir dos seus deveres.
- O segundo caso é completamente diferente e já o tinha usado como exemplo no comentário anterior. Apesar de tudo há quem se prostitua por opção, inércia ou "comodismo", e já não por estrita necessidade. Por mais mau gosto que possa revelar, é um direito dos cidadãos. Com que bases a sociedade deverá proibir este negócio entre pessoas adultas? Em considerações morais sobre a vida privada?
É por causa deste segundo caso que eu sou a favor da legalização. Não por quaisquer razões pragmáticas.
2004/08/12
Tradições e temas complexos
No Gildot surgiu recentemente um debate sobre a triste história do Terràvista. No meio da conversa levantou-se outro tema especialmente complexo e a respeito do qual resolvi escrever umas linhas.
Dizia-se a certa altura que "a homossexualidade é tão normal como a heterossexualidade".
Se fosse "tão normal", 50% da população era homossexual... Uma coisa é aceitar a homossexualidade, outra é dizer que homossexualidade e heterossexualidade é tudo a mesma coisa.
Escreveu-se ainda que a homossexualidade "não é uma doença, ou seja, um/a homossexual não tem nada de errado".
Sim e não. Os/as "homossexuais" (já explico a razão das aspas) são como as outras pessoas: há as que têm "algo de errado" e as que são "saudáveis".
Há dois tipos de "homossexuais": os "verdadeiros" que possuem uma tendência natural para gostar do mesmo sexo (que acredito sejam uma percentagem bastante pequena da população) e os "falsos", que desenvolveram uma suposta "apetência homossexual" como resultado de algum desequilíbrio na sua evolução psíquica. Aliás, o equivalente também se poderá passar com os "heterossexuais".
Estou por isso firmemente convicto de que grande parte dos "falsos" é curável (ou pelo menos que devia tentar a cura), mas que a sociedade confunde os dois tipos e deixou de analisar o caso com o rigor e seriedade que era exigível. Qualquer desequilíbrio é mau e deve ser ultrapassado.
Quando vejo as "paradas de orgulho gay", os casamentos gay com homens em vestido de noiva, etc., é difícil de acreditar que sejam pessoas mentalmente saudáveis! O problema não é serem manifestações homossexuais, o caso seria o mesmo se fossem palhaçadas heterossexuais como também há muitas (por exemplo alguns culturistas mais fanáticos, com o corpo todo deformado, a dizer "agora é que me sinto Homem!"). Os "verdadeiros" não precisam de fazer tristes figuras em actividades de gosto mais do que duvidoso, têm um equilíbrio mental bem mais saudável que as dispensa. É evidente que também há "verdadeiros" que desenvolveram alguns traumas pelo facto de serem discriminados pela sociedade - o desequilíbrio seria então consequência e não causa da sua homossexualidade.
Por isso, embora não tenha feito nenhum estudo científico que me forneça números, a minha percepção do mundo diz-me que as pessoas verdadeiramente homossexuais são relativamente raras.
Já agora, ligado a este tipo de "preconceitos sociais" do mundo ocidental, valeria a pena discutir também a poligamia e o incesto entre adultos. Não me parece adequado pensar na homossexualidade sem introduzir igualmente estes dois assuntos. Por que razão há-de a sociedade tratá-los de forma diferente?
--
PS: Um esclarecimento adicional - Independentemente de se concordar ou não com uma determinada situação, é preciso que haja razões muito fortes para proibir qualquer coisa. Eu não encontro essas razões fortes para proibir uniões (nunca lhes chamaria casamentos) homossexuais como casos de "economia comum" para fins fiscais, por exemplo.
E por que razão é que se há-de proibir a poligamia, que é comum noutras zonas do mundo? Eu não a defendo como opção de vida, mas com que direito a sociedade pretende regular este aspecto da vida privada de pessoas adultas?
Outro caso ainda: quem é que apoia a prostituição? Mas muitos (como eu) defendem a sua legalização porque apesar de tudo há quem se prostitua por opção, inércia ou "comodismo" (é um direito...), e já não por estrita necessidade.
Dizia-se a certa altura que "a homossexualidade é tão normal como a heterossexualidade".
Se fosse "tão normal", 50% da população era homossexual... Uma coisa é aceitar a homossexualidade, outra é dizer que homossexualidade e heterossexualidade é tudo a mesma coisa.
Escreveu-se ainda que a homossexualidade "não é uma doença, ou seja, um/a homossexual não tem nada de errado".
Sim e não. Os/as "homossexuais" (já explico a razão das aspas) são como as outras pessoas: há as que têm "algo de errado" e as que são "saudáveis".
Há dois tipos de "homossexuais": os "verdadeiros" que possuem uma tendência natural para gostar do mesmo sexo (que acredito sejam uma percentagem bastante pequena da população) e os "falsos", que desenvolveram uma suposta "apetência homossexual" como resultado de algum desequilíbrio na sua evolução psíquica. Aliás, o equivalente também se poderá passar com os "heterossexuais".
Estou por isso firmemente convicto de que grande parte dos "falsos" é curável (ou pelo menos que devia tentar a cura), mas que a sociedade confunde os dois tipos e deixou de analisar o caso com o rigor e seriedade que era exigível. Qualquer desequilíbrio é mau e deve ser ultrapassado.
Quando vejo as "paradas de orgulho gay", os casamentos gay com homens em vestido de noiva, etc., é difícil de acreditar que sejam pessoas mentalmente saudáveis! O problema não é serem manifestações homossexuais, o caso seria o mesmo se fossem palhaçadas heterossexuais como também há muitas (por exemplo alguns culturistas mais fanáticos, com o corpo todo deformado, a dizer "agora é que me sinto Homem!"). Os "verdadeiros" não precisam de fazer tristes figuras em actividades de gosto mais do que duvidoso, têm um equilíbrio mental bem mais saudável que as dispensa. É evidente que também há "verdadeiros" que desenvolveram alguns traumas pelo facto de serem discriminados pela sociedade - o desequilíbrio seria então consequência e não causa da sua homossexualidade.
Por isso, embora não tenha feito nenhum estudo científico que me forneça números, a minha percepção do mundo diz-me que as pessoas verdadeiramente homossexuais são relativamente raras.
Já agora, ligado a este tipo de "preconceitos sociais" do mundo ocidental, valeria a pena discutir também a poligamia e o incesto entre adultos. Não me parece adequado pensar na homossexualidade sem introduzir igualmente estes dois assuntos. Por que razão há-de a sociedade tratá-los de forma diferente?
--
PS: Um esclarecimento adicional - Independentemente de se concordar ou não com uma determinada situação, é preciso que haja razões muito fortes para proibir qualquer coisa. Eu não encontro essas razões fortes para proibir uniões (nunca lhes chamaria casamentos) homossexuais como casos de "economia comum" para fins fiscais, por exemplo.
E por que razão é que se há-de proibir a poligamia, que é comum noutras zonas do mundo? Eu não a defendo como opção de vida, mas com que direito a sociedade pretende regular este aspecto da vida privada de pessoas adultas?
Outro caso ainda: quem é que apoia a prostituição? Mas muitos (como eu) defendem a sua legalização porque apesar de tudo há quem se prostitua por opção, inércia ou "comodismo" (é um direito...), e já não por estrita necessidade.
2004/08/10
O interesse do "pobre país"
Pacheco Pereira escreve no Abrupto sobre o "interesse público" a propósito do poder corporativo de jornalistas e magistrados.
Subscrevo genericamente o que está lá escrito, embora não usasse um registo tão pessimista. O "interesse público" seria o "público" tratar dos assuntos do seu interesse... Mas aquilo por que o "público" normalmente se interessa não é do seu verdadeiro interesse (e nem eu acho que seja minimamente interessante).
Por isso é que não concordo nada com o refrão "pobre país" usado no Abrupto. Pelo contrário, pelos vistos somos demasiado ricos para nos podermos dar ao luxo de desprezar aquilo que importa. Estivéssemos numa situação realmente difícil e o "interesse público" seria perfeitamente evidente para todos.
Subscrevo genericamente o que está lá escrito, embora não usasse um registo tão pessimista. O "interesse público" seria o "público" tratar dos assuntos do seu interesse... Mas aquilo por que o "público" normalmente se interessa não é do seu verdadeiro interesse (e nem eu acho que seja minimamente interessante).
