O próximo ano vai ser bom. Vamos ter mais falências, quem não ficar desempregado passará a ganhar menos, perderemos terreno face ao resto da Europa
O próximo ano vai ser bom. Terminámos 2010 a esbanjar os últimos cêntimos em compras de Natal. Excelente! Iniciaremos 2011 limpos, sem dinheiro para vícios. Vamos ter mais falências, quem não ficar desempregado passará a ganhar menos, perderemos terreno face ao resto da Europa. Isso é saudável, pois finalmente não conseguiremos escapar aos remédios que a nossa inconsciência colectiva tornou indispensáveis. Abandonaremos a patetice da “homeopatia política”, medida aqui, medida ali, sempre em doses ínfimas totalmente ineficazes, administradas por um Governo tão zombie como nós.
Quando o PSD com Passos Coelho inevitavelmente tomar o poder, vai ter de separar “Estado” e “País”. O controlo do Estado será recuperado através da redução das áreas de actuação até estar razoavelmente domado, concentrando-se no essencial das suas funções inalienáveis (como garantir condições mínimas de sobrevivência a quem a economia desamparar, por muito que pese a todos os outros). O País, ao contrário, tem de ser libertado do Estado que o tolhe e de si próprio que se deixa adormecer.
Portugal precisa de ser acordado à força. Não é com um salário mínimo de 500 euros que se dá um abanão. Recomendo aumentá-lo talvez para 600 euros em um ou dois anos, iniciando uma convergência gradual com o dos nossos vizinhos europeus, para acelerar o ritmo de falência daquelas empresas que se arrastam à custa de mão-de-obra barata e frequentemente sem qualificações. Essas deverão morrer para que possam mais rapidamente nascer outras saudáveis. O custo social desse processo, muito oneroso também para o Estado, é tanto menor quanto mais depressa ele se desenrolar. De altas taxas de desemprego já ninguém nos livra. Resta-nos agora fazer com que elas venham cedo e cedo sejam tratadas.
Bom ano de 2011!
(publicado no JN de 2010/12/30)
2010/12/31
2010/12/17
Wiki-chiliques
As reacções dos Estados desmascarados pelas iniciativas da Wikileaks demonstram quão podres são as elites que exercem o poder em nosso nome
Raramente se revela de forma tão evidente o equilíbrio precário em que as democracias ocidentais vivem. As reacções dos Estados desmascarados pelas iniciativas da Wikileaks demonstram quão podres são as elites que exercem o poder em nosso nome. O caso, de tão simples, assusta.
1) Têm sido divulgadas pela Wikileaks provas de actividades de duvidosa ética ou mesmo criminosas, conhecidas e nalguns casos promovidas por Estados supostamente “decentes”.
2) Os meios usados pelas fontes para passar estas informações foram irregulares mas, atendendo à sua natureza e ao claríssimo interesse público de muitas delas, condenável seria não agir.
3) A Wikileaks, pelo seu líder Julian Assange, seguirá uma agenda anti-americana. Terá sido irresponsável por não filtrar os dados que colocassem pessoas em perigo ou fossem irrelevantes para os altos valores que afirma defender. É possível. Tudo isto justifica então procedimentos mais elaborados como os que propõe a nova organização Openleaks: entregar o que recebe das fontes anónimas a meios de comunicação social por elas escolhidos para tratamento jornalístico, em vez de divulgar directamente.
4) Países que julgávamos terem uma estrutura judicial madura, como a Suécia e a Grã-Bretanha, são afinal terrivelmente permeáveis a pressões políticas. É inaceitável a perseguição feita a Julian Assange sob pretexto de uma acusação banal de duas senhoras suecas arrependidas de partilhar lençóis com quem conheciam há apenas poucas horas.
5) Se tudo isto não originar um terramoto com origem na sociedade civil, bem mereceremos a triste situação dos países que até agora classificávamos como pouco respeitadores dos direitos humanos, até fundamentalistas. Contudo, não nos sentiremos privados da liberdade, pois afinal nunca a teremos verdadeiramente desejado.
(publicado no JN de 2010/12/16)
Raramente se revela de forma tão evidente o equilíbrio precário em que as democracias ocidentais vivem. As reacções dos Estados desmascarados pelas iniciativas da Wikileaks demonstram quão podres são as elites que exercem o poder em nosso nome. O caso, de tão simples, assusta.
1) Têm sido divulgadas pela Wikileaks provas de actividades de duvidosa ética ou mesmo criminosas, conhecidas e nalguns casos promovidas por Estados supostamente “decentes”.
2) Os meios usados pelas fontes para passar estas informações foram irregulares mas, atendendo à sua natureza e ao claríssimo interesse público de muitas delas, condenável seria não agir.
3) A Wikileaks, pelo seu líder Julian Assange, seguirá uma agenda anti-americana. Terá sido irresponsável por não filtrar os dados que colocassem pessoas em perigo ou fossem irrelevantes para os altos valores que afirma defender. É possível. Tudo isto justifica então procedimentos mais elaborados como os que propõe a nova organização Openleaks: entregar o que recebe das fontes anónimas a meios de comunicação social por elas escolhidos para tratamento jornalístico, em vez de divulgar directamente.
4) Países que julgávamos terem uma estrutura judicial madura, como a Suécia e a Grã-Bretanha, são afinal terrivelmente permeáveis a pressões políticas. É inaceitável a perseguição feita a Julian Assange sob pretexto de uma acusação banal de duas senhoras suecas arrependidas de partilhar lençóis com quem conheciam há apenas poucas horas.
5) Se tudo isto não originar um terramoto com origem na sociedade civil, bem mereceremos a triste situação dos países que até agora classificávamos como pouco respeitadores dos direitos humanos, até fundamentalistas. Contudo, não nos sentiremos privados da liberdade, pois afinal nunca a teremos verdadeiramente desejado.
(publicado no JN de 2010/12/16)
2010/12/03
Desorientação criativa
Para ser útil, bastaria à ADDICT seleccionar alguns projectos que não tenham avançado e descobrir como ultrapassar as barreiras que encontraram
A ADDICT - Agência para o Desenvolvimento das Indústrias Criativas, criada em 2008 por universidades, fundações, CCDRN, etc., carece ela própria de uma injecção de criatividade. Os seus recursos humanos perdem-se no pesadelo da candidatura a programas de financiamento, insistindo nesta tragédia nacional que nos impede de gerar riqueza.
Uma agência destas só faz sentido se o “cluster” que pretende ajudar tiver grande impacto (ao menos potencial) na economia, explorando propriedade intelectual. Contudo, a ADDICT optou por restringir o seu interesse às actividades que quando muito proporcionam “copyright”, excluindo as que são rentabilizadas por registo de patentes. Troca engenharia, biotecnologia, ciências da saúde ou do mar, por “animação de bairro”, “intervenção em espaços públicos”, “festivais” e “eventos”. E propõe-se organizar conferências de especialistas em animação de bairro, intervenção em espaços públicos, festivais e eventos.
A criatividade tem de ser usada para gerar muito valor acrescentado e lucros relevantes. Para ser verdadeiramente útil, bastaria à ADDICT seleccionar alguns projectos de “indústrias criativas” que não tenham avançado apesar de parecerem válidos, analisá-los profundamente, e com os seus promotores descobrir como ultrapassar as barreiras que encontraram. Deveria também actuar como “broker” de capital estrangeiro pois, por mais milhões portugueses que se anunciem, o certo é que os investidores locais recusam financiamento a projectos que lhes são apresentados, não porque eles sejam maus, não porque não haja dinheiro disponível, mas apenas porque não se enquadram no respectivo "perfil de portfólio". Desperdiçam-se assim oportunidades sem que o país consiga encontrar meios alternativos de utilizar essa energia de que tão desesperadamente precisa.
(publicado no JN de 2010/12/02)
A ADDICT - Agência para o Desenvolvimento das Indústrias Criativas, criada em 2008 por universidades, fundações, CCDRN, etc., carece ela própria de uma injecção de criatividade. Os seus recursos humanos perdem-se no pesadelo da candidatura a programas de financiamento, insistindo nesta tragédia nacional que nos impede de gerar riqueza.
Uma agência destas só faz sentido se o “cluster” que pretende ajudar tiver grande impacto (ao menos potencial) na economia, explorando propriedade intelectual. Contudo, a ADDICT optou por restringir o seu interesse às actividades que quando muito proporcionam “copyright”, excluindo as que são rentabilizadas por registo de patentes. Troca engenharia, biotecnologia, ciências da saúde ou do mar, por “animação de bairro”, “intervenção em espaços públicos”, “festivais” e “eventos”. E propõe-se organizar conferências de especialistas em animação de bairro, intervenção em espaços públicos, festivais e eventos.
A criatividade tem de ser usada para gerar muito valor acrescentado e lucros relevantes. Para ser verdadeiramente útil, bastaria à ADDICT seleccionar alguns projectos de “indústrias criativas” que não tenham avançado apesar de parecerem válidos, analisá-los profundamente, e com os seus promotores descobrir como ultrapassar as barreiras que encontraram. Deveria também actuar como “broker” de capital estrangeiro pois, por mais milhões portugueses que se anunciem, o certo é que os investidores locais recusam financiamento a projectos que lhes são apresentados, não porque eles sejam maus, não porque não haja dinheiro disponível, mas apenas porque não se enquadram no respectivo "perfil de portfólio". Desperdiçam-se assim oportunidades sem que o país consiga encontrar meios alternativos de utilizar essa energia de que tão desesperadamente precisa.
(publicado no JN de 2010/12/02)
2010/11/19
Venham os chineses!
Se o Estado, ou alguma entidade financiada por fundos públicos, irresponsavelmente me oferecesse um salário "escandaloso", eu aceitava
Há tempos contava-me uma residente do centro histórico do Porto, transbordando orgulho, como ela e o marido tinham conseguido melhorar a sua casa à custa de “muita pedrinha roubada” a umas obras da câmara que decorriam perto. Fizeram eles bem – não tinham outros recursos e aplicaram com sensatez aqueles que conseguiram de forma pouco convencional. A gestão que a Administração Pública faz dos nossos impostos é em geral tão má que só mesmo com esta revolta civil se conseguirá inverter o rumo.
É por isso que se o Estado, ou alguma entidade financiada por fundos públicos, irresponsavelmente me oferecesse um salário "escandaloso", eu aceitava. E aceitava não apenas sem remorsos, mas por sentido de dever. Tenho a certeza de que esse dinheiro seria utilizado com mais eficácia em benefício público na minha mão do que na do Estado. Do ponto de vista ético, aquilo que realmente me interessaria era usar bem os recursos que, legalmente, tivesse conquistado.
No passado fim de semana morreu um bombeiro na derrocada de um edifício degradado no Porto. Não adianta nada vir agora com a lengalenga das culpas da câmara, do Estado, da lei das rendas, da crise, etc. A verdade é que há quem tenha meios para investir e não o faça. Era possível resolver a situação transformando o problema num bom negócio compatível com os interesses da população local, mas a inércia da nossa iniciativa privada é enorme. O país só será sustentável se conseguir conciliar economia, ambiente e justiça social. Se os portugueses não assumem as suas responsabilidades, enquanto se entretêm a tentar sugar incentivos ao QREN disfarçados de capital de risco (quantos dos inúmeros fundos anunciados estão verdadeiramente activos a aplicar capitais próprios?), outros aproveitarão as oportunidades que estamos a desperdiçar.
(publicado no JN de 2010/11/18)
Há tempos contava-me uma residente do centro histórico do Porto, transbordando orgulho, como ela e o marido tinham conseguido melhorar a sua casa à custa de “muita pedrinha roubada” a umas obras da câmara que decorriam perto. Fizeram eles bem – não tinham outros recursos e aplicaram com sensatez aqueles que conseguiram de forma pouco convencional. A gestão que a Administração Pública faz dos nossos impostos é em geral tão má que só mesmo com esta revolta civil se conseguirá inverter o rumo.