Por isso é que não concordo nada com o refrão "pobre país" usado no Abrupto. Pelo contrário, pelos vistos somos demasiado ricos para nos podermos dar ao luxo de desprezar aquilo que importa. Estivéssemos numa situação realmente difícil e o "interesse público" seria perfeitamente evidente para todos.
2004/07/29
A gestão das massas
João Porto refere no Nortadas um artigo de Medina Carreira e a necessidade de se melhorar a forma como se utilizam os dinheiros públicos.
Quando não se consegue ter sucesso ao tentar realizar muitas tarefas muito complicadas, o que há a fazer é seleccionar apenas aquilo que é essencial e simplificar os processos. O Estado funciona mal porque quer fazer demais.
Exemplos que sugiro:
1) adoptar de forma muito mais generalizada um regime simplificado de cálculo do IRS e IRC;
2) acabar com todos os benefícios fiscais e programas de incentivo a tudo e mais alguma coisa, substituindo-os por uma baixa genérica da taxa de imposto;
3) simplificar os procedimentos de aquisição de bens e serviços por parte do Estado, impondo o recurso a procedimentos informatizados e portanto auditáveis automaticamente.
Não percebo por que é que este tipo de "opções minimalistas" é tão raramente adoptado. Será falta de experiência de gestão por parte dos decisores? Veja-se o caso do PDM do Porto: não era preferível ter tido um texto radicalmente mais simples mas a tempo e horas? E não teria melhores resultados práticos do que não-sei-quantas dezenas de páginas que ninguém vai ler, mesmo que por hipótese absurda fossem de um brilhantismo notável?
Quando não se consegue ter sucesso ao tentar realizar muitas tarefas muito complicadas, o que há a fazer é seleccionar apenas aquilo que é essencial e simplificar os processos. O Estado funciona mal porque quer fazer demais.
Exemplos que sugiro:
1) adoptar de forma muito mais generalizada um regime simplificado de cálculo do IRS e IRC;
2) acabar com todos os benefícios fiscais e programas de incentivo a tudo e mais alguma coisa, substituindo-os por uma baixa genérica da taxa de imposto;
3) simplificar os procedimentos de aquisição de bens e serviços por parte do Estado, impondo o recurso a procedimentos informatizados e portanto auditáveis automaticamente.
Não percebo por que é que este tipo de "opções minimalistas" é tão raramente adoptado. Será falta de experiência de gestão por parte dos decisores? Veja-se o caso do PDM do Porto: não era preferível ter tido um texto radicalmente mais simples mas a tempo e horas? E não teria melhores resultados práticos do que não-sei-quantas dezenas de páginas que ninguém vai ler, mesmo que por hipótese absurda fossem de um brilhantismo notável?
2004/07/28
Sempre o mesmo erro...
Têm aparecido vozes contra as anunciadas estadias do Governo no Porto. As pessoas não aprendem com os erros. Já em Fevereiro passado escrevi isto:
"O portuense típico considera mais motivador remar contra ventos e marés do que aproveitar ventos e marés em seu benefício."
Depois não nos queixemos.
"O portuense típico considera mais motivador remar contra ventos e marés do que aproveitar ventos e marés em seu benefício."
Depois não nos queixemos.
2004/07/26
Investimento
Recebi há dias a notícia de que uma proposta minha tinha sido seleccionada num Concurso de Ideias para criação de empresas promovido pela Agência de Inovação.
O importante neste projecto não é o apoio financeiro directo do Programa NEST. O seu montante potencial é muito pouco significativo face às necessidades reais de financiamento de um empreendimento deste tipo, especialmente atendendo à limitação de não ultrapassar a participação do próprio promotor no capital da empresa. Importante é a eventual capacidade de o NEST "abrir portas" junto de potenciais investidores, de aumentar a credibilidade do projecto.
Mantenho o cepticismo de quem tem assistido ao desenrolar inconsequente de muitos programas de apoio estatais e de quem não tem conseguido encontrar em Portugal interlocutores adequados a diversas ideias de negócio em diferentes áreas. Quando se tenta juntar ética, prudência nas previsões de negócio, decência no tratamento dos recursos humanos e cumprimento da Lei, o resultado tem sido desanimador. Considero por isso como prioritário o envolvimento de parceiros estrangeiros, seja como investidores de capital de risco, seja no âmbito de uma colaboração tecnológica.
É evidente que não há nenhum "defeito genético" nos portugueses que os impeça de agir com dinamismo e competência. Contudo, é difícil ultrapassar isoladamente uma cultura de imobilismo ou irresponsabilidade, normalmente fruto apenas de inconsciência e não de má fé. A solução passará por aprender com quem sabe, com quem já tem tido sucesso, com quem é rápido a decidir e competente a agir. Escrevi há tempos um artigo sobre este assunto cuja versão oral apresentei na sessão presidida por Miguel Cadilhe sobre "Economia e Sociedade" no Encontro "Porto Cidade Região".
Os "investidores de risco" em Portugal têm quase sempre pavor de perder o seu dinheiro. É um paradoxo: não querer arriscar mesmo quando os projectos supostamente são de risco!
Ou o capital que pretendem investir lhes "faz realmente falta" e portanto assumir um risco elevado não é compatível com as suas disponibilidades. Ou não aceitam o facto de que muitos negócios terão que falhar para que apenas alguns tenham sucesso (com lucros que compensem largamente todas as outras perdas).
Existe capital. Contudo, quem o possui provavelmente não encontra interlocutores/parceiros em quem confie. Por outro lado há pessoas com boas ideias e competência técnica, mas sem capital de suporte ao investimento - são elas, apesar de tudo, os empreendedores de que Portugal precisa. Será que se consegue reunir investidores com alguma liquidez e empreendedores sem capital?
Um "business plan" não é uma receita milagrosa que garante lucros, é apenas uma base para o lançamento do negócio. O importante é responsabilizar o promotor pelos recursos que lhe são confiados, avaliando as suas características pessoais mais até do que os projectos em si. Os projectos deverão ajustar-se às circunstâncias concretas que o futuro reserva: o enquadramento altera-se, a estratégia tem de se adaptar ao longo do tempo e em função dos resultados obtidos, a concorrência pode aparecer com maior ou menor agressividade. Tudo isto implica mudanças ao plano original (tantas vezes uma completa invenção sem qualquer base científica!), pelo que o verdadeiro valor é a competência do promotor. Ele deve prestar contas por aquilo que fez mais do que explicar com antecedência o que vai fazer. Defendo um sistema de "fiscalização sucessiva" para o controlo da actuação de quem gere algo que não é só seu.
Ao contrário do que costumam aconselhar alguns "especialistas", em Portugal não compensa criar uma empresa a menos que o volume de negócios seja bastante significativo. O problema não é a criação em si, que é um processo relativamente simples. O problema são os custos burocráticos de a manter (tempo perdido, contabilidade, seguros, licenças, etc.), que são enormes! As empresas já existentes têm capacidade de acomodar novos negócios, geridos autonomamente e complementares à sua actividade actual. Para isso podem estabelecer contratos menos burocráticos com os promotores de novas iniciativas, aproveitando a estrutura que já possuem.
Defendo também que um "business plan" deve ser preparado sempre que possível em conjunto com os investidores, e não isoladamente pelo promotor. Um trabalho em parceria permitirá compatibilizar interesses e fazer avançar muito mais rapidamente o negócio.
Procuro investidores!
O importante neste projecto não é o apoio financeiro directo do Programa NEST. O seu montante potencial é muito pouco significativo face às necessidades reais de financiamento de um empreendimento deste tipo, especialmente atendendo à limitação de não ultrapassar a participação do próprio promotor no capital da empresa. Importante é a eventual capacidade de o NEST "abrir portas" junto de potenciais investidores, de aumentar a credibilidade do projecto.
Mantenho o cepticismo de quem tem assistido ao desenrolar inconsequente de muitos programas de apoio estatais e de quem não tem conseguido encontrar em Portugal interlocutores adequados a diversas ideias de negócio em diferentes áreas. Quando se tenta juntar ética, prudência nas previsões de negócio, decência no tratamento dos recursos humanos e cumprimento da Lei, o resultado tem sido desanimador. Considero por isso como prioritário o envolvimento de parceiros estrangeiros, seja como investidores de capital de risco, seja no âmbito de uma colaboração tecnológica.
É evidente que não há nenhum "defeito genético" nos portugueses que os impeça de agir com dinamismo e competência. Contudo, é difícil ultrapassar isoladamente uma cultura de imobilismo ou irresponsabilidade, normalmente fruto apenas de inconsciência e não de má fé. A solução passará por aprender com quem sabe, com quem já tem tido sucesso, com quem é rápido a decidir e competente a agir. Escrevi há tempos um artigo sobre este assunto cuja versão oral apresentei na sessão presidida por Miguel Cadilhe sobre "Economia e Sociedade" no Encontro "Porto Cidade Região".
Os "investidores de risco" em Portugal têm quase sempre pavor de perder o seu dinheiro. É um paradoxo: não querer arriscar mesmo quando os projectos supostamente são de risco!
Ou o capital que pretendem investir lhes "faz realmente falta" e portanto assumir um risco elevado não é compatível com as suas disponibilidades. Ou não aceitam o facto de que muitos negócios terão que falhar para que apenas alguns tenham sucesso (com lucros que compensem largamente todas as outras perdas).
Existe capital. Contudo, quem o possui provavelmente não encontra interlocutores/parceiros em quem confie. Por outro lado há pessoas com boas ideias e competência técnica, mas sem capital de suporte ao investimento - são elas, apesar de tudo, os empreendedores de que Portugal precisa. Será que se consegue reunir investidores com alguma liquidez e empreendedores sem capital?
Um "business plan" não é uma receita milagrosa que garante lucros, é apenas uma base para o lançamento do negócio. O importante é responsabilizar o promotor pelos recursos que lhe são confiados, avaliando as suas características pessoais mais até do que os projectos em si. Os projectos deverão ajustar-se às circunstâncias concretas que o futuro reserva: o enquadramento altera-se, a estratégia tem de se adaptar ao longo do tempo e em função dos resultados obtidos, a concorrência pode aparecer com maior ou menor agressividade. Tudo isto implica mudanças ao plano original (tantas vezes uma completa invenção sem qualquer base científica!), pelo que o verdadeiro valor é a competência do promotor. Ele deve prestar contas por aquilo que fez mais do que explicar com antecedência o que vai fazer. Defendo um sistema de "fiscalização sucessiva" para o controlo da actuação de quem gere algo que não é só seu.
Ao contrário do que costumam aconselhar alguns "especialistas", em Portugal não compensa criar uma empresa a menos que o volume de negócios seja bastante significativo. O problema não é a criação em si, que é um processo relativamente simples. O problema são os custos burocráticos de a manter (tempo perdido, contabilidade, seguros, licenças, etc.), que são enormes! As empresas já existentes têm capacidade de acomodar novos negócios, geridos autonomamente e complementares à sua actividade actual. Para isso podem estabelecer contratos menos burocráticos com os promotores de novas iniciativas, aproveitando a estrutura que já possuem.
Defendo também que um "business plan" deve ser preparado sempre que possível em conjunto com os investidores, e não isoladamente pelo promotor. Um trabalho em parceria permitirá compatibilizar interesses e fazer avançar muito mais rapidamente o negócio.
Procuro investidores!
2004/07/24
"Síndrome Vitorino" e não só
Escreve Pacheco Pereira no Abrupto:
"Não há nenhuma razão para esta absurda criação de embaixadas do governo em cidades do litoral (no Alentejo, o “litoral” é interior), a não ser a pouca sorte (para nós) do Ricardo Costa ter feito a pergunta que fez e ter encravado o orgulho volátil do Primeiro-Ministro em meia dúzia de promessas insensatas. Para quê: para facilitar a concessão de audiências ou a distribuição de benesses? Inútil e caro."
Vamos lá ser razoáveis...
Não nos acomodarmos à situação não é equivalente a estar sempre a criticar todo e qualquer acto do Governo que se propicie a isso!
O caso das “embaixadas do Governo” pode ser polémico mas não é grave. Se se ataca da mesma maneira aquilo que é indiscutivelmente mau e aquilo que pode eventualmente ser apenas supérfluo, perde-se a eficácia da comunicação.
A par dos inconvenientes que todos vemos, adivinho também algumas vantagens em ter secretarias de Estado noutras cidades do país e reuniões “saltitantes” do Conselho de Ministros.
1) Para os próprios governantes é fundamental terem a percepção permanente de que há vida fora de Lisboa. Um dos problemas recorrentes é precisamente que mesmo as pessoas com origem fora da capital se esquecem disso quando “emigram” para o Governo. Lisboa é grande, Lisboa é muito melhor do que o resto do país em inúmeros aspectos (e especialmente na vitalidade económica, digo eu que sou do Porto), Lisboa faz aparecer em quem lá está a “síndrome Vitorino” em relação ao resto do país.
2) Em paralelo com os aspectos estritamente racionais, há um efeito emocional positivo na proximidade física entre o “povo” e os governantes que depois se traduz em maior participação cívica, em maior dinamismo económico, etc., etc. (Esta afirmação carecia de alguma justificação adicional, mas agora não vai dar tempo...) Já sei também que a “deslocalização” não irá abranger todo o país, mas mais vale pouco do que nada.
3) Sempre achei que o Governo tenta fazer coisas demais. Mais vale pouco mas bem. Tenho muito receio de grandes planos, especialmente com este Primeiro-Ministro. Prefiro projectos simples (que podem no entanto ser passos intermédios de algo mais ambicioso) com resultados que possam ser avaliados rigorosamente num prazo razoavelmente curto. Ao realizar reuniões fora de Lisboa, o Governo vai ser pressionado a apresentar resultados concretos dessas estadias. Pode ser que assim seja obrigado a adoptar uma postura realista e responsável – o português deixa-se iludir frequentemente por medidas populistas, mas não é eternamente enganado e acaba por ver a luz. ;-)
"Não há nenhuma razão para esta absurda criação de embaixadas do governo em cidades do litoral (no Alentejo, o “litoral” é interior), a não ser a pouca sorte (para nós) do Ricardo Costa ter feito a pergunta que fez e ter encravado o orgulho volátil do Primeiro-Ministro em meia dúzia de promessas insensatas. Para quê: para facilitar a concessão de audiências ou a distribuição de benesses? Inútil e caro."
Vamos lá ser razoáveis...
Não nos acomodarmos à situação não é equivalente a estar sempre a criticar todo e qualquer acto do Governo que se propicie a isso!
O caso das “embaixadas do Governo” pode ser polémico mas não é grave. Se se ataca da mesma maneira aquilo que é indiscutivelmente mau e aquilo que pode eventualmente ser apenas supérfluo, perde-se a eficácia da comunicação.
A par dos inconvenientes que todos vemos, adivinho também algumas vantagens em ter secretarias de Estado noutras cidades do país e reuniões “saltitantes” do Conselho de Ministros.
1) Para os próprios governantes é fundamental terem a percepção permanente de que há vida fora de Lisboa. Um dos problemas recorrentes é precisamente que mesmo as pessoas com origem fora da capital se esquecem disso quando “emigram” para o Governo. Lisboa é grande, Lisboa é muito melhor do que o resto do país em inúmeros aspectos (e especialmente na vitalidade económica, digo eu que sou do Porto), Lisboa faz aparecer em quem lá está a “síndrome Vitorino” em relação ao resto do país.
2) Em paralelo com os aspectos estritamente racionais, há um efeito emocional positivo na proximidade física entre o “povo” e os governantes que depois se traduz em maior participação cívica, em maior dinamismo económico, etc., etc. (Esta afirmação carecia de alguma justificação adicional, mas agora não vai dar tempo...) Já sei também que a “deslocalização” não irá abranger todo o país, mas mais vale pouco do que nada.
3) Sempre achei que o Governo tenta fazer coisas demais. Mais vale pouco mas bem. Tenho muito receio de grandes planos, especialmente com este Primeiro-Ministro. Prefiro projectos simples (que podem no entanto ser passos intermédios de algo mais ambicioso) com resultados que possam ser avaliados rigorosamente num prazo razoavelmente curto. Ao realizar reuniões fora de Lisboa, o Governo vai ser pressionado a apresentar resultados concretos dessas estadias. Pode ser que assim seja obrigado a adoptar uma postura realista e responsável – o português deixa-se iludir frequentemente por medidas populistas, mas não é eternamente enganado e acaba por ver a luz. ;-)
2004/07/23
Dinheiros públicos
Quero fazer um texto sobre isto mas ainda não tive tempo...