É por isso que se o Estado, ou alguma entidade financiada por fundos públicos, irresponsavelmente me oferecesse um salário "escandaloso", eu aceitava. E aceitava não apenas sem remorsos, mas por sentido de dever. Tenho a certeza de que esse dinheiro seria utilizado com mais eficácia em benefício público na minha mão do que na do Estado. Do ponto de vista ético, aquilo que realmente me interessaria era usar bem os recursos que, legalmente, tivesse conquistado.
No passado fim de semana morreu um bombeiro na derrocada de um edifício degradado no Porto. Não adianta nada vir agora com a lengalenga das culpas da câmara, do Estado, da lei das rendas, da crise, etc. A verdade é que há quem tenha meios para investir e não o faça. Era possível resolver a situação transformando o problema num bom negócio compatível com os interesses da população local, mas a inércia da nossa iniciativa privada é enorme. O país só será sustentável se conseguir conciliar economia, ambiente e justiça social. Se os portugueses não assumem as suas responsabilidades, enquanto se entretêm a tentar sugar incentivos ao QREN disfarçados de capital de risco (quantos dos inúmeros fundos anunciados estão verdadeiramente activos a aplicar capitais próprios?), outros aproveitarão as oportunidades que estamos a desperdiçar.
(publicado no JN de 2010/11/18)
2010/11/05
Eu não sou eu
Tenho contactado com “velhos pobres” e, na esmagadora maioria dos casos, a situação deles é bem pior do que a dos “novos”
1) Os acontecimentos políticos recentes e a consequente reacção popular lembraram-me aquela anedota absurda do suicida que, antes de se lançar da ponte, gritava “eu não sou eu!” e, quando foram recolher o cadáver, verificaram que de facto não era ele mas sim o primo. É o ex-primeiro-ministro e candidato presidencial a segundo mandato que vê “com muita apreensão o desprestígio da classe política”. É o comentador convicto da urgência de um entendimento entre PS e PSD para combate à crise ao mesmo tempo que reconhece serem inconciliáveis as políticas em causa. É o primeiro-ministro que insiste no cumprimento do défice depois de se ter sistematicamente desleixado nos anos anteriores. É o cidadão anónimo que se queixa do Governo mas, teimoso, contribui para as vitórias do partido que o sustenta. Neste ambiente não admira que Passos Coelho, desejando manter uma saudável democracia interna no PSD, aceitasse um acordo para o Orçamento de Estado. Os militantes do PSD, tal como os restantes portugueses, querem ser enganados pelo Governo escolhendo um “mal menor” que será sempre “mal” mas dificilmente “menor”. Havia dúvidas? Lá veio Sócrates insistir no TGV.
2) Arriscando generalizações injustas, fico sempre de pé atrás quando me falam em “novos pobres”. Tenho contactado com “velhos pobres” e, na esmagadora maioria dos casos, a situação deles é bem pior do que a dos “novos”. Leio notícias de quem recorre a apoio alimentar mas ainda tem carro à porta e usufrui de uma boa casa, e apetece-me trocá-los de situação com os “velhos”. A queda brusca de poder de compra será traumatizante, mas a tolerância para o habitual choradinho das dificuldades financeiras por ausência de cortes radicais nas despesas começa a ser revoltante para quem vive em situação realmente má e continua abandonado.
(publicado no JN de 2010/11/04)
1) Os acontecimentos políticos recentes e a consequente reacção popular lembraram-me aquela anedota absurda do suicida que, antes de se lançar da ponte, gritava “eu não sou eu!” e, quando foram recolher o cadáver, verificaram que de facto não era ele mas sim o primo. É o ex-primeiro-ministro e candidato presidencial a segundo mandato que vê “com muita apreensão o desprestígio da classe política”. É o comentador convicto da urgência de um entendimento entre PS e PSD para combate à crise ao mesmo tempo que reconhece serem inconciliáveis as políticas em causa. É o primeiro-ministro que insiste no cumprimento do défice depois de se ter sistematicamente desleixado nos anos anteriores. É o cidadão anónimo que se queixa do Governo mas, teimoso, contribui para as vitórias do partido que o sustenta. Neste ambiente não admira que Passos Coelho, desejando manter uma saudável democracia interna no PSD, aceitasse um acordo para o Orçamento de Estado. Os militantes do PSD, tal como os restantes portugueses, querem ser enganados pelo Governo escolhendo um “mal menor” que será sempre “mal” mas dificilmente “menor”. Havia dúvidas? Lá veio Sócrates insistir no TGV.
2) Arriscando generalizações injustas, fico sempre de pé atrás quando me falam em “novos pobres”. Tenho contactado com “velhos pobres” e, na esmagadora maioria dos casos, a situação deles é bem pior do que a dos “novos”. Leio notícias de quem recorre a apoio alimentar mas ainda tem carro à porta e usufrui de uma boa casa, e apetece-me trocá-los de situação com os “velhos”. A queda brusca de poder de compra será traumatizante, mas a tolerância para o habitual choradinho das dificuldades financeiras por ausência de cortes radicais nas despesas começa a ser revoltante para quem vive em situação realmente má e continua abandonado.
(publicado no JN de 2010/11/04)
2010/10/22
tiago.fernandes@gmail.com
Transformar cada português num micro-empresário é uma fantasia que gera empresas sem dimensão mínima sustentável
Este país em que tantos teimam na viabilização de um Orçamento de Estado que eles próprios consideram mau, irá deparar-se com a mesma situação revista e aumentada se persistir no erro de confiar neste Governo e nos especialistas do costume, que sugerem remédios mas em devido tempo não evitaram a doença. Contudo, se se organizar devidamente, a iniciativa privada poderá trazer grande desenvolvimento mesmo dispondo apenas de recursos limitados quando comparados com os desperdícios públicos.
Transformar cada português num micro-empresário é uma fantasia que gera empresas sem dimensão mínima sustentável e para a qual a generalidade das pessoas não tem vocação. Se excepcionalmente há nichos de mercado que se exploram com sucesso (por exemplo a oferta de alguns produtos de luxo para o mercado externo, numa estratégia se calhar inspirada em Robin Hood), a crise é a altura adequada para promover a racionalização da oferta destinada ao cidadão comum, cada vez com menor capacidade de consumo e de endividamento. As agora inúmeras iniciativas de fomento do empreendedorismo dão alguma formação aos promotores mas falham sistematicamente na componente de angariação de investidores com capital próprio. Falta mesmo a “massa crítica”...
Neste contexto, insisto no excepcional potencial social e económico da reabilitação do miolo das cidades, tendo como destino o arrendamento. Se queremos alcançar bons resultados, devemos associar-nos para agregar competências complementares. Aplico a receita a mim próprio: conheço bem o centro do Porto e continuamente me perguntam por locais para lá residir ou trabalhar. Por isso, se têm capital para investir na criação conjunta de projectos mais sólidos e mais bem remunerados do que aquilo que os bancos hoje em dia propõem, contactem-me. Contactem-me mesmo.
(publicado no JN de 2010/10/21)
Este país em que tantos teimam na viabilização de um Orçamento de Estado que eles próprios consideram mau, irá deparar-se com a mesma situação revista e aumentada se persistir no erro de confiar neste Governo e nos especialistas do costume, que sugerem remédios mas em devido tempo não evitaram a doença. Contudo, se se organizar devidamente, a iniciativa privada poderá trazer grande desenvolvimento mesmo dispondo apenas de recursos limitados quando comparados com os desperdícios públicos.
Transformar cada português num micro-empresário é uma fantasia que gera empresas sem dimensão mínima sustentável e para a qual a generalidade das pessoas não tem vocação. Se excepcionalmente há nichos de mercado que se exploram com sucesso (por exemplo a oferta de alguns produtos de luxo para o mercado externo, numa estratégia se calhar inspirada em Robin Hood), a crise é a altura adequada para promover a racionalização da oferta destinada ao cidadão comum, cada vez com menor capacidade de consumo e de endividamento. As agora inúmeras iniciativas de fomento do empreendedorismo dão alguma formação aos promotores mas falham sistematicamente na componente de angariação de investidores com capital próprio. Falta mesmo a “massa crítica”...
Neste contexto, insisto no excepcional potencial social e económico da reabilitação do miolo das cidades, tendo como destino o arrendamento. Se queremos alcançar bons resultados, devemos associar-nos para agregar competências complementares. Aplico a receita a mim próprio: conheço bem o centro do Porto e continuamente me perguntam por locais para lá residir ou trabalhar. Por isso, se têm capital para investir na criação conjunta de projectos mais sólidos e mais bem remunerados do que aquilo que os bancos hoje em dia propõem, contactem-me. Contactem-me mesmo.
(publicado no JN de 2010/10/21)
2010/10/08
Eles vão mudar de casa
Dizem que é um apartamento no Centro Histórico. Que vou ser vizinha do Bispo, dos traficantes da Bainharia e do Mercado de São Sebastião.
Comecei a desconfiar quando eles desarrumaram tudo. Livros no chão, móveis desmontados, idas ao Ikea, tralhas no carro ao fim de semana. Fiquei preocupada quando chegou a encomenda de um saco para transporte de gatos e ele me convidou a experimentá-lo “para me ir habituando” e me avisou de que passaria a viajar de metro. Mas enfim, se ele e ela se meteram em mudanças...
Dizem que é um apartamento no Centro Histórico. Que se chega lá por escadas, que me vou divertir na janela a ver gaivotas, barcos no Douro, turistas a fotografar da ponte com inveja por haver gente a morar num sítio daqueles. Que vou conhecer cheiros novos, sentir o vento soprar mais forte e ouvir ao fundo, lá em baixo, a animação na Ribeira. Que vou ser vizinha do Bispo, dos traficantes da Bainharia e do Mercado de São Sebastião.
Espantou-me tal novidade ante a ameaça de sermos roubados pelo Estado com mais e mais impostos, mas afinal eles até poupam porque ainda apanharam o tempo em que os bancos julgavam ser sólidos. Créditos a spread baixo, para 100% ou mais do valor da habitação, secaram o financiamento a outros negócios que não fossem garantidos pela hipoteca de um imóvel supostamente “seguro”. Os bancos continuam sem saber calcular o risco com base no perfil concreto do cliente e nas características específicas da operação que propõe, não apenas nos números que um funcionário despeja no computador sem perceber que cada crédito é diferente. Se o país se afundar, o sector financeiro também não irá escapar...
Eles agora procuram investidores privados (os bancos estão noutra onda) para novas (tantas!) oportunidades de reabilitação destinada a arrendamento no Centro Histórico do Porto. O metro é bom, mas uma gata prefere passeios curtos. Quanto mais amigos e família morarem nas redondezas, melhor.
(publicado no JN de 2010/10/07)
Comecei a desconfiar quando eles desarrumaram tudo. Livros no chão, móveis desmontados, idas ao Ikea, tralhas no carro ao fim de semana. Fiquei preocupada quando chegou a encomenda de um saco para transporte de gatos e ele me convidou a experimentá-lo “para me ir habituando” e me avisou de que passaria a viajar de metro. Mas enfim, se ele e ela se meteram em mudanças...
Dizem que é um apartamento no Centro Histórico. Que se chega lá por escadas, que me vou divertir na janela a ver gaivotas, barcos no Douro, turistas a fotografar da ponte com inveja por haver gente a morar num sítio daqueles. Que vou conhecer cheiros novos, sentir o vento soprar mais forte e ouvir ao fundo, lá em baixo, a animação na Ribeira. Que vou ser vizinha do Bispo, dos traficantes da Bainharia e do Mercado de São Sebastião.
Espantou-me tal novidade ante a ameaça de sermos roubados pelo Estado com mais e mais impostos, mas afinal eles até poupam porque ainda apanharam o tempo em que os bancos julgavam ser sólidos. Créditos a spread baixo, para 100% ou mais do valor da habitação, secaram o financiamento a outros negócios que não fossem garantidos pela hipoteca de um imóvel supostamente “seguro”. Os bancos continuam sem saber calcular o risco com base no perfil concreto do cliente e nas características específicas da operação que propõe, não apenas nos números que um funcionário despeja no computador sem perceber que cada crédito é diferente. Se o país se afundar, o sector financeiro também não irá escapar...