Ficam aqui os apontadores para não me esquecer.
1) Director-geral dos Impostos Pediu Confiança Política de Bagão Félix
2) Casa da Música Custou Três Vezes Mais do Que o Previsto
3) Gestores da Casa da Música ganham salários polémicos
4) Dívida recorde à indústria
Pontos a focar.
a) Afinal para que serve a Lei se ninguém a cumpre? Se não serve muda-se, mas enquanto não se muda tem que ser respeitada. Ou existirá o "direito de não cumprir a Lei" neste caso?
b) Teremos o direito de gastar quase 100 milhões de euros de fundos públicos numa Casa da Música? Não haverá outras prioridades mais urgentes?
c) Que critérios devemos seguir para estabelecer a remuneração dos trabalhadores mais qualificados ao serviço do Estado? Quanto é que o Estado tem o direito de pagar?
d) Se o Estado não dá o exemplo de ter as contas em dia, como promover as boas práticas na sociedade em geral? Que sentido faz manter programas de apoio a tudo e mais alguma coisa quando se despreza o principal incentivo (e obrigação): pagar o que se deve?
Voltamos sempre ao mesmo: a prioridade das prioridades deve ser a Justiça. Só com um sistema judicial eficaz a sociedade poderá funcionar saudavelmente. Não me venham falar na Educação! A reforma da Educação é fundamental mas demora uma geração a produzir efeito e só se consegue fazer quando a Justiça funcionar bem.
Ficam aqui os apontadores para não me esquecer.
1) Director-geral dos Impostos Pediu Confiança Política de Bagão Félix
2) Casa da Música Custou Três Vezes Mais do Que o Previsto
3) Gestores da Casa da Música ganham salários polémicos
4) Dívida recorde à indústria
Pontos a focar.
a) Afinal para que serve a Lei se ninguém a cumpre? Se não serve muda-se, mas enquanto não se muda tem que ser respeitada. Ou existirá o "direito de não cumprir a Lei" neste caso?
b) Teremos o direito de gastar quase 100 milhões de euros de fundos públicos numa Casa da Música? Não haverá outras prioridades mais urgentes?
c) Que critérios devemos seguir para estabelecer a remuneração dos trabalhadores mais qualificados ao serviço do Estado? Quanto é que o Estado tem o direito de pagar?
d) Se o Estado não dá o exemplo de ter as contas em dia, como promover as boas práticas na sociedade em geral? Que sentido faz manter programas de apoio a tudo e mais alguma coisa quando se despreza o principal incentivo (e obrigação): pagar o que se deve?
Voltamos sempre ao mesmo: a prioridade das prioridades deve ser a Justiça. Só com um sistema judicial eficaz a sociedade poderá funcionar saudavelmente. Não me venham falar na Educação! A reforma da Educação é fundamental mas demora uma geração a produzir efeito e só se consegue fazer quando a Justiça funcionar bem.
2004/07/16
Comentários aos comentadores
Escrevem respectivamente Pacheco Pereira e Vital Moreira:
"A crise que nestes dias se revelou, e que já cá estava, é muito pior do que se imagina."
"Pacheco Pereira renuncia ao cargo de representante na UNESCO, para que tinha sido nomeado há pouco tempo pelo Governo cessante. É evidente a ligação desse gesto com a sua posição fortemente crítica em relação ao novo primeiro-ministro, Santana Lopes. A dignidade pessoal e a coerência nos princípios não têm preço. Ainda bem!"
1) Mau mesmo é quando a crise existe mas não se revela claramente.
2) Quem tenta fazer algo em Portugal e não consegue, das duas uma: ou desanima e desiste, ou fica a compreender quais são os problemas e portanto pode tentar soluções.
3) Eu estou a tentar soluções no meu "pequeno mundo" e elas passam por não considerar o meu espaço como sendo apenas Portugal. (Já agora, acho que foi isso que sentiu Durão Barroso e, quem sabe, também António Vitorino.)
4) O gesto de JPP é bonito e nobre (é um bom exemplo de postura pública e dignidade pessoal). Mas parece-me que se baseia num erro de apreciação do contexto, contudo. Continuo a defender, como tenho escrito aqui, que devemos adoptar uma posição mais institucional. Parece-me mal que decisões destas sejam tomadas em função da pessoa concreta que irá estar no papel de Primeiro-Ministro. O que está em causa não pode depender de fulano A ou de fulano B. É de Portugal que estamos a tratar, não é de PSL ou PP. Mais: quer se queira quer não, PSL foi _eleito_, mesmo que indirectamente. Pode-se argumentar (provavelmente bem) que não era isso que o povo queria, mas as regras que nos regulam são essas e chegou-se aqui sem violar objectivamente a Lei. O mundo é imperfeito, aceitemo-lo assim e façamos o melhor que sabemos nestas condições. Isso não é quebrar princípios nem amolecer com inércia. A única razão válida para uma "demissão" nestas circunstâncias seria considerar que o simbolismo desse acto tem o valor de um exemplo de alerta. Respeito-o por isso.
"A crise que nestes dias se revelou, e que já cá estava, é muito pior do que se imagina."
"Pacheco Pereira renuncia ao cargo de representante na UNESCO, para que tinha sido nomeado há pouco tempo pelo Governo cessante. É evidente a ligação desse gesto com a sua posição fortemente crítica em relação ao novo primeiro-ministro, Santana Lopes. A dignidade pessoal e a coerência nos princípios não têm preço. Ainda bem!"
1) Mau mesmo é quando a crise existe mas não se revela claramente.
2) Quem tenta fazer algo em Portugal e não consegue, das duas uma: ou desanima e desiste, ou fica a compreender quais são os problemas e portanto pode tentar soluções.
3) Eu estou a tentar soluções no meu "pequeno mundo" e elas passam por não considerar o meu espaço como sendo apenas Portugal. (Já agora, acho que foi isso que sentiu Durão Barroso e, quem sabe, também António Vitorino.)
4) O gesto de JPP é bonito e nobre (é um bom exemplo de postura pública e dignidade pessoal). Mas parece-me que se baseia num erro de apreciação do contexto, contudo. Continuo a defender, como tenho escrito aqui, que devemos adoptar uma posição mais institucional. Parece-me mal que decisões destas sejam tomadas em função da pessoa concreta que irá estar no papel de Primeiro-Ministro. O que está em causa não pode depender de fulano A ou de fulano B. É de Portugal que estamos a tratar, não é de PSL ou PP. Mais: quer se queira quer não, PSL foi _eleito_, mesmo que indirectamente. Pode-se argumentar (provavelmente bem) que não era isso que o povo queria, mas as regras que nos regulam são essas e chegou-se aqui sem violar objectivamente a Lei. O mundo é imperfeito, aceitemo-lo assim e façamos o melhor que sabemos nestas condições. Isso não é quebrar princípios nem amolecer com inércia. A única razão válida para uma "demissão" nestas circunstâncias seria considerar que o simbolismo desse acto tem o valor de um exemplo de alerta. Respeito-o por isso.
2004/07/14
Mi(ni)stério da Agricultura
Já leram isto?
Proponho que se pense seriamente em reduzir para cerca de 10% (não é em 10% mas para 10%) o número de funcionários públicos ligados ao Ministério da Agricultura.
Uma boa maneira poderá ser, vencidas eventuais dificuldades legais que me ultrapassam, propor aos funcionários que se retirem e constituam empresas privadas com as quais o Ministério estabeleceria à partida contratos pluri-anuais de prestação dos serviços de que necessita. Estou certo de que se poupava dinheiro com esta operação e de que ela seria atractiva para as pessoas em causa, que provavelmente também passariam a ganhar mais. Como "efeito colateral" ter-se-ia fomentado o empreendedorismo sem desperdiçar dinheiro em subsídios e burocracia.
Proponho que se pense seriamente em reduzir para cerca de 10% (não é em 10% mas para 10%) o número de funcionários públicos ligados ao Ministério da Agricultura.
Uma boa maneira poderá ser, vencidas eventuais dificuldades legais que me ultrapassam, propor aos funcionários que se retirem e constituam empresas privadas com as quais o Ministério estabeleceria à partida contratos pluri-anuais de prestação dos serviços de que necessita. Estou certo de que se poupava dinheiro com esta operação e de que ela seria atractiva para as pessoas em causa, que provavelmente também passariam a ganhar mais. Como "efeito colateral" ter-se-ia fomentado o empreendedorismo sem desperdiçar dinheiro em subsídios e burocracia.