Eles agora procuram investidores privados (os bancos estão noutra onda) para novas (tantas!) oportunidades de reabilitação destinada a arrendamento no Centro Histórico do Porto. O metro é bom, mas uma gata prefere passeios curtos. Quanto mais amigos e família morarem nas redondezas, melhor.
(publicado no JN de 2010/10/07)
2010/09/24
Roubaram-me a bicicleta
Está certa alguma esquerda quando diz que os salários devem subir apesar da crise, o que ajudará a acelerar o fecho das empresas inviáveis como defende alguma direita sensata
Há cada vez menos diferença entre quem é de esquerda e quem é de direita, pois o disparate e a razão vêm indistintamente do lado a que se afirma pertencer. Apesar de subsistirem diferenças ideológicas adaptadas aos tempos actuais, prefiro uma classificação alternativa: os que sabem ouvir e os que se refugiam nos seus preconceitos.
Saber ouvir leva a reconhecer que está certa alguma esquerda quando diz que os salários (os pequenos e médios, não os grandes) devem subir apesar da crise, o que colocará mais dinheiro a circular na economia e ajudará a acelerar o fecho das empresas inviáveis como defende alguma direita sensata. Já não vamos a tempo de soluções simpáticas, restam-nos as eficazes.
Trabalhadores insatisfeitos são de produtividade medíocre, com a qual não é viável sucesso duradouro. Negócios baseados na mão-de-obra barata são portanto suicidas (insustentáveis) e também assassinos das empresas que propõem preços realistas aos potenciais clientes, pois não sobrevivem ao verdadeiro “dumping social” praticado pela concorrência.
Tem razão alguma direita ao insistir na diminuição drástica do peso do Estado e do défice público, para que não sejam sugados os recursos da iniciativa privada. Tem razão alguma esquerda ao sublinhar a importância do exemplo do Estado para a recuperação da economia, desde que isso implique passar a mostrar competência nas áreas onde o seu desempenho é agora vergonhoso. Quando não se consegue sequer evitar que seja roubada durante as horas de expediente uma bicicleta acorrentada num espaço tão frequentado como a Biblioteca Almeida Garrett, no Palácio de Cristal, é bom que direita e esquerda se interroguem sobre os resultados das políticas que defendem sem o recomendável esforço de compreender as posições dos seus adversários.
(publicado no JN de 2010/09/23)
Há cada vez menos diferença entre quem é de esquerda e quem é de direita, pois o disparate e a razão vêm indistintamente do lado a que se afirma pertencer. Apesar de subsistirem diferenças ideológicas adaptadas aos tempos actuais, prefiro uma classificação alternativa: os que sabem ouvir e os que se refugiam nos seus preconceitos.
Saber ouvir leva a reconhecer que está certa alguma esquerda quando diz que os salários (os pequenos e médios, não os grandes) devem subir apesar da crise, o que colocará mais dinheiro a circular na economia e ajudará a acelerar o fecho das empresas inviáveis como defende alguma direita sensata. Já não vamos a tempo de soluções simpáticas, restam-nos as eficazes.
Trabalhadores insatisfeitos são de produtividade medíocre, com a qual não é viável sucesso duradouro. Negócios baseados na mão-de-obra barata são portanto suicidas (insustentáveis) e também assassinos das empresas que propõem preços realistas aos potenciais clientes, pois não sobrevivem ao verdadeiro “dumping social” praticado pela concorrência.
Tem razão alguma direita ao insistir na diminuição drástica do peso do Estado e do défice público, para que não sejam sugados os recursos da iniciativa privada. Tem razão alguma esquerda ao sublinhar a importância do exemplo do Estado para a recuperação da economia, desde que isso implique passar a mostrar competência nas áreas onde o seu desempenho é agora vergonhoso. Quando não se consegue sequer evitar que seja roubada durante as horas de expediente uma bicicleta acorrentada num espaço tão frequentado como a Biblioteca Almeida Garrett, no Palácio de Cristal, é bom que direita e esquerda se interroguem sobre os resultados das políticas que defendem sem o recomendável esforço de compreender as posições dos seus adversários.
(publicado no JN de 2010/09/23)
2010/09/09
Portugal descalibrado
Quando melhorarmos a nossa casa, a nossa rua, o nosso bairro, descobriremos que afinal também temos força para curar o país
Do ponto de vista de cada um de nós, os outros evoluem em média demasiado devagar. A sociedade é sempre mais lenta do que o indivíduo mas, na dose certa, esta inércia é positiva porque filtra aquilo que não resiste ao teste do tempo. Acontece que Portugal está descalibrado, perdeu a noção dos prazos, deixou-se atrasar de forma aflitiva. Por exemplo, hoje é o último dia para Cavaco conseguir terminar o seu mandato com dignidade, mas não vejo significativo desconforto na população com a eventualidade de falhar. Não por causa dele, mas pelo país.
Acabada a ilusão do futebol, não surpreende o desespero de quem está consciente do abismo para o qual caminhamos. Daí que surjam apelos a uma actuação radical (no bom sentido) por parte da Oposição, e em particular de Passos Coelho. Contudo, os dirigentes do partido não são os donos do partido. O PSD, tal como os outros, não é muito diferente do país. E se o país não está convencido de que são precisas mudanças muito profundas, nenhum partido conseguirá implantá-las. A abordagem terá de ser realista em face do que é socialmente aceitável. Eu teria provavelmente ido mais longe na “ousadia” das propostas mesmo sob o risco de alguma incompreensão social, desde que essa “ousadia” não fosse de tal ordem que se tornasse contraproducente. E o risco é mesmo esse.
É preciso envolver a população em acções que tornem evidente o poder individual, quando devidamente organizado e integrado em esforços colectivos. Nada melhor do que a reabilitação urbana, passo a passo, para o provar. Não é o estado da economia que dificulta o progresso, mas sim a deficiente colaboração entre os privados com competências complementares. Quando melhorarmos a nossa casa, a nossa rua, o nosso bairro, descobriremos que afinal também temos força para curar o país.
(publicado no JN de 2010/09/09)
Do ponto de vista de cada um de nós, os outros evoluem em média demasiado devagar. A sociedade é sempre mais lenta do que o indivíduo mas, na dose certa, esta inércia é positiva porque filtra aquilo que não resiste ao teste do tempo. Acontece que Portugal está descalibrado, perdeu a noção dos prazos, deixou-se atrasar de forma aflitiva. Por exemplo, hoje é o último dia para Cavaco conseguir terminar o seu mandato com dignidade, mas não vejo significativo desconforto na população com a eventualidade de falhar. Não por causa dele, mas pelo país.
Acabada a ilusão do futebol, não surpreende o desespero de quem está consciente do abismo para o qual caminhamos. Daí que surjam apelos a uma actuação radical (no bom sentido) por parte da Oposição, e em particular de Passos Coelho. Contudo, os dirigentes do partido não são os donos do partido. O PSD, tal como os outros, não é muito diferente do país. E se o país não está convencido de que são precisas mudanças muito profundas, nenhum partido conseguirá implantá-las. A abordagem terá de ser realista em face do que é socialmente aceitável. Eu teria provavelmente ido mais longe na “ousadia” das propostas mesmo sob o risco de alguma incompreensão social, desde que essa “ousadia” não fosse de tal ordem que se tornasse contraproducente. E o risco é mesmo esse.
É preciso envolver a população em acções que tornem evidente o poder individual, quando devidamente organizado e integrado em esforços colectivos. Nada melhor do que a reabilitação urbana, passo a passo, para o provar. Não é o estado da economia que dificulta o progresso, mas sim a deficiente colaboração entre os privados com competências complementares. Quando melhorarmos a nossa casa, a nossa rua, o nosso bairro, descobriremos que afinal também temos força para curar o país.
(publicado no JN de 2010/09/09)
2010/08/27
Meu caro Aníbal
A maneira mais construtiva de terminares o teu mandato é apressares essa mudança no parlamento e, por fim, não te recandidatares
Com a sabedoria da respeitável idade de 13 anos, passo os dias a meditar repousando na travesseira à janela. Arrependo-me de não ter actuado mais cedo, nos meus tempos de juventude. A situação do país é grave e tu não tens ajudado o suficiente. Observo o meu mundo com atenção, possuo o distanciamento conveniente para ver as consequências daquilo que fazes e, principalmente, daquilo que não fazes.
Não basta seres bem intencionado para o exercício das tuas funções ter um efeito positivo. Entre as causas dos problemas nacionais está a maneira como a tua geração pensou que bastaria entregar a Política a um pequeno número de pessoas “credíveis” para haver desenvolvimento sólido. Vindo de uma tradição salazarista, o país quis ser comandado pelo Estado. Só que a sociedade civil não funciona bem quando é comandada. Repara como eu não me deixo dominar nem sequer pelas pessoas aqui de casa, de quem tanto gosto. Isso não impede uma relação muito feliz. Por um lado tenho acesso de qualidade aos serviços indispensáveis - comida e água fresca à disposição, cuidados de saúde quando necessário, habitação confortável, mimos em doses maciças; por outro respeito as regras de convivência, não provoco despesa excessiva, cumpro com grande produtividade a minha missão de dar alegria e bom ambiente à família. Cada um no seu lugar.
Grande parte da tua geração nunca vai compreender que o que está errado não é uma medida ou outra do Governo, é mesmo a forma como se governa. Aquelas pessoas têm de ser substituídas para deixar o país respirar melhor. Por isso a maneira mais construtiva de terminares o teu mandato é apressares essa mudança no parlamento e, por fim, não te recandidatares. Faz como eu: aprende a gozar o conforto de uma mantinha fofa.
Aceita os cumprimentos da FM, uma gata portuense.
(publicado no JN de 2010/08/26)
Com a sabedoria da respeitável idade de 13 anos, passo os dias a meditar repousando na travesseira à janela. Arrependo-me de não ter actuado mais cedo, nos meus tempos de juventude. A situação do país é grave e tu não tens ajudado o suficiente. Observo o meu mundo com atenção, possuo o distanciamento conveniente para ver as consequências daquilo que fazes e, principalmente, daquilo que não fazes.
Não basta seres bem intencionado para o exercício das tuas funções ter um efeito positivo. Entre as causas dos problemas nacionais está a maneira como a tua geração pensou que bastaria entregar a Política a um pequeno número de pessoas “credíveis” para haver desenvolvimento sólido. Vindo de uma tradição salazarista, o país quis ser comandado pelo Estado. Só que a sociedade civil não funciona bem quando é comandada. Repara como eu não me deixo dominar nem sequer pelas pessoas aqui de casa, de quem tanto gosto. Isso não impede uma relação muito feliz. Por um lado tenho acesso de qualidade aos serviços indispensáveis - comida e água fresca à disposição, cuidados de saúde quando necessário, habitação confortável, mimos em doses maciças; por outro respeito as regras de convivência, não provoco despesa excessiva, cumpro com grande produtividade a minha missão de dar alegria e bom ambiente à família. Cada um no seu lugar.
Grande parte da tua geração nunca vai compreender que o que está errado não é uma medida ou outra do Governo, é mesmo a forma como se governa. Aquelas pessoas têm de ser substituídas para deixar o país respirar melhor. Por isso a maneira mais construtiva de terminares o teu mandato é apressares essa mudança no parlamento e, por fim, não te recandidatares. Faz como eu: aprende a gozar o conforto de uma mantinha fofa.
Aceita os cumprimentos da FM, uma gata portuense.
(publicado no JN de 2010/08/26)
2010/08/13
Já não há gente normal
Insisto nisto desde 2003: a primeira de todas as prioridades é a Justiça - tribunais a funcionar, leis e regulamentos simples. Não é a Economia nem a Educação.
Um país está doente quando tantos comportamentos irracionais ou insensatos atingem o estatuto de alguma respeitabilidade, como se não fossem apenas merecedores da gargalhada geral. O fim dos chumbos nas escolas porque o apoio extra resolveria as dificuldades (o que acontece nos casos em que não resolve?); a barragem do Tua que poderia afogar o caminho de ferro mesmo sendo ele património classificado; as crianças que são proibidas de usar escova de dentes nos infantários supostamente para evitar a propagação de doenças (será que elas são deixadas ao abandono nos balneários?); a banda gástrica que é recomendada por médicos para “tratar” a obesidade (como se o problema fosse no estômago e não do foro mental!); o PGR que manda mas não manda e continua no lugar.
Este ambiente de doidos quase branqueia outros disparates. Vende-se património estatal porque, ante o descontrolo da despesa, “não há outro remédio agora”; em breve estaremos na mesma situação mas já sem nada para vender. Recomenda-se baixa de salários como remédio para a fraca produtividade; por este andar recorre-se a trabalho escravo para salvar a economia.
Insisto nisto desde 2003: a primeira de todas as prioridades é a Justiça - tribunais a funcionar, leis e regulamentos simples. Não é a Economia nem a Educação. Deixamos de mudar o que é realmente grave (estrutural) para correr atrás do que é apenas agudo. Sem a Justiça o resto não é suficiente, mas com ela a sociedade civil já tem as ferramentas para obrigar o Estado a curar-se.
Passos Coelho, que não é dono do PSD nem representado pelos seus colaboradores, constrói a alternativa a Sócrates e, entretando, tenta impedir as asneiras mais dramáticas do Governo. O Presidente da República é que já devia ter dissolvido este Parlamento que gerou um Governo moribundo.
(publicado no JN de 2010/08/12)
Um país está doente quando tantos comportamentos irracionais ou insensatos atingem o estatuto de alguma respeitabilidade, como se não fossem apenas merecedores da gargalhada geral. O fim dos chumbos nas escolas porque o apoio extra resolveria as dificuldades (o que acontece nos casos em que não resolve?); a barragem do Tua que poderia afogar o caminho de ferro mesmo sendo ele património classificado; as crianças que são proibidas de usar escova de dentes nos infantários supostamente para evitar a propagação de doenças (será que elas são deixadas ao abandono nos balneários?); a banda gástrica que é recomendada por médicos para “tratar” a obesidade (como se o problema fosse no estômago e não do foro mental!); o PGR que manda mas não manda e continua no lugar.
Este ambiente de doidos quase branqueia outros disparates. Vende-se património estatal porque, ante o descontrolo da despesa, “não há outro remédio agora”; em breve estaremos na mesma situação mas já sem nada para vender. Recomenda-se baixa de salários como remédio para a fraca produtividade; por este andar recorre-se a trabalho escravo para salvar a economia.
Insisto nisto desde 2003: a primeira de todas as prioridades é a Justiça - tribunais a funcionar, leis e regulamentos simples. Não é a Economia nem a Educação. Deixamos de mudar o que é realmente grave (estrutural) para correr atrás do que é apenas agudo. Sem a Justiça o resto não é suficiente, mas com ela a sociedade civil já tem as ferramentas para obrigar o Estado a curar-se.
Passos Coelho, que não é dono do PSD nem representado pelos seus colaboradores, constrói a alternativa a Sócrates e, entretando, tenta impedir as asneiras mais dramáticas do Governo. O Presidente da República é que já devia ter dissolvido este Parlamento que gerou um Governo moribundo.
(publicado no JN de 2010/08/12)
2010/07/30
Donos do alheio
Preocupação social sensata não é limitar o máximo que alguém pode ganhar, mas sim maximizar o que recebe o mais desfavorecido
Multiplicam-se as movimentações para conquistar o direito de gerir património alheio. A vários anos de distância, sugerem-se nomes para a presidência da Câmara do Porto, transformada em assunto nacional por causa da corrida perdida da Red Bull; os meios regionalistas nortenhos animam-se com a esperança de que um novo partido, ele sim diferente dos outros, conquiste um nível de governo local; até um respeitado bispo, num entusiasmo reivindicativo, reclama 20% do salário de uma classe profissional muito desacreditada.
Comum a tudo isto é o esquecimento da acção individual a nível privado, empurrando os problemas para os recursos do Estado ou de outrem. Custa-me debater candidaturas a funções públicas sem pensar no projecto em que aí se deverá trabalhar. Custa-me ver um potencial partido esgotar a sua missão na exigência de uma reorganização territorial, quando esse objectivo poderia ser defendido transversalmente dentro das várias forças políticas já existentes. Custa-me “confiscar” 20% seja lá do que for aos políticos, e não também aos engenheiros, aos advogados, aos pescadores, aos membros do clero, ou até aos falsos recibos verdes que Serralves agora acabou por reconhecer. Preocupação social sensata não é limitar o máximo que alguém pode ganhar, mas sim maximizar o que recebe o mais desfavorecido.
Eis um exemplo, não inédito, de uma reunião de esforços que só depende da vontade dos intervenientes: criar um fundo privado de gestão de arrendamentos que vença a relutância dos proprietários em passarem a ser senhorios, garantindo-lhes uma receita segura (mesmo que não muito alta) e isolando-os das imperfeições do sistema de justiça. Vamos acabar por descobrir que, apesar de tudo, ainda temos dinheiro a mais e só quando o perdermos não restará outro remédio senão sermos racionais.
(publicado no JN de 2010/07/29)
Multiplicam-se as movimentações para conquistar o direito de gerir património alheio. A vários anos de distância, sugerem-se nomes para a presidência da Câmara do Porto, transformada em assunto nacional por causa da corrida perdida da Red Bull; os meios regionalistas nortenhos animam-se com a esperança de que um novo partido, ele sim diferente dos outros, conquiste um nível de governo local; até um respeitado bispo, num entusiasmo reivindicativo, reclama 20% do salário de uma classe profissional muito desacreditada.
Comum a tudo isto é o esquecimento da acção individual a nível privado, empurrando os problemas para os recursos do Estado ou de outrem. Custa-me debater candidaturas a funções públicas sem pensar no projecto em que aí se deverá trabalhar. Custa-me ver um potencial partido esgotar a sua missão na exigência de uma reorganização territorial, quando esse objectivo poderia ser defendido transversalmente dentro das várias forças políticas já existentes. Custa-me “confiscar” 20% seja lá do que for aos políticos, e não também aos engenheiros, aos advogados, aos pescadores, aos membros do clero, ou até aos falsos recibos verdes que Serralves agora acabou por reconhecer. Preocupação social sensata não é limitar o máximo que alguém pode ganhar, mas sim maximizar o que recebe o mais desfavorecido.
Eis um exemplo, não inédito, de uma reunião de esforços que só depende da vontade dos intervenientes: criar um fundo privado de gestão de arrendamentos que vença a relutância dos proprietários em passarem a ser senhorios, garantindo-lhes uma receita segura (mesmo que não muito alta) e isolando-os das imperfeições do sistema de justiça. Vamos acabar por descobrir que, apesar de tudo, ainda temos dinheiro a mais e só quando o perdermos não restará outro remédio senão sermos racionais.
(publicado no JN de 2010/07/29)
2010/07/16
O passo que falta
Não se prejudique o importante por causa do urgente: a deficiente Justiça e o excesso de regulamentação são os principais problemas de Portugal
Contam os evangelhos que certo jovem, cumpridor dos mandamentos, perguntava a Jesus: “que me falta ainda fazer?”. Muitos dos que conseguem que o fim do mês chegue antes do fim do dinheiro estão com a mesma dúvida. Identificam as causas da situação difícil, mas fica a faltar algo: arriscar algum do seu dinheiro (por pouco que seja) em parceria com aqueles empreendedores que têm projectos mas não capital, sem burocracias nem esperar por enquadramentos institucionais, ajudando assim a economia a progredir. Mas param imediatamente antes desse passo. E o país fica adiado.
Ninguém tem obrigação de ser investidor ou empresário. Contudo, todos os recursos são indispensáveis para garantir o futuro do país onde queremos continuar a viver. Alexandre Soares dos Santos citou há dias uma frase notável: "good judgement comes from experience, and experience comes from bad judgement". Compreendo agora, por ter esbarrado neles, muitos dos bloqueios do país; este é um deles.
Por isso fica o desafio a quem tem património disponível: invistam! Apliquem algum do vosso dinheiro e do vosso tempo. Sem essa postura não há desenvolvimento. Um dos males de Portugal é que até aquilo que não é essencial para a sobrevivência nós temos medo de perder; isso impede a criação de riqueza e deixa-nos tolhidos na nossa pequenez. Damos conselhos aos outros, mas eles que arrisquem... No entanto é possível fazer melhor. Seguramente ganha-se mais conhecimento e, principalmente, abre-se o caminho para a recuperação. Se quem possui consciência dos problemas e os meios para agir não tomar a iniciativa, quem o fará?
Nota final - logo que o Governo mude (já não demorará muito), não se prejudique o importante por causa do urgente: a deficiente Justiça e o excesso de regulamentação são os principais problemas de Portugal.
(publicado no JN de 2010/07/15)
Contam os evangelhos que certo jovem, cumpridor dos mandamentos, perguntava a Jesus: “que me falta ainda fazer?”. Muitos dos que conseguem que o fim do mês chegue antes do fim do dinheiro estão com a mesma dúvida. Identificam as causas da situação difícil, mas fica a faltar algo: arriscar algum do seu dinheiro (por pouco que seja) em parceria com aqueles empreendedores que têm projectos mas não capital, sem burocracias nem esperar por enquadramentos institucionais, ajudando assim a economia a progredir. Mas param imediatamente antes desse passo. E o país fica adiado.
Ninguém tem obrigação de ser investidor ou empresário. Contudo, todos os recursos são indispensáveis para garantir o futuro do país onde queremos continuar a viver. Alexandre Soares dos Santos citou há dias uma frase notável: "good judgement comes from experience, and experience comes from bad judgement". Compreendo agora, por ter esbarrado neles, muitos dos bloqueios do país; este é um deles.
Por isso fica o desafio a quem tem património disponível: invistam! Apliquem algum do vosso dinheiro e do vosso tempo. Sem essa postura não há desenvolvimento. Um dos males de Portugal é que até aquilo que não é essencial para a sobrevivência nós temos medo de perder; isso impede a criação de riqueza e deixa-nos tolhidos na nossa pequenez. Damos conselhos aos outros, mas eles que arrisquem... No entanto é possível fazer melhor. Seguramente ganha-se mais conhecimento e, principalmente, abre-se o caminho para a recuperação. Se quem possui consciência dos problemas e os meios para agir não tomar a iniciativa, quem o fará?
Nota final - logo que o Governo mude (já não demorará muito), não se prejudique o importante por causa do urgente: a deficiente Justiça e o excesso de regulamentação são os principais problemas de Portugal.
(publicado no JN de 2010/07/15)
2010/07/02
Drogas por via ocular
Leiam-se os comentários que vão surgindo e constate-se como esta visão do paraíso intoxica até mentes habitualmente lúcidas
Duas notícias recentes ilustram bem os males de que Portugal padece. A primeira relatava que só agora se vão tornar obrigatórios procedimentos de segurança tão absolutamente básicos como confirmar o nome do doente numa operação cirúrgica. Já há tempos se tinha concluído que causa frequente de infecções era a falta de hábito de lavar as mãos entre os profissionais (ou nem tanto...) de saúde. Acrescento eu o inacreditável desleixo com que médicos e enfermeiros circulam nos hospitais, entra e sai desde o bar do edifício às zonas de acesso restrito, com o mesmo calçado e bata com que tratam os doentes. Quem assim age não é ignorante. Pelo contrário, é altamente qualificado, com preparação científica mais que suficiente para compreender os riscos que cria por simples preguiça. Preguiça mental. A visão de todos à sua volta a cometerem os mesmos erros deixa-o alienado.