2004/07/12
"Bergonha"
Tenho lido com alguma regularidade rumores semelhantes a este que é veiculado hoje pelo JN:
"A reunião servirá também para, à luz da reeleição de Marco António, sem oposição pela segunda vez consecutiva, preparar novas iniciativas. As autárquicas são a maior prioridade e, em especial, Matosinhos, para o qual será criada uma comissão eleitoral.
Aos jornalistas, o líder referiu que "todos, sem excepção, mesmo que venham do PS", estão convidados a participar no projecto. Questionado sobre se o seu apelo abrange Manuel Seabra, não confirmou mas também não desmentiu."
É preciso denunciar esta possibilidade vergonhosa antes que seja tarde demais!
Se esta ideia estiver a ser realmente ponderada pelos dirigentes locais do PSD, é tempo de rolarem cabeças. Onde é que estão os militantes com uma réstia de decência? Só falta convidarem também Narciso Miranda...
Isto é tão aberrante que ainda me resta a esperança de um desmentido, nem que tenha de vir dos órgãos nacionais. Santana Lopes: tem aqui um boa ocasião de tomar uma medida "populista" (mas das boas) e colocar a casa em ordem!
"A reunião servirá também para, à luz da reeleição de Marco António, sem oposição pela segunda vez consecutiva, preparar novas iniciativas. As autárquicas são a maior prioridade e, em especial, Matosinhos, para o qual será criada uma comissão eleitoral.
Aos jornalistas, o líder referiu que "todos, sem excepção, mesmo que venham do PS", estão convidados a participar no projecto. Questionado sobre se o seu apelo abrange Manuel Seabra, não confirmou mas também não desmentiu."
É preciso denunciar esta possibilidade vergonhosa antes que seja tarde demais!
Se esta ideia estiver a ser realmente ponderada pelos dirigentes locais do PSD, é tempo de rolarem cabeças. Onde é que estão os militantes com uma réstia de decência? Só falta convidarem também Narciso Miranda...
Isto é tão aberrante que ainda me resta a esperança de um desmentido, nem que tenha de vir dos órgãos nacionais. Santana Lopes: tem aqui um boa ocasião de tomar uma medida "populista" (mas das boas) e colocar a casa em ordem!
2004/07/07
O que o povo quer
Não posso deixar de achar preocupante a aparente segurança e convicção com que comentadores justamente prestigiados (veja-se o Abrupto ou o Causa Nossa) interpretam o "sentimento do povo".
Vem isto a propósito de que as pessoas supostamente não votam tanto nos partidos, mas mais nos respectivos líderes. E que por isso, mudando o líder, há um conjunto fundamental de pressupostos que mudam. Por exemplo, escreveu Pacheco Pereira:
"E por isso me sinto traído, como aliás muita gente que talvez não o diga com esta clareza. Porque há várias coisas de que eu tenho a certeza. Eu não votei nas últimas legislativas no Governo que aí vem. Eu não votei nas últimas legislativas numa coligação PSD-PP, muito menos num governo PPD-PP. Eu não apoiei Durão Barroso para me sair Santana Lopes. O voto, mesmo para os intelectuais e "comentaristas", como se diz agora com desprezo, não tem nenhuma sofisticação especial. O voto, aliás, tem essa virtude de ser simples e inequívoco, uma escolha. E eu, como muita gente no PSD e no país, nunca fiz a que agora me querem impor. Este é o "golpe de Estado" de que fala Manuela Ferreira Leite. Tem a ver com a substância, não com os estatutos."
É perfeitamente aceitável esta posição. Cada um sabe por que votou. Contudo, já ninguém tem autoridade para saber por que razão "o povo" fez a escolha que fez. Se votou a pensar no partido como um todo ou se foi uma escolha mais individualizada na pessoa do líder. Ou então se o voto nas europeias foi um voto de castigo quanto à política interna. Podemos ter convicções fortes quanto a isso, mas não basta. Não temos certezas absolutas. Não podemos invocar uma interpretação destas para, por exemplo, exigir eleições antecipadas.
Temos de nos habituar a cumprir as regras de convivência em sociedade. Uma dessas regras diz que nas eleições legislativas as pessoas votam em partidos para eleger deputados e que com base no suporte parlamentar e na intervenção do Presidente da República deve ser formado um Governo. Tudo o resto são interpretações subjectivas (mesmo que eventualmente correctas) que não podem substituir a escolha real (certa ou errada) que resultou das eleições.
Sendo assim, independentemente de simpatias políticas ou pessoais, não estou a ver razões para não se aceitar à partida um Governo proposto por uma maioria parlamentar nas circunstâncias actuais.
PS: Esqueci-me de dizer que _eu_ votei num partido e não no respectivo líder (embora naturalmente não me seja indiferente a pessoa em causa). E quando votei nas europeias foi por causa do Parlamento Europeu e não da Assembleia da República. Eu próprio sou por isso um exemplo de que por vezes as pessoas realmente votam naquilo que é suposto votarem e não usam esse direito para passar outra mensagem qualquer. ;-)
Reconheço, como é de Lei, que o Presidente da República tem a capacidade de tomar medidas "radicais" numa situação de gravidade verdadeiramente excepcional que as justifique. Eu não vejo tal gravidade precisamente porque não me atrevo a assumir como correcta a _minha_ interpretação daquilo que os eleitores realmente poderiam querer exprimir com a opção que tomaram. Privilegio neste caso a "letra" e não o suposto "espírito". Por que é que se admite que os portugueses querem "avaliar o desempenho destes dois anos de governação, da equipa que irá cessar funções"? Como é que se sabe que não preferem que termine normalmente a legislatura, uma vez que foi para uma legislatura de 4 anos que votaram?
Vem isto a propósito de que as pessoas supostamente não votam tanto nos partidos, mas mais nos respectivos líderes. E que por isso, mudando o líder, há um conjunto fundamental de pressupostos que mudam. Por exemplo, escreveu Pacheco Pereira:
"E por isso me sinto traído, como aliás muita gente que talvez não o diga com esta clareza. Porque há várias coisas de que eu tenho a certeza. Eu não votei nas últimas legislativas no Governo que aí vem. Eu não votei nas últimas legislativas numa coligação PSD-PP, muito menos num governo PPD-PP. Eu não apoiei Durão Barroso para me sair Santana Lopes. O voto, mesmo para os intelectuais e "comentaristas", como se diz agora com desprezo, não tem nenhuma sofisticação especial. O voto, aliás, tem essa virtude de ser simples e inequívoco, uma escolha. E eu, como muita gente no PSD e no país, nunca fiz a que agora me querem impor. Este é o "golpe de Estado" de que fala Manuela Ferreira Leite. Tem a ver com a substância, não com os estatutos."
É perfeitamente aceitável esta posição. Cada um sabe por que votou. Contudo, já ninguém tem autoridade para saber por que razão "o povo" fez a escolha que fez. Se votou a pensar no partido como um todo ou se foi uma escolha mais individualizada na pessoa do líder. Ou então se o voto nas europeias foi um voto de castigo quanto à política interna. Podemos ter convicções fortes quanto a isso, mas não basta. Não temos certezas absolutas. Não podemos invocar uma interpretação destas para, por exemplo, exigir eleições antecipadas.
Temos de nos habituar a cumprir as regras de convivência em sociedade. Uma dessas regras diz que nas eleições legislativas as pessoas votam em partidos para eleger deputados e que com base no suporte parlamentar e na intervenção do Presidente da República deve ser formado um Governo. Tudo o resto são interpretações subjectivas (mesmo que eventualmente correctas) que não podem substituir a escolha real (certa ou errada) que resultou das eleições.
Sendo assim, independentemente de simpatias políticas ou pessoais, não estou a ver razões para não se aceitar à partida um Governo proposto por uma maioria parlamentar nas circunstâncias actuais.