A segunda notícia dava conta da conquista da Cisco (o gigante mundial das redes de computadores) para um mirabolante projecto localizado em Paredes. Garantem os promotores, com a conivência da autarquia e do Governo, que vai nascer ali uma nova cidade altamente tecnológica, “verde” como se impõe, num investimento que atingirá dez mil milhões de euros. 10.000.000.000! Quantas empresas vão lá estar em 2015? Doze mil, dizem eles. Até agora nem um cêntimo dessa fortuna foi desembolsado por nenhum investidor e a Cisco, mais do que investir, propõe-se vender equipamentos e serviços. Muitos. Faz ela bem, é o seu negócio. A Câmara assegura que consegue financiamento para comprar os terrenos. Afinal Portugal é aquele pequeno país onde houve dinheiro para o Magalhães, porque não para isto também? Leiam-se os comentários que vão surgindo e constate-se como esta visão do paraíso intoxica até mentes habitualmente lúcidas.
(publicado no JN de 2010/07/01)
Duas notícias recentes ilustram bem os males de que Portugal padece. A primeira relatava que só agora se vão tornar obrigatórios procedimentos de segurança tão absolutamente básicos como confirmar o nome do doente numa operação cirúrgica. Já há tempos se tinha concluído que causa frequente de infecções era a falta de hábito de lavar as mãos entre os profissionais (ou nem tanto...) de saúde. Acrescento eu o inacreditável desleixo com que médicos e enfermeiros circulam nos hospitais, entra e sai desde o bar do edifício às zonas de acesso restrito, com o mesmo calçado e bata com que tratam os doentes. Quem assim age não é ignorante. Pelo contrário, é altamente qualificado, com preparação científica mais que suficiente para compreender os riscos que cria por simples preguiça. Preguiça mental. A visão de todos à sua volta a cometerem os mesmos erros deixa-o alienado.
A segunda notícia dava conta da conquista da Cisco (o gigante mundial das redes de computadores) para um mirabolante projecto localizado em Paredes. Garantem os promotores, com a conivência da autarquia e do Governo, que vai nascer ali uma nova cidade altamente tecnológica, “verde” como se impõe, num investimento que atingirá dez mil milhões de euros. 10.000.000.000! Quantas empresas vão lá estar em 2015? Doze mil, dizem eles. Até agora nem um cêntimo dessa fortuna foi desembolsado por nenhum investidor e a Cisco, mais do que investir, propõe-se vender equipamentos e serviços. Muitos. Faz ela bem, é o seu negócio. A Câmara assegura que consegue financiamento para comprar os terrenos. Afinal Portugal é aquele pequeno país onde houve dinheiro para o Magalhães, porque não para isto também? Leiam-se os comentários que vão surgindo e constate-se como esta visão do paraíso intoxica até mentes habitualmente lúcidas.
(publicado no JN de 2010/07/01)
2010/06/18
A culpa é da beldroega
Em vez de protestar contra o pagamento nas SCUT devíamos mudar de casa para passar a habitar perto do emprego
Portugal às vezes é de compreensão lenta. Acabou o dinheiro. Aquilo que até agora desperdiçávamos vai ter de ser aproveitado. O uso da inteligência é uma necessidade absoluta, já não apenas conveniência. O mal afecta principalmente algumas “forças de bloqueio”, das quais destaco dois tipos.
O primeiro é constituido pelos pais que dedicam ao futebol uma atenção inversamente proporcional aos hábitos de poupança e rigor que incutem nos filhos em idade escolar. Queixam-se de Sócrates (e com razão) sem consciência de que o imitam, deseducando. Ao segundo tipo pertencem os “investidores” que não investem, “só quando a crise passar”. Claro que o verdadeiro problema deles não é a crise, mas a própria incompetência revelada na incapacidade de perceber onde estão as oportunidades de negócio. Como consolação resta-lhes o bom senso de não arriscar o capital acumulado, pois iriam certamente desbaratá-lo nestes tempos que os transcendem.
Há dias, ao visitar uma horta no centro da cidade, mostraram-me a beldroega, uma planta que eu não sabia identificar. Fez-me recordar os acampamentos em que na adolescência participei com o grupo de jovens a que pertencia, onde aprendíamos a viver com pouco. Ao mudar de ambiente éramos levados a reflectir sobre os recursos de que dispúnhamos, o uso que lhes dávamos, e a nossa quota-parte de responsabilidade na gestão do mundo. E assim, por causa da beldroega, fiquei mais convencido de que em vez de protestar contra o pagamento nas SCUT devíamos mudar de casa para passar a habitar perto do emprego, e que em vez de procurar propostas de bons negócios devíamos investir o nosso tempo a criá-las, e que em vez de lutar pela regionalização contra o Governo podíamos tratar melhor da nossa cidade dando dimensão adequada e ferramentas eficazes às freguesias.
(publicado no JN de 2010/06/17)
Portugal às vezes é de compreensão lenta. Acabou o dinheiro. Aquilo que até agora desperdiçávamos vai ter de ser aproveitado. O uso da inteligência é uma necessidade absoluta, já não apenas conveniência. O mal afecta principalmente algumas “forças de bloqueio”, das quais destaco dois tipos.
O primeiro é constituido pelos pais que dedicam ao futebol uma atenção inversamente proporcional aos hábitos de poupança e rigor que incutem nos filhos em idade escolar. Queixam-se de Sócrates (e com razão) sem consciência de que o imitam, deseducando. Ao segundo tipo pertencem os “investidores” que não investem, “só quando a crise passar”. Claro que o verdadeiro problema deles não é a crise, mas a própria incompetência revelada na incapacidade de perceber onde estão as oportunidades de negócio. Como consolação resta-lhes o bom senso de não arriscar o capital acumulado, pois iriam certamente desbaratá-lo nestes tempos que os transcendem.
Há dias, ao visitar uma horta no centro da cidade, mostraram-me a beldroega, uma planta que eu não sabia identificar. Fez-me recordar os acampamentos em que na adolescência participei com o grupo de jovens a que pertencia, onde aprendíamos a viver com pouco. Ao mudar de ambiente éramos levados a reflectir sobre os recursos de que dispúnhamos, o uso que lhes dávamos, e a nossa quota-parte de responsabilidade na gestão do mundo. E assim, por causa da beldroega, fiquei mais convencido de que em vez de protestar contra o pagamento nas SCUT devíamos mudar de casa para passar a habitar perto do emprego, e que em vez de procurar propostas de bons negócios devíamos investir o nosso tempo a criá-las, e que em vez de lutar pela regionalização contra o Governo podíamos tratar melhor da nossa cidade dando dimensão adequada e ferramentas eficazes às freguesias.
(publicado no JN de 2010/06/17)
2010/06/04
Criativos não-praticantes
As “indústrias criativas” não existem. O que existe é criatividade nas indústrias, e nos serviços também.
A minha paciência para teoria sobre “indústrias criativas” já se esgotou. As “indústrias criativas” não existem. O que existe é criatividade nas indústrias, e nos serviços também. Há um ano escrevi sobre a ameaça dos “encarregados de educação” do empreendedorismo alheio que não arriscam eles próprios criar o seu negócio, sublinhando que criatividade passará pelas novas modas digitais mas também por necessidades como reabilitação urbana, apoio social, funcionamento da justiça, simplificação de regulamentos...
Não haverá criatividade que chegue para fazer baixar o estacionamento automóvel irregular? Nenhuma alma inventiva descobrirá maneira de aproveitar os espaços urbanos com capacidade agrícola? Com tantos desempregados ociosos, ninguém conseguirá organizar acções (ao menos de voluntariado) onde eles tenham interesse em ser úteis? A desocupação e degradação do edificado dos centros urbanos é um problema complexo demais para estas “indústrias”? Uma cidade não passa a ser atractiva pelo facto de haver animações avulsas do espaço público, umas vezes bem conseguidas, outras nem por isso. Nem se provoca impacto económico sensível no país com mais meia dúzia de micro-empresas ou associações temáticas sem nenhum potencial para atingirem grande dimensão.
A inovação está provavelmente muito mais no talento para pegar em ideias simples (se calhar já antigas e por isso pouco "fashion") que sejam eficazes. Ou seja, a capacidade criativa tem de estar embebida na economia “normal”, nas relações sociais, nas nossas rotinas, e não num mundo à parte onde mentes iluminadas lançam ideias para outros eventualmente colherem. Neste contexto, vale a pena medir os resultados da acção de entidades como a ADDICT. A criatividade chegou ao menos para estabelecer critérios de avaliação? Divulguem-se.
(publicado no JN de 2010/06/03)
A minha paciência para teoria sobre “indústrias criativas” já se esgotou. As “indústrias criativas” não existem. O que existe é criatividade nas indústrias, e nos serviços também. Há um ano escrevi sobre a ameaça dos “encarregados de educação” do empreendedorismo alheio que não arriscam eles próprios criar o seu negócio, sublinhando que criatividade passará pelas novas modas digitais mas também por necessidades como reabilitação urbana, apoio social, funcionamento da justiça, simplificação de regulamentos...
Não haverá criatividade que chegue para fazer baixar o estacionamento automóvel irregular? Nenhuma alma inventiva descobrirá maneira de aproveitar os espaços urbanos com capacidade agrícola? Com tantos desempregados ociosos, ninguém conseguirá organizar acções (ao menos de voluntariado) onde eles tenham interesse em ser úteis? A desocupação e degradação do edificado dos centros urbanos é um problema complexo demais para estas “indústrias”? Uma cidade não passa a ser atractiva pelo facto de haver animações avulsas do espaço público, umas vezes bem conseguidas, outras nem por isso. Nem se provoca impacto económico sensível no país com mais meia dúzia de micro-empresas ou associações temáticas sem nenhum potencial para atingirem grande dimensão.
A inovação está provavelmente muito mais no talento para pegar em ideias simples (se calhar já antigas e por isso pouco "fashion") que sejam eficazes. Ou seja, a capacidade criativa tem de estar embebida na economia “normal”, nas relações sociais, nas nossas rotinas, e não num mundo à parte onde mentes iluminadas lançam ideias para outros eventualmente colherem. Neste contexto, vale a pena medir os resultados da acção de entidades como a ADDICT. A criatividade chegou ao menos para estabelecer critérios de avaliação? Divulguem-se.
(publicado no JN de 2010/06/03)
2010/05/21
Sociedade instantânea
Uma instituição milenar como a Igreja Católica compreende bem que há tempo para além do nosso tempo
Tenho defendido que os principais problemas do país são um sistema de justiça anedótico, leis e regulamentos perfeitos para sabotar uma vida normal em sociedade, e também o peso mastodôntico do Estado. Receio agora ter de acrescentar mais um: o facto de não se dar tempo ao tempo. “Devagar, que temos pressa.”
Vivemos num mundo que aspira a ser instantâneo, movido por acções de efeito imediato. Desesperados com as contrariedades, perdemos a persistência junto com a paciência. Concentramo-nos no presente, no território próximo, nas pessoas conhecidas. Daniel Innerarity esta semana em Serralves, numa convergência (aparentemente sem que ele se tivesse apercebido disso) com a visão do mundo de Bento XVI, referia o “triunfo das insignificâncias”, a “tirania do presente”, a “expropriação do futuro” que fazemos às gerações vindouras na ausência de quem as defenda. Sugeria ele então uma “colectivização intergeracional do tempo”, estendendo a atenção do nosso próximo (no sentido bíblico) também ao “nosso longínquo”. Uma instituição milenar como a Igreja Católica compreende bem que há tempo para além do nosso tempo.
Não podia este tema vir mais a propósito da situação de Portugal. Perante um Executivo moribundo, devemos ter a prudência de recusar um amanhã que hipoteque o depois de amanhã. Há um tempo para ajudar o Governo e um tempo para substituir o Governo. Cada coisa a seu tempo. Os efeitos de curto prazo nos mercados internacionais, perante um sufoco de tesouraria do país, recomendam até um aumento de impostos. Por uma vez, acredito nos especialistas. Mas não me vou esquecer de lhes lembrar que esse aumento é temporário porque temos pressa do futuro que ainda não houve tempo de construir. Deixemos a tempestade financeira acalmar. Vai ser aí que o Governo termina o seu tempo.
(publicado no JN de 2010/05/20)
Tenho defendido que os principais problemas do país são um sistema de justiça anedótico, leis e regulamentos perfeitos para sabotar uma vida normal em sociedade, e também o peso mastodôntico do Estado. Receio agora ter de acrescentar mais um: o facto de não se dar tempo ao tempo. “Devagar, que temos pressa.”
Vivemos num mundo que aspira a ser instantâneo, movido por acções de efeito imediato. Desesperados com as contrariedades, perdemos a persistência junto com a paciência. Concentramo-nos no presente, no território próximo, nas pessoas conhecidas. Daniel Innerarity esta semana em Serralves, numa convergência (aparentemente sem que ele se tivesse apercebido disso) com a visão do mundo de Bento XVI, referia o “triunfo das insignificâncias”, a “tirania do presente”, a “expropriação do futuro” que fazemos às gerações vindouras na ausência de quem as defenda. Sugeria ele então uma “colectivização intergeracional do tempo”, estendendo a atenção do nosso próximo (no sentido bíblico) também ao “nosso longínquo”. Uma instituição milenar como a Igreja Católica compreende bem que há tempo para além do nosso tempo.
Não podia este tema vir mais a propósito da situação de Portugal. Perante um Executivo moribundo, devemos ter a prudência de recusar um amanhã que hipoteque o depois de amanhã. Há um tempo para ajudar o Governo e um tempo para substituir o Governo. Cada coisa a seu tempo. Os efeitos de curto prazo nos mercados internacionais, perante um sufoco de tesouraria do país, recomendam até um aumento de impostos. Por uma vez, acredito nos especialistas. Mas não me vou esquecer de lhes lembrar que esse aumento é temporário porque temos pressa do futuro que ainda não houve tempo de construir. Deixemos a tempestade financeira acalmar. Vai ser aí que o Governo termina o seu tempo.
(publicado no JN de 2010/05/20)
2010/05/07
O Mistério da Couve Desperdiçada
Mesmo sem esperar por alterações às regras dos apoios sociais, as juntas de freguesia saberiam cativar com prémios não financeiros quem pegar na sachola
Faltam programas de utilização sistemática dos solos disponíveis para fins agrícolas nos centros urbanos. Algo que faça sentido dos pontos de vista económico, ambiental e, importantíssimo, da integração social. Este último aspecto é até o que mais impacto poderia ter. Que melhor opção existe para dar trabalho a quem não tem outras alternativas devido à idade, a falta de formação, ou a escassez de empregos?
Basta consultar imagens de satélite para se constatar a impressionante mancha verde no interior de inúmeros quarteirões actualmente pouco cuidados. E, no caso do Porto, tanta água que sabemos correr em ribeiras no subsolo! Mas, ao calcorrear essas ruas das cidades, encontra-se gente resignada a uma vida dependente do Rendimento Social de Inserção que, mole, nem trata da terra que tem atrás de casa nem faz manutenção aos edifícios – não se decide a ser útil.
É tarefa espinhosa convencer alguém a trabalhar se não tiver incentivos para tal. Mas, mesmo sem esperar por alterações às regras dos apoios sociais, as juntas de freguesia saberiam cativar com prémios não financeiros quem pegar na sachola (além da óbvia retribuição em produtos agrícolas). Apesar de eventuais boas intenções da Administração Pública, é aflitivo ver como se desperdiçam oportunidades simples que estão ao nosso alcance. Envolvam-se autarquias, IPSS, mercados tradicionais e cadeias de abastecimento dos supermercados de proximidade. Reunam-se competências dispersas para conseguir lançar explorações de agricultura urbana em pequena escala em conjunto com os proprietários dos muitos terrenos escondidos (ou nem por isso) no interior das cidades. Tentemos resolver problema a problema, sem adiarmos até que apareça uma qualquer duvidosa Grande Estratégia. Esta agricultura também é uma “indústria criativa”.
(publicado no JN de 2010/05/06)
Faltam programas de utilização sistemática dos solos disponíveis para fins agrícolas nos centros urbanos. Algo que faça sentido dos pontos de vista económico, ambiental e, importantíssimo, da integração social. Este último aspecto é até o que mais impacto poderia ter. Que melhor opção existe para dar trabalho a quem não tem outras alternativas devido à idade, a falta de formação, ou a escassez de empregos?
Basta consultar imagens de satélite para se constatar a impressionante mancha verde no interior de inúmeros quarteirões actualmente pouco cuidados. E, no caso do Porto, tanta água que sabemos correr em ribeiras no subsolo! Mas, ao calcorrear essas ruas das cidades, encontra-se gente resignada a uma vida dependente do Rendimento Social de Inserção que, mole, nem trata da terra que tem atrás de casa nem faz manutenção aos edifícios – não se decide a ser útil.
É tarefa espinhosa convencer alguém a trabalhar se não tiver incentivos para tal. Mas, mesmo sem esperar por alterações às regras dos apoios sociais, as juntas de freguesia saberiam cativar com prémios não financeiros quem pegar na sachola (além da óbvia retribuição em produtos agrícolas). Apesar de eventuais boas intenções da Administração Pública, é aflitivo ver como se desperdiçam oportunidades simples que estão ao nosso alcance. Envolvam-se autarquias, IPSS, mercados tradicionais e cadeias de abastecimento dos supermercados de proximidade. Reunam-se competências dispersas para conseguir lançar explorações de agricultura urbana em pequena escala em conjunto com os proprietários dos muitos terrenos escondidos (ou nem por isso) no interior das cidades. Tentemos resolver problema a problema, sem adiarmos até que apareça uma qualquer duvidosa Grande Estratégia. Esta agricultura também é uma “indústria criativa”.
(publicado no JN de 2010/05/06)
2010/04/23
A barreira nocturna dos Aliados
Uma solução, contudo, já foi proposta publicamente pelo Arq.º Pulido Valente: concentrar os dois sentidos de trânsito na faixa de rodagem a poente
No passado fim de semana participei numa visita à Baixa e ao Centro Histórico do Porto entre as onze da noite e as três da madrugada (publiquei breve registo em www.porto.taf.net). As pessoas ligadas à Faculdade de Letras que simpaticamente a organizaram, e que têm estudado com pormenor o que se passa na cidade, confirmaram os receios que sinto já há longo tempo: a Avenida dos Aliados divide vincadamente a “noite” do lado Oriental e a “noite” do lado Ocidental, prejudicando a vivência que seria possível sem esta barreira. Mesmo durante o dia, as recentes alterações impostas por Siza e Souto Moura induziram um aumento do tráfego automóvel, o que só por si desqualifica a zona.
Uma solução, contudo, já foi proposta publicamente pelo Arq.º Pulido Valente: concentrar os dois sentidos de trânsito na faixa de rodagem a poente e deixar a via a nascente, numa configuração semelhante à da Rua do Bonjardim em frente ao Rivoli, reservada para peões e transportes públicos. Criar-se-á assim um espaço contínuo desde a Praça D. João I, tornando viável o uso da placa central dos Aliados para esplanadas e promovendo a sua ocupação no dia-a-dia, que não apenas no S. João, nas vitórias do FCPorto ou nas vindas do Papa.
Não se compreende também o total desleixo nocturno nos locais mais frequentados. Praça Filipa de Lencastre, Rua Galeria de Paris, Travessa de Cedofeita e locais adjacentes são depósitos de copos de plástico ou urinóis ao ar livre. O estacionamento é caótico. A câmara e as juntas de freguesia que se entendam para actuar em coordenação: trata-se até de poupar dinheiro, pois a vigilância 24h por dia evita custos bem mais altos de limpeza e reparação posterior dos estragos. Todos ficarão beneficiados. Assim como agora está, isto não é usar o espaço público na movida, é confiscá-lo.
(publicado no JN de 2010/04/22)
No passado fim de semana participei numa visita à Baixa e ao Centro Histórico do Porto entre as onze da noite e as três da madrugada (publiquei breve registo em www.porto.taf.net). As pessoas ligadas à Faculdade de Letras que simpaticamente a organizaram, e que têm estudado com pormenor o que se passa na cidade, confirmaram os receios que sinto já há longo tempo: a Avenida dos Aliados divide vincadamente a “noite” do lado Oriental e a “noite” do lado Ocidental, prejudicando a vivência que seria possível sem esta barreira. Mesmo durante o dia, as recentes alterações impostas por Siza e Souto Moura induziram um aumento do tráfego automóvel, o que só por si desqualifica a zona.
Uma solução, contudo, já foi proposta publicamente pelo Arq.º Pulido Valente: concentrar os dois sentidos de trânsito na faixa de rodagem a poente e deixar a via a nascente, numa configuração semelhante à da Rua do Bonjardim em frente ao Rivoli, reservada para peões e transportes públicos. Criar-se-á assim um espaço contínuo desde a Praça D. João I, tornando viável o uso da placa central dos Aliados para esplanadas e promovendo a sua ocupação no dia-a-dia, que não apenas no S. João, nas vitórias do FCPorto ou nas vindas do Papa.
Não se compreende também o total desleixo nocturno nos locais mais frequentados. Praça Filipa de Lencastre, Rua Galeria de Paris, Travessa de Cedofeita e locais adjacentes são depósitos de copos de plástico ou urinóis ao ar livre. O estacionamento é caótico. A câmara e as juntas de freguesia que se entendam para actuar em coordenação: trata-se até de poupar dinheiro, pois a vigilância 24h por dia evita custos bem mais altos de limpeza e reparação posterior dos estragos. Todos ficarão beneficiados. Assim como agora está, isto não é usar o espaço público na movida, é confiscá-lo.
(publicado no JN de 2010/04/22)
2010/04/09
Nuclear: sempre os mesmos erros
Em vez de apostar na oferta de energia, é preferível investir um montante equivalente na redução da procura, com resultados decerto até mais compensadores
A hipótese de construção de uma central nuclear em Portugal só se explica porque quem a defende, estando de boa fé, se entusiasmou com o assunto sem reflectir bem nele.
1) Por menor que seja o risco, um acidente numa central nuclear pode ter consequências absolutamente catastróficas. Temos centrais aqui à nossa beira em Espanha, mas "perdidos por cem, perdidos por mil" não é argumento. Além de falha técnica ou humana, há sempre vulnerabilidade a acções terroristas - que belo alvo!
2) A energia produzida por uma central nuclear é barata. É. Se não considerarmos os custos de tratamento e armazenagem (por uma eternidade, literalmente) dos resíduos radioactivos para os quais, aliás, não há nenhuma boa solução. Se não considerarmos os custos de vigilância e prevenção de acidentes/atentados. Etc, etc.
3) Vamos confiar no Estado para gerir um processo destes? Vamos entregar os estudos ao mesmo tipo de especialistas que defendeu a Ota ou o TGV? Não venham dizer que se consegue fazer tudo com investimento privado, porque é inevitável grande envolvimento público, directo ou indirecto.
4) Em vez de apostar na oferta de energia, é preferível investir um montante equivalente na redução da procura, com resultados decerto até mais compensadores.
5) Uma central nuclear em Portugal, e em particular no Douro onde já se chegou a ameaçar, arruina completamente a imagem de ambiente de qualidade que pretendemos "vender". Já se calculou o custo disso?
6) Enquanto houver alternativas, mesmo que "mais caras" numa análise simplista, a prudência impõe soluções diferentes. Talvez se consiga adiar por algumas dezenas de anos o recurso à fissão nuclear produzida localmente (nem que seja recorrendo à importação de energia!), até que esteja disponível a tecnologia de fusão nuclear, essa sim limpa e segura.