PS: Esqueci-me de dizer que _eu_ votei num partido e não no respectivo líder (embora naturalmente não me seja indiferente a pessoa em causa). E quando votei nas europeias foi por causa do Parlamento Europeu e não da Assembleia da República. Eu próprio sou por isso um exemplo de que por vezes as pessoas realmente votam naquilo que é suposto votarem e não usam esse direito para passar outra mensagem qualquer. ;-)
Reconheço, como é de Lei, que o Presidente da República tem a capacidade de tomar medidas "radicais" numa situação de gravidade verdadeiramente excepcional que as justifique. Eu não vejo tal gravidade precisamente porque não me atrevo a assumir como correcta a _minha_ interpretação daquilo que os eleitores realmente poderiam querer exprimir com a opção que tomaram. Privilegio neste caso a "letra" e não o suposto "espírito". Por que é que se admite que os portugueses querem "avaliar o desempenho destes dois anos de governação, da equipa que irá cessar funções"? Como é que se sabe que não preferem que termine normalmente a legislatura, uma vez que foi para uma legislatura de 4 anos que votaram?
2004/07/05
O Euro 2004
Raramente vejo futebol.
Gosto, mas tenho outras prioridades para o uso do meu tempo. Nem sequer conheço os jogadores a não ser alguns mais famosos. Pouca gente haverá com menos conhecimento de causa do que eu. Mas aqui vai o meu comentário ao facto de sermos “apenas” vice-campeões da Europa.
Não vi o primeiro Portugal-Grécia.
Só vi pelo canto do olho partes do Portugal-Espanha.
Vi todo o Portugal-Inglaterra e quase todo o Portugal-Holanda.
E vi a final, claro.
Na minha opinião, a final começou a ser perdida na segunda parte do Portugal-Holanda, quando passámos a esquecer a disciplina. Quando alcançámos vantagem e segurávamos o resultado, faltou eficácia. Faltou rigor. Falhámos passes. Chutámos a despachar. Não tínhamos planeamento decente do ataque. Faltou calma, só queríamos que o encontro terminasse e mais nada. Deixámos de querer jogar a sério, desejávamos apenas que o tempo se esgotasse.
Nessa altura funcionou. De facto o tempo acabou e nós ganhámos. Alívio. Mas ficou essa sensação de “alívio”, e não de “isto poderia ter continuado que nós ainda aumentávamos mais a vantagem”. Faltou fibra de campeão.
Tinha esperança que entretanto o problema tivesse sido superado. Não foi, pelos vistos. Faltou a Portugal a disciplina dos Gregos. Faltou mais uma vez a calma. Moderadamente, mas faltou. Não discutirem em campo, nem entre eles nem com o árbitro. Nunca. A entreajuda que mostraram ter frente à Inglaterra. Aceitar a eventualidade de perder, para poder ganhar com serenidade.
Faltou também a Scolari, desta vez, alguma liderança. Não foi isso que nos fez perder, mas foi mais um sintoma do que estava mal. Tirar Miguel logo que se tornou evidente que ele não ia aguentar a lesão, por exemplo, sem esperar que fosse ele a querer sair. Não colocar Deco a jogar, por exemplo. (Já agora, eu que não vejo futebol não percebi com este Europeu por que é que Deco tem a óptima fama que tem. Não é que tenha ficado com uma impressão má, mas também não o vi fazer nada de extraordinário. E, principalmente, pareceu-me pouco consistente, falhava imensos passes. Alguém contou os ataques portugueses que pararam por falhas de Deco?)
Ainda assim, foi uma classificação fantástica e tínhamos melhor equipa do que a Grécia. Mais alguns dias de "treino psicológico" e se calhar voltávamos com o troféu... Mas, sendo verdade que se aprende mais com as derrotas do que com as vitórias e sabendo que o nosso futebol tinha muitos aspectos a melhorar, ficar em segundo é mais educativo do que ficar em primeiro. ;-)
Parabéns Portugal!
Gosto, mas tenho outras prioridades para o uso do meu tempo. Nem sequer conheço os jogadores a não ser alguns mais famosos. Pouca gente haverá com menos conhecimento de causa do que eu. Mas aqui vai o meu comentário ao facto de sermos “apenas” vice-campeões da Europa.
Não vi o primeiro Portugal-Grécia.
Só vi pelo canto do olho partes do Portugal-Espanha.
Vi todo o Portugal-Inglaterra e quase todo o Portugal-Holanda.
E vi a final, claro.
Na minha opinião, a final começou a ser perdida na segunda parte do Portugal-Holanda, quando passámos a esquecer a disciplina. Quando alcançámos vantagem e segurávamos o resultado, faltou eficácia. Faltou rigor. Falhámos passes. Chutámos a despachar. Não tínhamos planeamento decente do ataque. Faltou calma, só queríamos que o encontro terminasse e mais nada. Deixámos de querer jogar a sério, desejávamos apenas que o tempo se esgotasse.
Nessa altura funcionou. De facto o tempo acabou e nós ganhámos. Alívio. Mas ficou essa sensação de “alívio”, e não de “isto poderia ter continuado que nós ainda aumentávamos mais a vantagem”. Faltou fibra de campeão.
Tinha esperança que entretanto o problema tivesse sido superado. Não foi, pelos vistos. Faltou a Portugal a disciplina dos Gregos. Faltou mais uma vez a calma. Moderadamente, mas faltou. Não discutirem em campo, nem entre eles nem com o árbitro. Nunca. A entreajuda que mostraram ter frente à Inglaterra. Aceitar a eventualidade de perder, para poder ganhar com serenidade.
Faltou também a Scolari, desta vez, alguma liderança. Não foi isso que nos fez perder, mas foi mais um sintoma do que estava mal. Tirar Miguel logo que se tornou evidente que ele não ia aguentar a lesão, por exemplo, sem esperar que fosse ele a querer sair. Não colocar Deco a jogar, por exemplo. (Já agora, eu que não vejo futebol não percebi com este Europeu por que é que Deco tem a óptima fama que tem. Não é que tenha ficado com uma impressão má, mas também não o vi fazer nada de extraordinário. E, principalmente, pareceu-me pouco consistente, falhava imensos passes. Alguém contou os ataques portugueses que pararam por falhas de Deco?)
Ainda assim, foi uma classificação fantástica e tínhamos melhor equipa do que a Grécia. Mais alguns dias de "treino psicológico" e se calhar voltávamos com o troféu... Mas, sendo verdade que se aprende mais com as derrotas do que com as vitórias e sabendo que o nosso futebol tinha muitos aspectos a melhorar, ficar em segundo é mais educativo do que ficar em primeiro. ;-)
Parabéns Portugal!
2004/07/02
Três pedidos...
... ao futuro Primeiro-Ministro, seja ele quem for
1) Que faça da Justiça a primeira das prioridades, acima de tudo o resto. Já aqui escrevi que, sem estarem a funcionar saudavelmente as regras de interacção entre os cidadãos e destes com o Estado, é impossível aplicar com eficácia outras reformas.
2) Logo a seguir, que faça o Estado pagar as suas dívidas, agindo como pessoa de bem que cumpre os seus deveres sem esperar por uma ordem do tribunal que a obrigue. Qualquer programa de incentivo à Economia é ridículo quando comparado com o prejuízo que traz ao país um Estado caloteiro.
3) Que faça pouco, mas faça bem. Que acabe com subsídios e iniciativas diversas para apoio a isto e mais aquilo. Que trate apenas do essencial. Que o faça depressa, sem distracções.
1) Que faça da Justiça a primeira das prioridades, acima de tudo o resto. Já aqui escrevi que, sem estarem a funcionar saudavelmente as regras de interacção entre os cidadãos e destes com o Estado, é impossível aplicar com eficácia outras reformas.
2) Logo a seguir, que faça o Estado pagar as suas dívidas, agindo como pessoa de bem que cumpre os seus deveres sem esperar por uma ordem do tribunal que a obrigue. Qualquer programa de incentivo à Economia é ridículo quando comparado com o prejuízo que traz ao país um Estado caloteiro.
3) Que faça pouco, mas faça bem. Que acabe com subsídios e iniciativas diversas para apoio a isto e mais aquilo. Que trate apenas do essencial. Que o faça depressa, sem distracções.
2004/07/01
Barroso, Santana e a confusão geral
A propósito da ida de Durão Barroso para Bruxelas e das consequências da sua decisão.
1) É bom que Durão Barroso assuma esta nova responsabilidade. É bom para ele. É positivo para a Europa (pelo menos em comparação com os outros candidatos ele parece-me uma boa escolha). É uma oportunidade de garantir que os interesses de Portugal ficam mais protegidos por alguém que os conhece bem.