(publicado no JN de 2010/04/08)
A hipótese de construção de uma central nuclear em Portugal só se explica porque quem a defende, estando de boa fé, se entusiasmou com o assunto sem reflectir bem nele.
1) Por menor que seja o risco, um acidente numa central nuclear pode ter consequências absolutamente catastróficas. Temos centrais aqui à nossa beira em Espanha, mas "perdidos por cem, perdidos por mil" não é argumento. Além de falha técnica ou humana, há sempre vulnerabilidade a acções terroristas - que belo alvo!
2) A energia produzida por uma central nuclear é barata. É. Se não considerarmos os custos de tratamento e armazenagem (por uma eternidade, literalmente) dos resíduos radioactivos para os quais, aliás, não há nenhuma boa solução. Se não considerarmos os custos de vigilância e prevenção de acidentes/atentados. Etc, etc.
3) Vamos confiar no Estado para gerir um processo destes? Vamos entregar os estudos ao mesmo tipo de especialistas que defendeu a Ota ou o TGV? Não venham dizer que se consegue fazer tudo com investimento privado, porque é inevitável grande envolvimento público, directo ou indirecto.
4) Em vez de apostar na oferta de energia, é preferível investir um montante equivalente na redução da procura, com resultados decerto até mais compensadores.
5) Uma central nuclear em Portugal, e em particular no Douro onde já se chegou a ameaçar, arruina completamente a imagem de ambiente de qualidade que pretendemos "vender". Já se calculou o custo disso?
6) Enquanto houver alternativas, mesmo que "mais caras" numa análise simplista, a prudência impõe soluções diferentes. Talvez se consiga adiar por algumas dezenas de anos o recurso à fissão nuclear produzida localmente (nem que seja recorrendo à importação de energia!), até que esteja disponível a tecnologia de fusão nuclear, essa sim limpa e segura.
(publicado no JN de 2010/04/08)
2010/03/26
O PSD e o país real
Portugal não é só elite, excelência, qualidade. Portugal é isso e tudo o resto. O cidadão normal é capaz do melhor e do pior.
Uma das razões que levaram a uma fase infeliz do PSD foi a incapacidade da sua liderança compreender que o país é feito de gente "normal", com as qualidades e defeitos "normais". Ao contrário do que aconteceu historicamente nas autarquias, a nível nacional criou-se um fosso entre as elites e o povo. Uma pequena minoria, com algumas qualidades (intelectuais, culturais, académicas) de facto acima da média, julga ter legitimidade acrescida pelo facto de ser elite. Essa minoria tenta liderar sem possuir experiência prática da vida do cidadão comum, sem partilhar com ele essas qualidades, e sem recolher dele o “feedback” que é também conhecimento valioso; ela não tem paciência para dedicar às questões mais terra-a-terra que a nível local alguns cidadãos interventivos acabam por tratar à sua maneira, com esforço e dedicação, e muitas vezes bem.
Acredito que Passos Coelho tenha percebido isso e que tente agora, sem falsas modéstias mas com consciência de que sozinho ninguém desenvolve o país, congregar esforços num projecto comum. Portugal não é só elite, excelência, qualidade. Portugal é isso e tudo o resto. O cidadão normal é capaz do melhor e do pior: num ambiente saudável, construtivo, colaborativo, ele habitualmente contribui de forma positiva; ao contrário, quando imerso na agressividade, na desonestidade, na inveja, ele ajuda a piorar a situação. Um bom líder tem por isso de saber criar o ambiente propício a que cada pessoa possa dar o melhor de si, trabalhando com as pessoas reais, com os portugueses que somos.
O próprio líder, contudo, não é isento de limitações e imperfeições. Daí que uma postura de sistemática abertura à participação da sociedade civil seja fundamental para garantir transparência, qualidade e fiabilidade. Nesse aspecto, Passos Coelho está no rumo certo.
(publicado no JN de 2010/03/25)
Uma das razões que levaram a uma fase infeliz do PSD foi a incapacidade da sua liderança compreender que o país é feito de gente "normal", com as qualidades e defeitos "normais". Ao contrário do que aconteceu historicamente nas autarquias, a nível nacional criou-se um fosso entre as elites e o povo. Uma pequena minoria, com algumas qualidades (intelectuais, culturais, académicas) de facto acima da média, julga ter legitimidade acrescida pelo facto de ser elite. Essa minoria tenta liderar sem possuir experiência prática da vida do cidadão comum, sem partilhar com ele essas qualidades, e sem recolher dele o “feedback” que é também conhecimento valioso; ela não tem paciência para dedicar às questões mais terra-a-terra que a nível local alguns cidadãos interventivos acabam por tratar à sua maneira, com esforço e dedicação, e muitas vezes bem.
Acredito que Passos Coelho tenha percebido isso e que tente agora, sem falsas modéstias mas com consciência de que sozinho ninguém desenvolve o país, congregar esforços num projecto comum. Portugal não é só elite, excelência, qualidade. Portugal é isso e tudo o resto. O cidadão normal é capaz do melhor e do pior: num ambiente saudável, construtivo, colaborativo, ele habitualmente contribui de forma positiva; ao contrário, quando imerso na agressividade, na desonestidade, na inveja, ele ajuda a piorar a situação. Um bom líder tem por isso de saber criar o ambiente propício a que cada pessoa possa dar o melhor de si, trabalhando com as pessoas reais, com os portugueses que somos.
O próprio líder, contudo, não é isento de limitações e imperfeições. Daí que uma postura de sistemática abertura à participação da sociedade civil seja fundamental para garantir transparência, qualidade e fiabilidade. Nesse aspecto, Passos Coelho está no rumo certo.
(publicado no JN de 2010/03/25)
2010/03/12
Somos os melhores em tudo
O partido com que o cidadão se sente identificado nas eleições legislativas e europeias não é necessariamente o mesmo que defende os seus interesses locais
Em Democracia a participação política dos cidadãos não é exercida só através dos partidos, mas eles são a ferramenta principal. As pessoas com interesses compatíveis entre si agrupam-se em estruturas que os defendem, gerando massa crítica de intervenção. Apresentando-se a eleições ganham a legitimidade do voto e, em caso de maioria, conquistam o direito de implantar as propostas sufragadas. Quem não pertence a um partido opta por reservar para si apenas a escolha final nas eleições; a construção das várias alternativas terá sido delegada ao interior dos partidos. Neste contexto, quem pretende ter uma intervenção política mais activa deve geralmente inscrever-se como militante. Adquire assim o direito de votar para a escolha dos dirigentes, do programa e dos candidatos a deputados ou autarcas.
Acontece que o partido com que o cidadão se sente identificado nas eleições legislativas e europeias não é necessariamente o mesmo que defende os seus interesses locais. Não é razoável exigir que pessoas que comungam de uma mesma linha de pensamento relativamente à política nacional ou europeia (Governo, Assembleia da República, Parlamento Europeu) alcancem consenso quanto à gestão da sua freguesia ou município. Os assuntos tratados nas autarquias locais são em grande parte completamente independentes das opções de relevância mais alargada.
Por isso os partidos, com projecção nacional, não devem impor fidelidade de voto também local. Se são assuntos distintos, os cidadãos precisam de ter sempre a liberdade de escolher quem melhor os representa em cada nível de poder. É muito positivo que os partidos se envolvam intensamente na política local, mas não tenham a presunção de se julgar obrigatoriamente a melhor opção para os militantes que os escolheram por causa da nacional.
(publicado no JN de 2010/03/11)
Em Democracia a participação política dos cidadãos não é exercida só através dos partidos, mas eles são a ferramenta principal. As pessoas com interesses compatíveis entre si agrupam-se em estruturas que os defendem, gerando massa crítica de intervenção. Apresentando-se a eleições ganham a legitimidade do voto e, em caso de maioria, conquistam o direito de implantar as propostas sufragadas. Quem não pertence a um partido opta por reservar para si apenas a escolha final nas eleições; a construção das várias alternativas terá sido delegada ao interior dos partidos. Neste contexto, quem pretende ter uma intervenção política mais activa deve geralmente inscrever-se como militante. Adquire assim o direito de votar para a escolha dos dirigentes, do programa e dos candidatos a deputados ou autarcas.
Acontece que o partido com que o cidadão se sente identificado nas eleições legislativas e europeias não é necessariamente o mesmo que defende os seus interesses locais. Não é razoável exigir que pessoas que comungam de uma mesma linha de pensamento relativamente à política nacional ou europeia (Governo, Assembleia da República, Parlamento Europeu) alcancem consenso quanto à gestão da sua freguesia ou município. Os assuntos tratados nas autarquias locais são em grande parte completamente independentes das opções de relevância mais alargada.
Por isso os partidos, com projecção nacional, não devem impor fidelidade de voto também local. Se são assuntos distintos, os cidadãos precisam de ter sempre a liberdade de escolher quem melhor os representa em cada nível de poder. É muito positivo que os partidos se envolvam intensamente na política local, mas não tenham a presunção de se julgar obrigatoriamente a melhor opção para os militantes que os escolheram por causa da nacional.
(publicado no JN de 2010/03/11)
2010/02/26
Prefiro um Governo de gestão
Se depois das eleições vier um governo competente, não será esse curto período transitório causador de maior mal do que aquele ao qual já não nos escapamos
Uma das últimas teorias para justificar a manutenção, ainda que penosa, do governo de José Sócrates é a que nos tenta assustar com perigos de um governo de gestão. Ai que as eleições não se podem realizar imediatamente, ai que há medidas urgentíssimas que teriam de ser adiadas, ai o que seria da nossa fama nos mercados financeiros internacionais!
Mas afinal onde está o mal? Se agora continuam a ser tomadas medidas erradas, se o orçamento está longe de ser bom, se não se inverteu o descalabro, se insistem nas manobras contabilísticas para esconder dívidas do Estado, o que temos a perder? Pode acontecer que o custo de financiamento externo aumente a pique durante poucos meses mas, se depois das eleições vier um governo competente, não será esse curto período transitório causador de maior mal do que aquele ao qual já não nos escapamos. Pelo contrário, mais vale uma cura dolorosa mas rápida do que um contínuo resvalar para a desgraça.
Acredito que seria possível obter apoio alargado na Assembleia da República, enquanto se esperam eleições, para um governo com funções equivalentes às de um de gestão com um significativo acrescento: a melhoria da Justiça (incluindo simplificação radical de leis e regulamentos). Estando obrigado a concentrar-se neste assunto que é a primeira prioridade para Portugal, e relativamente ao qual o consenso será viável, aposto que um Executivo de programa assim minimalista proporcionará até excelentes resultados.
Nota final: a entrevista de Sousa Tavares a Sócrates fez-me lembrar a de Judite de Sousa a Rui Rio – se não é confrontado (e não foi) com argumentos bem sistematizados e totalmente inquestionáveis, um político profissional como estes acaba por ser “branqueado” aos olhos dos seus apoiantes por um entrevistador que facilitou no trabalho de casa.
(publicado no JN de 2010/02/25)
Uma das últimas teorias para justificar a manutenção, ainda que penosa, do governo de José Sócrates é a que nos tenta assustar com perigos de um governo de gestão. Ai que as eleições não se podem realizar imediatamente, ai que há medidas urgentíssimas que teriam de ser adiadas, ai o que seria da nossa fama nos mercados financeiros internacionais!
Mas afinal onde está o mal? Se agora continuam a ser tomadas medidas erradas, se o orçamento está longe de ser bom, se não se inverteu o descalabro, se insistem nas manobras contabilísticas para esconder dívidas do Estado, o que temos a perder? Pode acontecer que o custo de financiamento externo aumente a pique durante poucos meses mas, se depois das eleições vier um governo competente, não será esse curto período transitório causador de maior mal do que aquele ao qual já não nos escapamos. Pelo contrário, mais vale uma cura dolorosa mas rápida do que um contínuo resvalar para a desgraça.