2) É muito mau que o rumo de um país esteja demasiado dependente de qualquer pessoa em particular. É tempo de sermos mais "institucionais": percebermos o valor que deve ser dado aos projectos e às ideias, e só em segunda linha a quem concretamente as vai implementar. Os portugueses só resolvem os seus problemas quando pressionados, talvez este seja o estímulo que faltava para melhorar esta situação... ;-)
Este problema não se criou agora: _manifestou-se_ de forma mais vincada apenas agora. Não é Durão Barroso que o cria, são os portugueses que se furtaram colectivamente às suas responsabilidades de intervenção cívica.
3) Nem Santana Lopes tem perfil para Primeiro-Ministro (fiquemo-nos por aqui) nem é nada bom entrarmos em eleições agora. Mas, das duas alternativas, prefiro a primeira. Ganha-se algum tempo para encontrar uma solução mais definitiva, esperando que entretanto não se estrague muito do que já se alcançou.
4) Estive a consultar "quem é" o PSD. O caso é realmente aflitivo: pouquíssima gente de qualidade! "De qualidade" no sentido de ter perfil para as funções que desempenha num partido político, entenda-se. Até podem ser "muito boas pessoas" e competentes noutras actividades, onde provavelmente estão a fazer mais falta do que no PSD. Pois bem: aqueles que até agora têm estado compreensivelmente afastados da Política (nem sequer tinham com quem conversar, quanto mais fazer Política!) têm agora uma boa ocasião para se organizarem e participarem também, "tomando harmoniosamente de assalto" o PSD. :-) Ou o PS, lá por isso...
5) As manifestações...
É salutar que as pessoas manifestem a sua opinião, mas neste caso as manifestações pró e contra Santana parecem-me simultaneamente despropositadas e contraproducentes.
Despropositadas porque, como escrevi anteriormente, as soluções devem ser institucionais. Há um partido maioritário a quem foi atribuída a responsabilidade de Governo em coligação. Se a pessoa do líder muda, deve haver uma nova pessoa proposta nesse quadro e eventualmente aceite pelo Presidente da República.
Contraproducentes porque dão demasiada importância a quem supostamente não merece confiança suficiente para a missão que alguns lhe querem entregar em Portugal.
Apesar de também ter recebido uma "convocatória", não sei quem promove as ditas manifestações. Mas imagino que muitos dos que participam sejam daqueles que habitualmente não votam, furtando-se às suas responsabilidades como cidadãos. Por um lado colocam-se à margem do sistema e recusam-se a dar a sua contribuição pelos canais que a Democracia lhes fornece. Por outro, vêm-se agora queixar de que o sistema não dá resposta adequada às necessidades do país e por isso só com manifestações isto se resolve...
Aconselho a alternativa mais saudável: empenhem-se no trabalho partidário.
6) O PSD
Sejamos francos: se Santana Lopes assumir o cargo de Primeiro-Ministro é porque o PSD e o país não merecem melhor do que Santana Lopes...
De qualquer modo também não me parece que ter Santana Lopes como primeiro-ministro seja uma tragédia de proporções cósmicas. Afinal o Presidente da República está lá precisamente para limitar asneiras e infantilidades mais dramáticas. E Santana Lopes é bem capaz de surpreender muitos conseguindo uma boa equipa de ministros com uma ajudinha de Durão Barroso. Mais trágico é o facto de o PSD não conseguir ninguém melhor para primeiro-ministro.
1) É bom que Durão Barroso assuma esta nova responsabilidade. É bom para ele. É positivo para a Europa (pelo menos em comparação com os outros candidatos ele parece-me uma boa escolha). É uma oportunidade de garantir que os interesses de Portugal ficam mais protegidos por alguém que os conhece bem.
2) É muito mau que o rumo de um país esteja demasiado dependente de qualquer pessoa em particular. É tempo de sermos mais "institucionais": percebermos o valor que deve ser dado aos projectos e às ideias, e só em segunda linha a quem concretamente as vai implementar. Os portugueses só resolvem os seus problemas quando pressionados, talvez este seja o estímulo que faltava para melhorar esta situação... ;-)
Este problema não se criou agora: _manifestou-se_ de forma mais vincada apenas agora. Não é Durão Barroso que o cria, são os portugueses que se furtaram colectivamente às suas responsabilidades de intervenção cívica.
3) Nem Santana Lopes tem perfil para Primeiro-Ministro (fiquemo-nos por aqui) nem é nada bom entrarmos em eleições agora. Mas, das duas alternativas, prefiro a primeira. Ganha-se algum tempo para encontrar uma solução mais definitiva, esperando que entretanto não se estrague muito do que já se alcançou.
4) Estive a consultar "quem é" o PSD. O caso é realmente aflitivo: pouquíssima gente de qualidade! "De qualidade" no sentido de ter perfil para as funções que desempenha num partido político, entenda-se. Até podem ser "muito boas pessoas" e competentes noutras actividades, onde provavelmente estão a fazer mais falta do que no PSD. Pois bem: aqueles que até agora têm estado compreensivelmente afastados da Política (nem sequer tinham com quem conversar, quanto mais fazer Política!) têm agora uma boa ocasião para se organizarem e participarem também, "tomando harmoniosamente de assalto" o PSD. :-) Ou o PS, lá por isso...
5) As manifestações...
É salutar que as pessoas manifestem a sua opinião, mas neste caso as manifestações pró e contra Santana parecem-me simultaneamente despropositadas e contraproducentes.
Despropositadas porque, como escrevi anteriormente, as soluções devem ser institucionais. Há um partido maioritário a quem foi atribuída a responsabilidade de Governo em coligação. Se a pessoa do líder muda, deve haver uma nova pessoa proposta nesse quadro e eventualmente aceite pelo Presidente da República.
Contraproducentes porque dão demasiada importância a quem supostamente não merece confiança suficiente para a missão que alguns lhe querem entregar em Portugal.
Apesar de também ter recebido uma "convocatória", não sei quem promove as ditas manifestações. Mas imagino que muitos dos que participam sejam daqueles que habitualmente não votam, furtando-se às suas responsabilidades como cidadãos. Por um lado colocam-se à margem do sistema e recusam-se a dar a sua contribuição pelos canais que a Democracia lhes fornece. Por outro, vêm-se agora queixar de que o sistema não dá resposta adequada às necessidades do país e por isso só com manifestações isto se resolve...
Aconselho a alternativa mais saudável: empenhem-se no trabalho partidário.
6) O PSD
Sejamos francos: se Santana Lopes assumir o cargo de Primeiro-Ministro é porque o PSD e o país não merecem melhor do que Santana Lopes...
De qualquer modo também não me parece que ter Santana Lopes como primeiro-ministro seja uma tragédia de proporções cósmicas. Afinal o Presidente da República está lá precisamente para limitar asneiras e infantilidades mais dramáticas. E Santana Lopes é bem capaz de surpreender muitos conseguindo uma boa equipa de ministros com uma ajudinha de Durão Barroso. Mais trágico é o facto de o PSD não conseguir ninguém melhor para primeiro-ministro.
Barbaridades várias
Escrevi há meses um artigo que apresentei no Encontro "Porto Cidade Região".
Disse lá barbaridades como:
- a Educação não deve ser a prioridade máxima para o país;
- a Inovação não deve ser vista como o caminho para o desenvolvimento;
- não se deve incentivar a criação de novas empresas em Portugal.
Está aqui uma versão em PDF:
"Os Empreendedores, a Cultura e a Ética: erros sistemáticos e novos caminhos".
Para noites de insónia. :-)
Disse lá barbaridades como:
- a Educação não deve ser a prioridade máxima para o país;
- a Inovação não deve ser vista como o caminho para o desenvolvimento;
- não se deve incentivar a criação de novas empresas em Portugal.
Está aqui uma versão em PDF:
"Os Empreendedores, a Cultura e a Ética: erros sistemáticos e novos caminhos".
Para noites de insónia. :-)
As Patentes de Software
Enviei este texto em Julho de 2003 para o fórum que existiu no INPI sobre este assunto.
----
De forma relativamente informal mas com preocupação em sistematizar o raciocínio, eis a minha contribuição para a reflexão sobre as Patentes de Software.
1) Ao debater este assunto importa salientar primeiro um ponto prévio crucial: a posição desfavorável ao aparecimento de patentes de software NÃO está ligada às questões levantadas pela existência de software livre.
Embora haja impacto importante também neste aspecto, os maiores inconvenientes seriam até para quem produz software comercial, especialmente se as empresas tiverem dimensão reduzida. É completamente errado dizer que se trata de "software livre" contra "software comercial".