Acredito que seria possível obter apoio alargado na Assembleia da República, enquanto se esperam eleições, para um governo com funções equivalentes às de um de gestão com um significativo acrescento: a melhoria da Justiça (incluindo simplificação radical de leis e regulamentos). Estando obrigado a concentrar-se neste assunto que é a primeira prioridade para Portugal, e relativamente ao qual o consenso será viável, aposto que um Executivo de programa assim minimalista proporcionará até excelentes resultados.
Nota final: a entrevista de Sousa Tavares a Sócrates fez-me lembrar a de Judite de Sousa a Rui Rio – se não é confrontado (e não foi) com argumentos bem sistematizados e totalmente inquestionáveis, um político profissional como estes acaba por ser “branqueado” aos olhos dos seus apoiantes por um entrevistador que facilitou no trabalho de casa.
(publicado no JN de 2010/02/25)
2010/02/12
Alforrecas
Não há estabilidade que justifique a manutenção de um caminho errado com gente indigna do cargo que ocupa - estabilidade em direcção ao abismo?
Generalizemos, cometendo com isso algumas injustiças: o cidadão comum está mole. Exige das figuras públicas padrões de comportamento a que ele próprio não se sujeita quando menos exposto a olhares alheios. A vivência num ambiente de ética degradada diminui o seu discernimento, a sua capacidade de indignação. As pequenas malandrices enquanto cidadão comum são precisamente a escola que prepara as acções em grande escala dignas de escroques que as circunstâncias da vida tornaram possíveis a alguns.
O que fazer quando as instituições parecem esboroar-se? Actuar com eficácia talvez cruel (pois a avaliação que se faz não é, nem deve ser, do âmbito rigoroso da Justiça), escolhendo rapidamente novos protagonistas. Não há estabilidade que justifique a manutenção de um caminho errado com gente indigna do cargo que ocupa - estabilidade em direcção ao abismo? O argumento de que sem uma alternativa na manga não se deve arriscar uma mudança é um resto do inevitável lastro cultural salazarista, que impele os representantes do povo a agir como se fossem seus “encarregados de educação”. A alternativa só se materializa em face da oportunidade, na medida da necessidade concreta. Uma solução aparecerá quando tiver mesmo de aparecer. Não se adie mais.
A “política de verdade” proposta, mas não praticada, pela actual direcção do PSD é um requisito essencial para qualquer governo nestas circunstâncias. Convém portanto haver memória clara do que nos trouxe a este ponto e das equipas responsáveis por isso, em especial executivo PS e oposição PSD. Quem pertenceu a essas equipas poderá certamente desempenhar papel útil no futuro, mas não haja ilusões de que essas mesmas pessoas possuem capacidade para liderar o esforço de inverter a desgraça em que estamos a cair. É altura de outra gente no PS e no PSD.
(publicado no JN de 2010/02/11)
Generalizemos, cometendo com isso algumas injustiças: o cidadão comum está mole. Exige das figuras públicas padrões de comportamento a que ele próprio não se sujeita quando menos exposto a olhares alheios. A vivência num ambiente de ética degradada diminui o seu discernimento, a sua capacidade de indignação. As pequenas malandrices enquanto cidadão comum são precisamente a escola que prepara as acções em grande escala dignas de escroques que as circunstâncias da vida tornaram possíveis a alguns.
O que fazer quando as instituições parecem esboroar-se? Actuar com eficácia talvez cruel (pois a avaliação que se faz não é, nem deve ser, do âmbito rigoroso da Justiça), escolhendo rapidamente novos protagonistas. Não há estabilidade que justifique a manutenção de um caminho errado com gente indigna do cargo que ocupa - estabilidade em direcção ao abismo? O argumento de que sem uma alternativa na manga não se deve arriscar uma mudança é um resto do inevitável lastro cultural salazarista, que impele os representantes do povo a agir como se fossem seus “encarregados de educação”. A alternativa só se materializa em face da oportunidade, na medida da necessidade concreta. Uma solução aparecerá quando tiver mesmo de aparecer. Não se adie mais.
A “política de verdade” proposta, mas não praticada, pela actual direcção do PSD é um requisito essencial para qualquer governo nestas circunstâncias. Convém portanto haver memória clara do que nos trouxe a este ponto e das equipas responsáveis por isso, em especial executivo PS e oposição PSD. Quem pertenceu a essas equipas poderá certamente desempenhar papel útil no futuro, mas não haja ilusões de que essas mesmas pessoas possuem capacidade para liderar o esforço de inverter a desgraça em que estamos a cair. É altura de outra gente no PS e no PSD.
(publicado no JN de 2010/02/11)
2010/01/29
O próximo Primeiro-Ministro
Quero que aproveite as competências dispersas pela sociedade civil para complementar ou corrigir o trabalho da sua própria equipa
As sociedades não mudam à velocidade dos indivíduos, têm a inércia de um petroleiro. Por isso os partidos tradicionais vão ser uma ferramenta indispensável para a reabilitação do país, sendo o PSD a base de uma alternativa ao actual desgoverno. O que é que eu quero de um novo líder do PSD e futuro primeiro-ministro?
Quero eleger alguém que me dê voz, que me represente de forma estável; não preciso de quem me explique depois o que é bom para mim. Quero que cative novos militantes e eleitores, que crie um ambiente propício à colaboração entre eles e os militantes mais antigos para produção de Política.
Quero que perceba que é muito limitada a capacidade do Governo, só por si, mudar o país; que o seu papel é o de potenciar a acção da iniciativa privada. Quero que aproveite as vastas competências dispersas pela sociedade civil, sabendo ouvi-la, para complementar ou corrigir o trabalho da sua própria equipa. Quero que diminua o âmbito da intervenção do Estado e os impostos que me suga, focando-o nas suas funções de regulador, de promotor da coesão social, de garante do cumprimento das regras da vida em sociedade. Preciso portanto de uma Justiça a funcionar com base em leis e regulamentos simples que não tratem o cidadão como irresponsável ou bandido em potencial.
Quero que se apresente ao país com uma proposta virada para o futuro, que suscite e reforce a ambição dos portugueses, que ajude a transformar as capacidades em progresso. Não me interessa um programa milagroso de medidas avulsas destinado a ser aplicado por um líder iluminado; prefiro um conjunto de opções estruturais enquadradas por sólidos princípios orientadores que se vão transformando em soluções concretas de um Governo que faça pouco, mas faça bem. Pensando bem, a escolha é simples. É de facto preciso mudar.
(publicado no JN de 2010/01/28)
As sociedades não mudam à velocidade dos indivíduos, têm a inércia de um petroleiro. Por isso os partidos tradicionais vão ser uma ferramenta indispensável para a reabilitação do país, sendo o PSD a base de uma alternativa ao actual desgoverno. O que é que eu quero de um novo líder do PSD e futuro primeiro-ministro?
Quero eleger alguém que me dê voz, que me represente de forma estável; não preciso de quem me explique depois o que é bom para mim. Quero que cative novos militantes e eleitores, que crie um ambiente propício à colaboração entre eles e os militantes mais antigos para produção de Política.
Quero que perceba que é muito limitada a capacidade do Governo, só por si, mudar o país; que o seu papel é o de potenciar a acção da iniciativa privada. Quero que aproveite as vastas competências dispersas pela sociedade civil, sabendo ouvi-la, para complementar ou corrigir o trabalho da sua própria equipa. Quero que diminua o âmbito da intervenção do Estado e os impostos que me suga, focando-o nas suas funções de regulador, de promotor da coesão social, de garante do cumprimento das regras da vida em sociedade. Preciso portanto de uma Justiça a funcionar com base em leis e regulamentos simples que não tratem o cidadão como irresponsável ou bandido em potencial.
Quero que se apresente ao país com uma proposta virada para o futuro, que suscite e reforce a ambição dos portugueses, que ajude a transformar as capacidades em progresso. Não me interessa um programa milagroso de medidas avulsas destinado a ser aplicado por um líder iluminado; prefiro um conjunto de opções estruturais enquadradas por sólidos princípios orientadores que se vão transformando em soluções concretas de um Governo que faça pouco, mas faça bem. Pensando bem, a escolha é simples. É de facto preciso mudar.
(publicado no JN de 2010/01/28)
2010/01/15
X
A medida mais urgente para a Economia é afinal na Justiça. E para a Educação também é na Justiça. E para o Ambiente também é na Justiça.
Governo e Assembleia da República continuam sem perceber que não haverá futuro num país em que são sistematicamente desrespeitadas as regras de funcionamento da sociedade. Os cidadãos não são defendidos com um mínimo de eficácia a nível dos tribunais e da Administração Pública. Assim se destroem relações sociais, economia e esperança.
A solução está ao alcance mas não é aplicada – a Justiça, em sentido lato. Simplifiquem-se drasticamente leis e regulamentos supérfluos, dificilmente entendidos e cujo cumprimento generalizado é impossível de garantir. Passo a passo, é essencial uma limpeza completa, eliminando motivos de recurso aos tribunais ou evitando interacções penosas com serviços do Estado. Estabeleçam-se prioridades de actuação. O que é mais urgente para apoio ao desenvolvimento? Incentivos fiscais ao investimento estrangeiro ou processos judiciais resolvidos em tempo útil? O que é mais importante para a reabilitação dos centros urbanos? Renovação do edificado com capitais estatais, ou uma lei das rendas com mecanismos racionais em que senhorios e inquilinos se entendam sem intermediação dos serviços públicos? Por isso a medida mais urgente para a Economia é afinal na Justiça. E para a Educação também é na Justiça. E para o Ambiente também é na Justiça.
A minha gata X, que morreu faz hoje um ano, percebia este raciocínio melhor do que Sócrates: se desconfiava de perigo largava o que estava a fazer, juntava-se à irmã gémea e vinham as duas a correr defender-me. Sejamos realistas: só mudando pessoas e, principalmente, processos de governar é que ultrapassamos esta degradação do país. É por isso que a escolha de um novo primeiro-ministro, na prática, está já em curso. Não se procure um salvador, mas alguém que congregue competências para tratar apenas do que é realmente prioritário.
(publicado no JN de 2010/01/14)
Governo e Assembleia da República continuam sem perceber que não haverá futuro num país em que são sistematicamente desrespeitadas as regras de funcionamento da sociedade. Os cidadãos não são defendidos com um mínimo de eficácia a nível dos tribunais e da Administração Pública. Assim se destroem relações sociais, economia e esperança.
A solução está ao alcance mas não é aplicada – a Justiça, em sentido lato. Simplifiquem-se drasticamente leis e regulamentos supérfluos, dificilmente entendidos e cujo cumprimento generalizado é impossível de garantir. Passo a passo, é essencial uma limpeza completa, eliminando motivos de recurso aos tribunais ou evitando interacções penosas com serviços do Estado. Estabeleçam-se prioridades de actuação. O que é mais urgente para apoio ao desenvolvimento? Incentivos fiscais ao investimento estrangeiro ou processos judiciais resolvidos em tempo útil? O que é mais importante para a reabilitação dos centros urbanos? Renovação do edificado com capitais estatais, ou uma lei das rendas com mecanismos racionais em que senhorios e inquilinos se entendam sem intermediação dos serviços públicos? Por isso a medida mais urgente para a Economia é afinal na Justiça. E para a Educação também é na Justiça. E para o Ambiente também é na Justiça.
A minha gata X, que morreu faz hoje um ano, percebia este raciocínio melhor do que Sócrates: se desconfiava de perigo largava o que estava a fazer, juntava-se à irmã gémea e vinham as duas a correr defender-me. Sejamos realistas: só mudando pessoas e, principalmente, processos de governar é que ultrapassamos esta degradação do país. É por isso que a escolha de um novo primeiro-ministro, na prática, está já em curso. Não se procure um salvador, mas alguém que congregue competências para tratar apenas do que é realmente prioritário.
(publicado no JN de 2010/01/14)
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