2) Quem efectivamente programa sabe bem qual o impacto da eventual existência de patentes nesta área e compreende que há uma impossibilidade prática de delimitar inequivocamente o âmbito daquilo que é patenteável, tal como pretenderia o legislador. Cair-se-ia assim na situação de verdadeiro pesadelo que existe nos Estados Unidos, a meu ver em parte significativa responsável pelo "rebentar da bolha" da "Era Internet" dado o volume de recursos desperdiçado em batalhas jurídicas e em contornar as dificuldades técnicas surgidas ao tentar evitar violar patentes já registadas.
O problema não seria tanto quando se patenteasse um método/sistema completo para resolver um assunto muito específico qualquer, mas sim quando se patenteassem as ferramentas básicas (os "building blocks") que são aplicadas em inúmeras situações. Ao contrário de uma patente normal, em que se protege uma implementação específica de algo, aqui estava-se a limitar o acesso à própria "ferramenta mental", e não ao resultado do seu uso. Por isso é que o conhecimento científico não é patenteável, por exemplo.
3) Uma patente não pretende impedir a imitação. A imitação sempre existiu e é até um factor de desenvolvimento. O que pretende impedir é a cópia descarada, o roubo puro e simples do investimento alheio. É isso que se passa em todas as áreas que não o software.
Para impedir a "cópia" no sentido explicado acima, existem duas ferramentas: as patentes e o copyright.
Há situações em que faz mais sentido o copyright (literatura, música, etc.). Não se pretende proteger o método de construir um texto, por exemplo, mas sim o próprio texto.
Noutros casos o que foi importante na implementação foi a tecnologia utilizada naquela solução concreta, e não tanto se ela é azul ou amarela, quadrada ou oval. Para proteger a capacidade do implementador de rentabilizar o seu esforço, o importante é então patentear essa tecnologia. Contudo, aqui estamos a falar do resultado concreto do raciocínio humano (a tecnologia), e não do próprio raciocínio, como seria o caso do software se fosse patenteado, em vez de ter o código (o resultado) sujeito a copyright.
4) Dada a própria natureza do software (o que é que é "raciocínio", o que é que é "implementação"?...) é impossível estabelecer limites não ambíguos ao que seria patenteável.
5) Em alguns aspectos esta lógica também se poderia aplicar a todas as outras patentes, tornando o caso parcialmente semelhante ao do software. O mundo tem vivido razoavelmente bem com as patentes para outras coisas, mesmo que por vezes também se levantem problemas de ambiguidade. Mas a dimensão do problema é relativamente reduzida e é tratável. Com o software a margem de incerteza é muitíssimo maior e não há meios práticos de resolver o problema. As dificuldades legais são tais que os recursos para as resolver só estão disponíveis aos "grandes", impedindo totalmente na prática os "pequenos" de se defenderem. Nestas circunstâncias, é preferível aceitar uma situação de maior liberdade de "imitação", em vez de limitar o mercado a quem tem recursos poderosíssimos para impor a sua vontade.
6) Esta é uma oportunidade de salientar as diferenças positivas da Europa em relação aos Estados Unidos, mantendo um enquadramento mais sensato em termos económicos e em simultâneo mais solidário com os países menos desenvolvidos. Uma decisão menos correcta relativamente a este assunto será de enorme gravidade pois provocará efeitos negativos a nível de Economia, Justiça Social e Liberdade.
----
De forma relativamente informal mas com preocupação em sistematizar o raciocínio, eis a minha contribuição para a reflexão sobre as Patentes de Software.
1) Ao debater este assunto importa salientar primeiro um ponto prévio crucial: a posição desfavorável ao aparecimento de patentes de software NÃO está ligada às questões levantadas pela existência de software livre.
Embora haja impacto importante também neste aspecto, os maiores inconvenientes seriam até para quem produz software comercial, especialmente se as empresas tiverem dimensão reduzida. É completamente errado dizer que se trata de "software livre" contra "software comercial".
2) Quem efectivamente programa sabe bem qual o impacto da eventual existência de patentes nesta área e compreende que há uma impossibilidade prática de delimitar inequivocamente o âmbito daquilo que é patenteável, tal como pretenderia o legislador. Cair-se-ia assim na situação de verdadeiro pesadelo que existe nos Estados Unidos, a meu ver em parte significativa responsável pelo "rebentar da bolha" da "Era Internet" dado o volume de recursos desperdiçado em batalhas jurídicas e em contornar as dificuldades técnicas surgidas ao tentar evitar violar patentes já registadas.
O problema não seria tanto quando se patenteasse um método/sistema completo para resolver um assunto muito específico qualquer, mas sim quando se patenteassem as ferramentas básicas (os "building blocks") que são aplicadas em inúmeras situações. Ao contrário de uma patente normal, em que se protege uma implementação específica de algo, aqui estava-se a limitar o acesso à própria "ferramenta mental", e não ao resultado do seu uso. Por isso é que o conhecimento científico não é patenteável, por exemplo.
3) Uma patente não pretende impedir a imitação. A imitação sempre existiu e é até um factor de desenvolvimento. O que pretende impedir é a cópia descarada, o roubo puro e simples do investimento alheio. É isso que se passa em todas as áreas que não o software.
Para impedir a "cópia" no sentido explicado acima, existem duas ferramentas: as patentes e o copyright.
Há situações em que faz mais sentido o copyright (literatura, música, etc.). Não se pretende proteger o método de construir um texto, por exemplo, mas sim o próprio texto.
Noutros casos o que foi importante na implementação foi a tecnologia utilizada naquela solução concreta, e não tanto se ela é azul ou amarela, quadrada ou oval. Para proteger a capacidade do implementador de rentabilizar o seu esforço, o importante é então patentear essa tecnologia. Contudo, aqui estamos a falar do resultado concreto do raciocínio humano (a tecnologia), e não do próprio raciocínio, como seria o caso do software se fosse patenteado, em vez de ter o código (o resultado) sujeito a copyright.
4) Dada a própria natureza do software (o que é que é "raciocínio", o que é que é "implementação"?...) é impossível estabelecer limites não ambíguos ao que seria patenteável.
5) Em alguns aspectos esta lógica também se poderia aplicar a todas as outras patentes, tornando o caso parcialmente semelhante ao do software. O mundo tem vivido razoavelmente bem com as patentes para outras coisas, mesmo que por vezes também se levantem problemas de ambiguidade. Mas a dimensão do problema é relativamente reduzida e é tratável. Com o software a margem de incerteza é muitíssimo maior e não há meios práticos de resolver o problema. As dificuldades legais são tais que os recursos para as resolver só estão disponíveis aos "grandes", impedindo totalmente na prática os "pequenos" de se defenderem. Nestas circunstâncias, é preferível aceitar uma situação de maior liberdade de "imitação", em vez de limitar o mercado a quem tem recursos poderosíssimos para impor a sua vontade.
6) Esta é uma oportunidade de salientar as diferenças positivas da Europa em relação aos Estados Unidos, mantendo um enquadramento mais sensato em termos económicos e em simultâneo mais solidário com os países menos desenvolvidos. Uma decisão menos correcta relativamente a este assunto será de enorme gravidade pois provocará efeitos negativos a nível de Economia, Justiça Social e Liberdade.
2004/06/30
O que é isto
Hei-de aqui explicar o que isto é...
Para já fica só uma breve nota preliminar.
Resolvi começar a reunir de forma mais organizada alguns pequenos textos que vou fazendo sobre os mais diversos assuntos, normalmente como resposta a mails que me enviam, ou posts em blogs/fóruns como o Abrupto ou o Gildot, por exemplo.
Não me vou preocupar excessivamente com a qualidade da redacção porque senão esgota-se o tempo e acabo por não escrever nada... Tentarei contudo não deixar degradar muito o português.
Para já fica só uma breve nota preliminar.
Resolvi começar a reunir de forma mais organizada alguns pequenos textos que vou fazendo sobre os mais diversos assuntos, normalmente como resposta a mails que me enviam, ou posts em blogs/fóruns como o Abrupto ou o Gildot, por exemplo.
Não me vou preocupar excessivamente com a qualidade da redacção porque senão esgota-se o tempo e acabo por não escrever nada... Tentarei contudo não deixar degradar muito o português.
Subscrever:
Mensagens (Atom)